Ibimirim (PE)

A viagem nesse trecho tinha sido terrível e, para complicar ainda mais a situação, surgiu esse problema da mesa do telescópico. Olhando para ver se achavam alguma oficina ainda aberta, localizaram uma que além de serralheria era também ferraria (ferrava animais).

Quem os atendeu foi o dono, Sr. Severino, pessoa muito alegre e prestativa, que até deixou o Fernando ali, na hora, aplicar a solda. Brincando, perguntou se queriam aproveitar e “ferrar” a moto também. Riram da piada e agradeceram a gentileza por nada ter-lhes cobrado pela solda. Ainda bem, porque o dinheiro já estava no fim.

Notaram que a oficina, além de pequena, estava abarrotada de ferros e outros objetos. Não querendo abusar da boa vontade do Sr. Severino, perguntaram se somente a moto poderia ficar ali, ele respondeu:

“Podem deixar! Se os jovens repararem bem verão que a oficina não tem nem porta, porque fica aberta dia e noite. Mas fiquem sossegados porque aqui não tem perigo. Em lugar pequeno todos se conhecem”.

Por curiosidade, olharam e viram não haver nenhuma porta na oficina.

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Perguntando se poderia indicar um local para comerem que tivesse preço acessível (o dinheiro já estava escasso e havia ainda muito chão a enfrentar) respondeu que procurassem a casa de Dona Vilma, uma senhora que às vezes cozinhava para fora, dando-lhes a direção. Lá foram os dois a pé até a casa indicada, deixando a moto na oficina.

Batendo na porta, uma senhora gorda veio atendê-los. Disseram-lhe o que desejavam e ela então falou para entrarem.

Contou o que poderia fazer para servir, deu-lhes o preço da refeição, mas pousada informou não ter e nem sabia quem teria porque ali não era um lugar de parada. E por ser um lugar muito pequeno, quem trafegava pela estrada passava direto.

Aceitaram as refeições, pagaram e ficaram na sala aguardando que ela aprontasse e lhes servisse o jantar.

Enquanto esperavam as refeições, duas bonitas garotas com seus vinte anos entraram e os olharam intrigadas pelo fato de serem desconhecidos. Mais intrigadas ainda ficaram por estarem eles trajando roupas diferentes das usadas no local e ainda com boné e cachecol. Mas felizmente logo se descontraíram, indo até onde eles estavam e passaram a conversar.

Disseram que eram primas e moravam ali com a madrinha (a senhora gorda), que estudavam à noite na casa-escola da localidade e de dia trabalhavam numa olaria. Nada mais tinham para fazer ali, a não ser irem fins de semana ao cineminha da igreja, quando tinha.

De parte deles contaram sobre a viagem, que eram do Rio, falaram das suas profissões, disseram que as achavam bonitas, que estavam esperando a comida ser preparada para depois irem procurar um lugar a fim de passarem a noite e seguirem viagem bem cedo no dia seguinte, em direção ao Recife para verem o carnaval.

Enquanto conversavam chegaram as refeições, mas como elas só iriam jantar mais tarde, despediram dos viajantes e saíram.

Terminado o jantar, que segundo afirmaram fora gostoso, variado, farto e principalmente barato, tinham agora de procurar logo um lugar a fim de pernoitarem, por já estar ficando tarde.

Povoado pequeno, caminhando devagar casualmente passaram por uma pracinha e lá, sentadas sozinhas em um banco, viram as duas garotas como se estivessem esperando alguém.

Caminhando até elas, que após recebê-los muito bem, perguntaram se haviam arranjado lugar para dormir, responderam negativamente.

Continuando a conversa falaram dos dias tristes que levavam naquele local sem qualquer perspectiva de futuro para elas; que tinham saído das casas de suas mães em Campina Grande-PB, mas estavam com vontade de voltar porque lá, junto com as mães, além de já estarem ambientadas havia mais diversão, escolas, mais oportunidade para arranjarem um bom trabalho e muitas outras coisas para fazerem. E que além do mais estavam com muitas saudades da casa e da família.

O piloto lhes perguntou porque não voltavam para suas verdadeiras casas e elas responderam estarem temerosas da reação das mães, que poderiam não recebe-las bem e aí não terem mais onde ficar, pois não teriam coragem nem condições econômicas de voltar para a madrinha ali em Ibimirim (PE).

