Jeremoabo (BA)

Talvez por estar preocupado com a continuidade da viagem, o piloto acordou às 5h da manhã. Com o dia clareando, ele resolveu dar umas voltas a pé pelas proximidades e viu muitos vaqueiros montados em cavalos, trajando roupas e chapéus de couro.

Retornando ao alojamento, encontrou Fernando já acordado e então trataram de tomar o café da manhã. A seguir pegaram a moto e agradeceram a gentileza por terem deixado que ela ficasse à noite no quarto com eles. Estando tudo pronto, despediram-se do pessoal da pousada e partiram em direção a Paulo Afonso, com a expectativa de almoçarem por lá.

A estrada, embora de terra, estava aceitável por estar lisa após nivelada por trator. Mas, como o tempo estava seco e quente, a poeirada era intensa. Cada veículo que passava levantava tanta poeira que não deixava ver nada durante um bom tempo.

Apesar dos pesares, não demorou e chegaram a Paulo Afonso. Pegando então outra estrada menor, ela os levou ao centro da cidade, onde almoçaram.

De volta à estrada principal (BR-116), ao fazerem a travessia da fronteira Bahia-Pernambuco viram a represa de Paulo Afonso, grande geradora de energia para o nordeste.

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É uma beleza assistir a revolução das águas quando caem do alto da represa e batem no rio mais abaixo, o famoso São Francisco, apelidado “velho Chico”.

Continuando viagem, passaram por longa ponte de ferro construída sobre o São Francisco, com o objetivo de atravessarem para Pernambuco através dela. Ao chegarem na metade da ponte, deram uma parada porque queriam jogar alguma coisa no rio a fim de terem ideia da altura dela até ao leito do rio. Ao saltarem da moto para irem ao parapeito, sentiram a ponte balançar tanto, que até os assustou, por parecer que iria se partir a qualquer momento. Refeitos da surpresa, jogaram uma pequena pedra lá para baixo. E olha, por demorar a bater na água, mostrou ser bem considerável a altura da ponte até o leito do rio.

Saciada a curiosidade, montaram novamente na moto, seguindo até a primeira cidade do estado de Pernambuco, chamada Petrolândia, onde havia um Posto da Secretaria de Fazenda.

Se as estradas por eles percorridas na Bahia eram ruins, esta agora, por ser terrível, fez com que o pneu traseiro furasse novamente, fazendo-os consertá-lo.

Mais adiante, num povoado muito pequeno, cujo nome o pessoal do local disse ser Mirim, fizeram uma parada para esticarem um pouco as pernas por já senti-las adormecidas.

Deixando a moto junto à estrada, caminharam por algumas ruelas por pura curiosidade, por quererem apenas ver o que havia na localidade. Nesse pequeno trajeto aconteceu de, casualmente, verem acanhado barzinho onde o cozinheiro havia preparado rabada com agrião e polenta, que por cheirar maravilhosamente bem, os provocou.

Era hora do almoço, estavam com fome, tinham ainda algum dinheiro e o cheiro era bom, então não faltava mais nada. Trataram de comer e se deliciaram. Estava realmente muito gostosa a bendita rabada com polenta, agrião, arroz e pimenta, afirmaram eles.

Terminado o almoço, agora com a barriga cheia, resolveram descansar um pouco a fim de darem um tempo ao sol fortíssimo.

Arranjando uma sombra num barraco na beira da estrada, ficaram conversando com pessoas que curiosamente observavam a moto e ao mesmo tempo faziam diversas perguntas sobre para o que servia isso, para o que servia aquilo, etc., etc. Esse fato para eles era corriqueiro porque, onde paravam, curiosos chegavam para fazer várias indagações e elogiar a beleza da moto, que lá chamavam “motor”.

Não demorou muito e parou perto deles um ônibus antigo, lotado de passageiros, que saíra de Jeremoabo e estava indo também para Recife.

O motorista saltoua e perguntou ao piloto se poderia dar uma carona a ele na moto até um povoado mais atrás, onde sabia ter câmara de ar para o pneu do ônibus.

Acontecera que pouco antes de chegar ali havia usado o estepe devido a um furo que acontecera pouco mais atrás e agora estava com medo de outro pneu furar. Por ficar sem estepe, pelo fato da câmara ter rasgado, ele ficaria preso na estrada com os passageiros. E ali onde estavam tinha até borracheiro para fazer a montagem da câmara nova no pneu que ficaria como estepe.

