O caminho que leva ao Paso de Jama oferece distintas maravilhas. Dignas de registro são a Quebrada de Humahuaca; a Cuesta del Lipán, que, com sua sequência de curvas, leva ao altiplano e a 4.170 msnm; e a majestosa Salinas Grandes.
O cuidado com o reabastecimento tornou-se prioritário. A distância entre La Quiaca e o Paso de Jama é de 350km, morro acima, o que determina consumo extra de combustível. O recorde de autonomia da La Poderosa, sem passageiro e carga, havia sido de 420km, no plano. São 23 litros de gasolina. O reservatório foi enchido pela primeira vez. Nesse trecho, há postos YPF em Tilcara e no Paso de Jama e, no meio do caminho, um sujeito que comercializa combustível em Susques. Este, nem sempre operacional. Os de Tilcara e Susques nem sempre estão funcionando. Foi necessário preparar-se para o pior cenário: abastecer em La Quiaca e depois apenas no Paso de Jama.
O bom desempenho da moto permitiu chegar ao YPF do Paso de Jama sem problema e sequer foi necessário utilizar o combustível extra.
A chegada ocorreu pouco antes do fim do expediente da fronteira, que se daria às 16h, em razão de sua operação em horário de inverno. Foi o frentista do YPF, onde também existe um hotel ACA (Automovil Club de Argentina, similar ao Touring Clube brasileiro), que alertou sobre essa condição. Logo, o café quente foi deixado de lado e pé na estrada outra vez, pois não podia correr o risco de não cruzar a fronteira ou demorar para fazê-lo.
Era preciso aproveitar as três horas restantes de luz (como o sentido é Oeste, ganha-se uma hora em iluminação natural) para realizar os trâmites fronteiriços e chegar a San Pedro de Atacama, distante 160 km. Porém, cruzando a zona dos Campos de Gelo dos Andes, a 4.800 msnm, o ponto mais alto (e, em tese, também o mais frio) do trajeto. Esse horário havia sido escolhido em razão de o sol derreter eventual gelo formado sobre o asfalto.
Na fronteira havia duas famílias de brasileiros, que viajavam de carro. Os trâmites fronteiriços são simples em razão da integração dos processos argentino – chilenos. Mas, o registro da moto foi mais demorado, em razão de o veículo estar na Argentina há mais de 3 meses. Claro, está desde 2016.
Muita explicação e extrema boa vontade dos agentes argentinos, facilitada pelo registro da viagem feita com o QC (motoclube de Brasília) ao Uruguai, via Buquebus. Entrevistas com agentes argentinos e chilenos da Polícia, Aduana e Agricultura. Passaporte, documento da moto em nome próprio, dois formulários preenchidos, seis carimbos e três papeletas resultantes. Tudo OK, embora tenham esquecidas na boca as folhas de coca, sob a bochecha, antes de ingressar no complexo fronteiriço. Devem ter pensado que havia um dente inflamado ou logo reconheceram tratar-se de prevenção à puna, culturalmente aceito. Porém, transportar mais de 35 quilos de folhas de coca constitui crime. Havia apenas 50 gramas.
Após duas tentativas, o segundo paso (Jama) da viagem finalmente havia sido cruzado, a 4.320 msnm. Faltaria subir mais 480 metros. Bienvenido a Chile.
Pouco depois de entrar no Chile, começa uma sequência de paisagens de tirar o fôlego, literalmente. A temperatura baixa bastante (2ºC), mas o seu esplendor ameniza o desconforto. Majestosas montanhas e vulcões, com cumes cobertos de gelo, acompanham boa parte do trajeto até San Pedro de Atacama.
Aos 4.800 msnm, La Poderosa assustou. Durante uns 50-100 metros, perdeu potência e tossiu. “Punou”. Marchas reduzidas: da sexta à segunda. Na estrada, avisos diziam não haver sinal celular, o fluxo de veículos era mínimo, os brasileiros há muito haviam ultrapassado, a luz do dia chegava ao fim, o termômetro marcava -6ºC etc. Fazia muito frio, mas um fio de suor escorreu no rosto e nas axilas. Colocar folhas de coca no tanque? Bobagem. Foi o módulo de controle eletrônico ajustando-se ao baixo percentual de oxigênio no ar, pois logo tudo voltou ao normal.
Há, também, lagoas, cujo tom azul das águas se destaca na paisagem. Guanacos e vicunhas, ariscos e muitas vezes camuflados, pastam em campos e encostas. Um grupo foi filmado em movimento, atravessando pela frente da moto: um show; um perigo. Mais uma razão para aproveitar a luz natural. Esses animais vivem em altitudes superiores a 3.500 msnm
A altura e o frio dos Campos de Gelo dos Andes, a 4.500 msnm, diminuem a cerca de 30 km de San Pedro de Atacama, que é avistada ao longe, à medida em que se desce. Uma depressão de paisagens desérticas circundada por vulcão e montanhas nevadas passam a ser as referências.
Próximo aos 2.500 msnm já era possível abrir o capacete e sentir o vento “morno” (11ºC) no rosto.
Não há alternativa, uma vez cruzado o Paso de Jama a parada seguinte é San Pedro de Atacama. Esta lembra Canoa Quebrada no tempo em que QC significava Quase Cinquenta, só que no deserto e a 2.500 msnm.
San Pedro de Atacama é um oásis, com ruas de areia, lojas de suvenires, hippies e alternativos, gente de várias partes do mundo (muitos brasileiros), idiomas múltiplos, restaurantes e ofertas de comidas variadas, um montão de hostels (muitos, mixurucas; alguns, melhores, denominados hotel boutique, uma espécie de “pousada metida a besta”, mas todos com preços de hotéis), centenas de agências de excursões, cachorros de rua para dar com o pau etc. As ruas principais onde muito disso se concentra são a Calama e Caracoles, ambas são apenas “peatonales”.
Frutos do mar e massas com molho de frutos do mar, bem elaborados e de bom gosto e servidos em locais aprazíveis, são comuns.
Há ofertas para os mais variados gostos e bolsos. Embora mais caros do que na Argentina e em outras partes conhecidas do Chile, é mais barato do que havia imaginado, baseado em descrições de terceiros.
Na cidade, durante o dia, 20ºC; à noite, 3ºC. O must do local são as excursões aos muitos atrativos naturais do deserto do Atacama.
Buenas noches.
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