Após terem feito esta declaração, imediatamente perguntaram se na trajetória que estavam fazendo eles poderiam passar por Campina Grande (PB) e levar um recado para as suas mães. Sentindo pena das garotas, o piloto respondeu que poderiam sim, bastando darem-lhes o endereço e o nome das pessoas que deveriam receber os bilhetes. Mas o seu pensamento naquele instante, era:

“Se para chegar a Recife estava sendo dureza, o que não será preciso fazer e também enfrentar para irem até a casa das mães das garotas a fim de entregarem os bilhetes das filhas? Mas como tudo na vida sempre se dá um jeito, vamos em frente!”

Alegres por ter o piloto concordado, disseram que ao voltarem à casa da madrinha (na pensão) para dormir, fariam os bilhetes.

E agora…surpresaaaa…., surpreendente!!!

A seguir disseram:

“Já que não arranjaram lugar para dormir e está bem tarde, vão dormir conosco lá no nosso quarto”. Creio que automaticamente naquele momento ambos arregalaram os olhos.

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Surpresos pelo inesperado convite e por ter partido de duas garotas bonitas e bem educadas, para disfarçarem, mas um pouco sem jeito (pois ainda estavam abalados pelo “traumático” convite) disseram que iriam incomodar, principalmente à madrinha, que notaram ser pessoa bastante austera.

As moças então responderam que ela não iria saber de nada, principalmente dos bilhetes e explicou como deveriam fazer para chegarem ao quarto delas:

“Que fossem para lá somente depois das 22h30, mas não entrassem pela porta da frente. Por ficar o quarto delas no 1º andar atrás da casa, que dessem a volta e subissem numa árvore. Depois, através de um galho que vai até a varanda do quarto, o utilizassem para chegar ao quarto. Elas os receberiam e eles passariam a noite lá, desde que prometessem não fazer barulho e saíssem antes do amanhecer”.

É lógico que prometeram. Quem em sã consciência numa ocasião dessas e na situação na qual estavam diria outra coisa?

Confirmando então o convite, elas se despediram e foram para casa tomar banho e dormir (e o mais importante: esperááá-lossss!!!)

Por estar tarde, o movimento era nenhum. Passeando então pelas poucas ruas e observando o local a fim de fazerem hora, ao passarem pela porta do pequeno cemitério local, o Fernando, sem mais nem menos disse: “Ora veja só. O portão está aberto! Se na casa das garotas não der certo, já temos lugar pra dormir”.

Não achando graça na brincadeira, o piloto repreendeu-o. E o Fernando não perdeu por esperar porque, mais adiante, algo muito coerente com o que ele zombeteiramente falou voltou-se contra ele. Fato que apesar de ter sido bem hilário, na ocasião não era para risos. Mais adiante essa situação ventilada será contada.

Voltando à oficina, Sr. Severino deixou-os tomar banho, trocar algumas peças de roupa e depois de limpos e trocados, saíram.

Às 22h45 eles foram para o encontro com as garotas, deixando a moto na oficina, pronta para viajarem no dia seguinte.

Sorrateiramente, chegaram até a tal árvore e antes de nela subirem tiraram os sapatos e meias a fim de facilitar a subida. Então, enquanto Fernando ficava embaixo com eles, o piloto subiu no tronco da árvore. Estando já em cima, ele recebeu os sapatos com as meias, colocando-os num galho (poderia passar alguém, ver os sapatos no chão e levá-los). Em seguida Fernando também subiu e então o piloto foi para o tal galho que o conduziria até a varanda. Como o galho não era muito resistente, o piloto pediu ao Fernando para nele só se pendurar quando já estivesse liberado. Chegando então à varanda onde a Gabriela e a Mariazinha já os esperavam, o piloto entrou pela porta que dá para o quarto. Nisso, Fernando escorregou no tronco, agarrou um galho mais fino, que quebrou e o faz cair da árvore. Com o barulho pelo tombo e o roçar nas folhagens durante a queda, espantou algumas aves que ali estavam empoleiradas, fato que contribuiu para aumentar ainda mais o barulho.