Garantiu que o retorno não chegaria a 10 quilômetros, sendo portanto coisa rápida. Mas fosse ou não fosse rápido, lógico que iriam ajudá-lo por compreenderem não somente sua delicada situação, como também a dos passageiros.

O piloto disse para o Fernando esperar, mandou o motorista subir na garupa e lá foram eles, comendo poeira sob o sol escaldante.

Realmente não era muito distante, mas o piso, como dito anteriormente, era tão ruim que dava a impressão de terem percorrido várias dezenas de quilômetros para chegarem ao local.

Lá chegando, o motorista saltou da moto, foi até o armazém (assim denominavam as lojas no local) voltando de lá pouco depois alegre e triunfante, agitando a valiosa câmara de ar. Segurando-a com muito cuidado, sentou novamente na garupa da moto e voltaram.

Ficando o motorista onde o ônibus estava, agradeceu muito ao piloto e foi tratar de colocar a câmara no pneu estepe no tal borracheiro que havia ali. Ato contínuo, Fernando, sentou na moto junto com o piloto, desejaram boa sorte ao motorista, aos passageiros também e partiram naquele cáustico “solzão” que a tudo queimava. Queimava mesmo, porque a caatinga existente em ambos os lados da estrada estava completamente seca.

Até cágados passavam por eles com os cascos brilhando devido ao protetor solar que usavam para se protegerem do “solzão” (brincadeira…).

A caatinga, por sua vez, ficava permanentemente seca devido à inclemência do sol e amarronzada por consequência da constante e interminável poeira da estrada. E o que mais se via por ali eram animais mortos dentro da caatinga, cuja maioria restava somente osso, pois os abutres desossavam tudo.

Falando da violência do sol, no local havia lembrança do que outrora foram rios, tendo em vista que naquele momento o panorama era de valas e regos secos. Sinceramente, disse o piloto: “ver um lugar tão inóspito assim é muito triste é até revoltante por que verbas e mais verbas destinadas durante anos e anos para mitigar essa desolação sempre foram desviadas do seu propósito, indo parar nos bolsos de políticos bandidos, funcionários corruptos, enriquecendo construtoras inescrupulosas. Ao passo que cidadãos trabalhadores honestos e produtivos, sempre ficaram à míngua nesse solo tão aterrador. Com isso perde o pobre caboclo nordestino produtivo e também o país no seu todo. No final quem lucra são políticos, funcionários inescrupulosos e as empresas aproveitadoras. Por aí é fácil ver que corrupção é coisa muito antiga e danosa ao Brasil. Esta malfadada corrupção atuante no nordeste tinha e ainda tem negativa alcunha: ‘indústria da seca’!”

Mas deixemos de política e vamos em frente na jornada.

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Seguindo o percurso calmamente, por extrema coincidência, eis que encontraram um carro de passeio enguiçado por causa de um problema, possivelmente no motor, visto estar o capô levantado. Pararam e viram tratar-se de uma família, porque além do casal havia uma senhora e duas crianças. E os coitados estavam parados justo naquele solzão aterrador e sem qualquer sombra pelas proximidades.

Notaram haver também dois homens parados, próximos ao carro enguiçado, mas assim que viram piloto e garupa parar e saltarem da moto, foram se afastando até entraram num carro velho e partirem.

Perguntando ao motorista o que acontecera, este respondeu não saber qual a razão do carro não dar nenhum sinal de partida. Morrera de repente e não conseguia fazê-lo pegar. Acionava a partida e nenhum sinal havia por parte do arranque.

Fernando então foi até ao motor do carro para fazer uma “minuciosa” verificação. Com jeitão de doutor de automóveis, olhando o motor mexeu daqui e mexeu dali, para depois, com a pose que só os grandes mecânicos têm, pediu ao piloto uma chave de boca ou estria, de determinada medida. O piloto foi até a pasta de ferramentas, apanhou a chave correta e imediatamente a entrega porque desejava ver a família livre daquela enrascada, pois o calor estava sufocante e até estranhava das crianças conseguirem suportar, sem reclamar, aquela temperatura tão alta. Se pusessem milho de pipoca no teto do carro, num instante teriam pipocas quentinhas para comer.

