5º dia – Sarajevo

No quinto dia descansamos. Decidimos não tocar nas motos e descobrir Sarajevo, uma cidade que renasce das cinzas. São notórias as marcas de guerra e devastação, mas a multiculturalidade, as flores, os comércios e o movimento das ruas inscreve um novo capítulo na história, mais tolerante e em paz. Pelo menos, aparentemente.

No dia anterior, logo à chegada, decidimos jantar na cidade e depois de correr as ruas movimentadas, decidimos entrar num dos muitos restaurantes com forte tradição muçulmana. Sarajevo é essencialmente uma cidade muçulmana, muito embora conviva com católicos e ortodoxos, num ambiente que, como referi, nos parece pacífico. Jantar no restaurante muçulmano foi para nós uma experiência nova, muito embora a comida não nos parecesse mal, sem porco obviamente. Também não houve direito a uma cervejinha, coisa que nos deixou desolados.

– “… peço desculpas, mas não servimos álcool”

Claro que não podíamos deixar de refrescar a alma. Depois de muito correr as ruas, encontramos um bar inglês numa viela secundária, onde bebemos umas belas cervejas a 5 paus.

No dia seguinte resolvemos visitar os locais históricos que tínhamos programado. Desde logo, a Ponte Latina sobre o rio Miljacka, onde ocorreu o assassinato de Francisco Fernando do Império Áustria-Húngaro. As ruas são largas, onde os comércios se apinham. O comércio é de manifesta tradição muçulmana, os bronzes, os tecidos, os pechisbeques por todo lado. No meio da confusão, decidimos visitar o museu da guerra, lugar arrepiante, onde se sente claramente o ódio e as tragédias.

Viagem de moto Europa Balcas Bosnia 003 Sarajevo

À tarde encontramo-nos com um guia que nos levaria ao túnel da vida. O guia tinha sido polícia Croata durante a guerra, tinha perfeito conhecimento do que se tinha passado e foi, ao longo do caminho, contando as diversas histórias que compõem a tragédia nos Balcãs.

Entre muitas histórias que nos foi contando, algumas realçam pela especial fatalidade. Durante o cerco de Sarajevo, que durou de 5 de abril de 1992 a 29 de fevereiro de 1996, a cidade apenas conseguia abastecimento através de uma estreita faixa de terreno sobre o aeroporto que estava controlado pela ONU. Todos os dias, grupos de pessoas corriam pela estreita faixa para buscar alimentos na zona controlada pelo exército Bósnio que, através das montanhas e densa floresta, fazia chegar alimentos desde a Croácia. Essa passagem era conhecida como a Sarajevo Roulette, já que, das montanhas, os snipers disparavam sobre as pessoas que atravessavam as pistas do aeroporto e, todos os dias, uma ou mais pessoas, eram abatidas naquele local. Só não abatiam mais porque o sniper tinha de recarregar a arma.

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Por isso, e para evitar mais mortes, foi construído o túnel da vida. O túnel da vida está construído por baixo das pistas do aeroporto e permitia às pessoas atravessar em segurança, evitando os snipers. A construção durou seis meses e foram usadas pás e picaretas. Os trabalhadores revezavam-se em três turnos, 24 horas por dia, na construção do túnel com cerca de 800 mts de extensão, 1 metro de largura e 1,6 m de altura. Ele foi construído de ambos os lados, de um lado (zona livre) toda a cofragem é de madeira, do outro (Sarajevo) a cofragem é de ferro, já que toda a cidade ficou sem árvores, uma vez que, durante os invernos rigorosos, a única fonte de aquecimento em Sarajevo era a lenha.

A única forma de garantir que as escavações estavam sendo feitas corretamente, era através de periscópios artesanais, que permitiam verificar o alinhamento dos túneis.

Apenas um parque verde subsistiu na cidade, a zona onde estava o quartel da polícia Bósnia e só ficou devido à necessidade de ocultação do posto. Mais de um milhão de pessoas circularam pelo túnel. Além de pessoas, por ali também entravam alimentos, armamentos, medicamentos e cigarros. Pelo túnel passavam também as condutas de abastecimento de água e eletricidade para os hospitais. Quando inundava tornava-se muito perigoso. A imagem do túnel é muito impactante para quem o visita e fica na memória as agruras da guerra.

Viagem de moto Europa Balcas Bosnia 004 Sarajevo

Existem muitas outras histórias para contar, como a do edifício que resistiu a todos os ataques da artilharia pesada e dos raids aéreos, a que chamam o edifício mais resistente do mundo. A fábrica de cigarros que, mesmo durante a guerra, continuou a produzir.

Toda a história da guerra é feita de tragédias, heroísmos e resistentes. Mas mais profundo que isso, são as visíveis marcas que ficam nas pessoas.

– “… estamos em paz, mas não nos esquecemos dos entes queridos que foram barbaramente assassinados.”
– “ … tentavamos apenas sobreviver.”
– “… os edifícios que resistiram à guerra, mesmo estilhaçados, são uma parábola permanente da resistência humana. Hoje, mesmo sendo muçulmano, olho para a igreja católica que resistiu aos bombardeios, com o mesmo respeito que olho para a mesquita, somos todos sobreviventes…”

Mesmo depois destas palavras, ainda sentimos que nada é bem o que parece. Isso ficou bem latente quando, por engano, o Samuel tentou pagar um artigo com moeda Croata, o que deu origem a uma série de insultos e um virar de costas do vendedor. Mesmo ali, junto da entrada do túnel da vida, por onde passaram todos os credos e religiões.

Muitas histórias mais ou menos dramáticas ficam por contar, o que aconselhamos é: visitem! Vale mesmo a pena!

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