Apesar dos pesares, por sorte não se machucou (estava ainda um pouco abaixo da altura da varanda) e por precaução aguardou um pouco. Vendo não ter aparecido ninguém nas janelas das poucas casas por ali espalhadas, subiu novamente na árvore e pegou o galho certo, alcançando finalmente a varanda e entrando no quarto com a cara mais passada do mundo devido ao “fora” que dera.

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Chegando lá dentro pensaram:

“Essa forma pela qual entraram não deveria ser coisa de improviso naquele dia, mas como isso para eles pouco importava, deixaram esse pensamento de lado”.

Saindo desse pensamento e voltando à realidade, o piloto notou que as garotas entregavam-lhe bilhetes dentro de envelopes fechados, com os nomes e endereços das respectivas mães na frente de cada um deles.

Calorosamente, mas em voz baixa, recomendaram que os guardasse bem guardados e não deixasse de entregá-los, suas modestas vidas estavam ali naqueles bilhetes.

A seguir disseram para ficarem à vontade, o que fizeram tirando a roupa para deitarem tendo em vista que dentro do quarto estava quente, mas ficando estabelecido o seguinte: piloto dormiria na cama com a Gabriela e o Fernando na cama com a Mariazinha. Sem conversa e muito menos barulho.

Um detalhe: As camas eram de solteiro.

Ah…, que noite maravilhosa! Achavam que tão cedo não iriam sair dali daquele povoado. De tão contentes que estavam já refaziam mentalmente os planos da viagem mediante estes fatos. Mas como o que é bom dura pouco, eis que de repente e na alta madrugada, ouviram fracas batidas na porta e murmúrio de vozes. Assustadas, as duas garotas sussurrando disseram para eles saírem em silêncio.

O que fazer? Dois viajantes nus naquele povoado modesto, dentro de um quarto com duas garotas moderninhas; plena madrugada; gente na porta do quarto; três metros de altura do quarto até ao chão; um galho; uma árvore; e sem poder fazer ruído, não se tem mais no que pensar, o negócio é fazer e rápido!

Então pegaram as roupas, jogando-as todas para fora e a seguir correram para a varanda passando por cima da grade. Segurando com as mãos o piso da varanda esticaram os braços e o corpo ao longo (diminui altura) e soltaram as mãos. Ao baterem no chão (afastados da parede) flexionaram os joelhos e apoiaram o corpo com as mãos. Moleza! Para quem está acostumado levar tombos de motocicleta e de patins, isso é até brincadeira!

Já no chão, enquanto Fernando pegava as roupas, o piloto apanhava sapatos e meias na árvore para em seguida caírem fora nus como estavam e se vestirem num beco mais adiante.

Após vestidos e calçados, correram até a oficina, que por não ter porta foi possível entrar para apanharem a moto. Devido ao barulho do motor ao saírem, Sr. Severino acordou bem assustado. Ao vê-lo em pé sem entender aquela saída repentina, a fim de acalmá-lo deram adeus e saíram em desabalada carreira sem olhar para trás.

Pegaram estrada imprimindo a maior velocidade possível, numa noite que para complicar ainda mais a situação, não tinha luar. Mas pelo menos não chovia. Enfim, dos males, o menor.

Motociclistas Invencíveis

Semanalmente vamos publicar, aqui no Viagem de Moto, capítulos do livro Motociclistas Invencíveis, romance extraído de uma viagem com moto ocorrida em 1960.

Conduzindo na garupa da moto um amigo, piloto sai do Rio de Janeiro por estradas de terra a fim de encontrar sua linda namorada, que saindo de Itabuna (BA) para morar no Rio de Janeiro, de repente, da noite para o dia, desaparece sem deixar rastros. Chegando a Itabuna, piloto descobre que ela fugia de assassinos (contratados para matá-la), pelo fato dela ser testemunha do assassinato de seu pai, ex-cacaueiro na região.

Por acontecerem muitas aventuras e novos amores pelo caminho, foram até a Paraíba.

Enfrentaram sol, poeira, chuva e lama. Ajudaram, foram ajudados, acontecendo inclusive que, por levarem uma garota (estava num leito de morte) entre eles dois até ao hospital, salvaram sua vida. Em si, a história mostra como eram os motociclistas Nos Deliciosos Anos Dourados.


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