De repente, eis que o Fernando parou o que estava fazendo, foi para debaixo do carro, demorou um pouco como se estivesse verificando algo e depois de algum tempo deitado lá debaixo se levantou e disse para o motorista: “Vire a chave, faz favor!”. Como por milagre, o carro que não dava qualquer sinal de vida, de repente fez o barulho do arranco e… “vrummm”, o motor pegou e todos gritaram: “Vivaaaa!!!”

De tão felizes que ficaram, a família não sabia como agradecer.

O motorista disse que era médico, morava e trabalhava no Rio, mas estava indo a Recife com seu pessoal para encontrar familiares que finalmente iriam conhecer as crianças. Deu-lhes seu cartão de visita anotando no verso o endereço para onde estava indo em Recife e o da sua residência no Rio dizendo que queria vê-los novamente, sem falta, em qualquer um dos dois endereços. Infelizmente não houve oportunidade para visitá-lo em nenhum dos endereços fornecidos.

Felizes pelo acontecimento, a família partiu alegre com efusivas despedidas e os célebres acenos de mão, principalmente as crianças, até desaparecerem na poeira e na primeira curva da estrada.

Continuando a jornada foram distraidamente conversando sobre o caso, mas curioso que o piloto ficara em razão do conserto, pergunta ao Fernando qual teria sido o problema que causara aquela pane geral, pois pareceu ter sido algo complicado pelo fato de primeiro ele ter mexido no motor e depois embaixo do carro.

Com toda calma, Fernando simplesmente respondeu não ter sido nada. Acontecera, que com os solavancos da estrada, a porca que prende o cabo terra na bateria afrouxara deixando de fazer contato elétrico para a partida do arranque. Bastou apertá-la com a chave de boca e o caso já estava resolvido.

Mediante tal resposta, que até causou espanto ao piloto, ele então perguntou qual a razão do Fernando ainda ter deitado debaixo do carro após saber já estar o problema resolvido. Fernando respondeu que por estar muito quente aproveitara para sair um pouco do sol e ao mesmo tempo valorizava a descoberta fazendo parecer ter sido um problema mais difícil, respondeu rindo.

É…, o Fernando não parece que bebe. Ele bebe mesmo, foi o que pensou por sua vez o piloto.

Estavam ainda conversando e já viam ao longe o carro do médico levantando enorme poeira, quando de repente a moto dá um estalo e se inclina para a esquerda obrigando o piloto forçar o guidão para a direita a fim de compensar o equilíbrio. É que novamente acontecera de partir a base inferior da mesa do telescópico, exatamente onde havia levado solda. E agora, o que fazer?

Tendo de prosseguir (não havia outro jeito), ele fez o mesmo de quando a mesa partiu da primeira vez. Ficou forçando o guidão em sentido contrário para equilibrá-la e continuaram bem devagar, rezando para que não quebrasse a parte superior da mesa.

Andaram algum tempo nessa expectativa, já com a estrada escura, até que viram alguns lampejos de luz elétrica prenunciando haver algo adiante. Haviam chegado

Motociclistas Invencíveis

Semanalmente vamos publicar, aqui no Viagem de Moto, capítulos do livro Motociclistas Invencíveis, romance extraído de uma viagem com moto ocorrida em 1960.

Conduzindo na garupa da moto um amigo, piloto sai do Rio de Janeiro por estradas de terra a fim de encontrar sua linda namorada, que saindo de Itabuna (BA) para morar no Rio de Janeiro, de repente, da noite para o dia, desaparece sem deixar rastros. Chegando a Itabuna, piloto descobre que ela fugia de assassinos (contratados para matá-la), pelo fato dela ser testemunha do assassinato de seu pai, ex-cacaueiro na região.

Por acontecerem muitas aventuras e novos amores pelo caminho, foram até a Paraíba.

Enfrentaram sol, poeira, chuva e lama. Ajudaram, foram ajudados, acontecendo inclusive que, por levarem uma garota (estava num leito de morte) entre eles dois até ao hospital, salvaram sua vida. Em si, a história mostra como eram os motociclistas Nos Deliciosos Anos Dourados.


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