8º dia- Susques – Cafayate

Já havíamos criado uma rotina: acordar; colocar a parte de baixo dos equipamentos; arrumar as bagagens; tomar café; voltar ao quarto; colocar o colete; pegar o resto dos equipamentos; e seguir viagem.

O hotel tem uma ótima infraestrutura e pessoal muito gentil, mas o café da manhã é um capitulo à parte.

Chegamos ao saguão principal, onde é o restaurante e também onde servem o café da manhã, já havia uma mesa posta para dois, sentamos, um rapaz perguntou o que queríamos para beber e nos trouxe o café, conforme pedimos, mais um suco de laranja, uma media luna e dois daqueles pequenos pães quadrados e duros, para cada um. Não trouxeram mais nada e olha que eu vi que haviam servido bolo em outra mesa. Deixaram muito a desejar pelo padrão e preço do hotel.

Havia dias que não lubrificávamos as correntes com óleo. Eu deixei de comprar um spray lubrificante motul, pois havia comprado um auto lubrificante da Tutoro, mas meu filho deixou o óleo em casa… Estávamos usando um lubrificante de grafite a seco, mas não resolvia muito e não estávamos conseguindo óleo emprestado nos postos para lubrificar a corrente. No posto junto ao hotel, o rapaz conseguiu um pouco, lubrificamos a corrente e colocamos um pouco no recipiente do Tutoro, mas o estrago nas relações já estava feito.

A entrada para a RN-40 ficava não mais que 200 metros do hotel. Logo vimos uma clássica placa da rodovia e paramos para tirar uma foto.

Iriamos por esta estrada – sem pavimento – até Cafayate. No começo estava muito boa e estávamos andando na média de 70 km/h, pois era plano e com longas retas, até chegarmos a uma região com vários riachos em um canyon.

Passamos por dentro de um povoadinho e a rua era formada por muita areia fofa. Estava cuidando da direção da moto, quando senti alguma coisa me puxando, era um enorme cachorro que grudou na minha calca na altura da canela, acho que arrastei ele uns 10 metros, eu não podia olhar para ele, pois certamente iria para o chão. Ele só soltou por que minha calça rasgou. Por sorte ele agarrou na parte da bota, onde havia parte da joelheira por baixo, não fez nada em mim, só um pequeno rasgo na calça.

A partir dessa cidade o caminho mudou e também havia a presença constante de muitas vicunhas e outros animais, de modo que não dava para passar de 60 km/h.

Chegando próximo a ponte La Polverilla, a estrada se transformou em uma pequena trilha com muitas pedras. Neste momento, enquanto descia devagar, avistei um filhote e sua mãe de cachorro do mato. Não lembro o nome em espanhol, mas algumas pessoas erroneamente acreditam que é uma raposa. Ele atravessou a estrada e a mãe correu para outro lado, neste momento meu filho estava bem junto de mim. Paramos e desligamos as motos. Ele saiu desconfiado de uma moita, ficou nos espreitando até criar coragem e voltar para o outro lado da estrada e procurar sua mãe. Foi um momento fascinante. Como curto a vida selvagem, não consegui tirar o olho dele para fotografá-lo.

Logo estávamos sob a ponte de trem La Polverilla. Tiramos umas fotos e continuamos em direção a San Antônio de Los Cobres.

Abastecemos na pequena cidade e continuamos seguindo pela RN-40. Em breve iriamos virar à direita em direção a Abra Del Acay. Uma coisa me chamou a atenção, havia vários tratores preparando outra estrada ao lado da atual, será que vão asfaltar este trecho?

Pegamos a estrada à direita, uma estrada pouco usada, com o terreno formado pela mistura de pedrisco e areia. Logo paramos em uma espécie de cercado de pedra abandonado, iriamos comer a sobra dos mantimentos que havíamos levado para o deserto, uns sucos de pêssego e algumas bolachas.

Afinal, o café da manha tinha sido insuficiente.

Na estrada, eu estava avistando muitos rastros de bike. Fiquei pensando na quantidade de trabalhadores que se dirigiam dali para a cidade a trabalho. Quando encontrei os donos dos rastros, quatro grupos de vários bikers, pessoal corajoso, iriam encarar mais de 30 km de subida ao Abra Del Acay, chegando aos 5000 m de altitude, tarefa nada fácil.

 

A estrada começou a serpentear a montanha, diminuímos radicalmente a velocidade e, com a subida, o frio foi chegando, uma neblina baixou e, de repente, uma pequena garoa logo se transformou em cristais de gelo. Fomos colocando nossas roupas de frio e as proteções para chuva. Mas a subida nunca acabava, frio, umidade e pouca visibilidade, e claro, a altitude fazendo mudanças em nossos corpos.

Eu estava monitorando a altitude, pois estava esfriando muito. A viseira do meu capacete insistia em embaçar e não estava fácil andar com ela aberta, mesmo que muito pouco.

Chegamos ao cume do Abra Del Acay. Paramos para as fotos e aproveitei para me agasalhar ainda mais. Estava extremamente frio e o vento piorava ainda mais a sensação.

Começamos a descer, mas a descida é muito longa, com muitas curvas, tentei de varias maneiras mas não consegui desconectar o ABS. Passei por pelo menos uns 3 sustos, tive que segurar a moto por diversas vezes no motor.

No final da descida, começamos a seguir ao lado de um rio de água clara e gelada. Não contei, mas acredito que passamos pela água mais de 20 vezes, algumas vezes um pouco profundo e o chão de pedras, dava a impressão que a roda dianteira queria deitar.

Logo depois deste trecho, onde definitivamente tínhamos descido a montanha, saímos da área formada quase exclusivamente por pedras e encontramos um paraíso, um terreno de geografia plana, com vários riachos e uma grande área de cultivo.

Um lugar muito bonito. Continuamos por este caminho de terra vermelha até encontrarmos uma estrada larga com muitas pedras. Em uma reta, vi duas motos vindo em nosso sentido, dei sinal de luz, como cumprimento e as motos piscaram suas luzes de policia, eram duas motos que eu não consegui identificar, motos traill, com escape esportivo, pneus de trilha e os caras estavam no gás mesmo.

Logo, pegamos um trecho de asfalto até chegar a Cachi, uma cidadezinha bem bacana, com muitos restaurantes à beira da estrada.

Estávamos famintos. Em Susques, pela manhã, estávamos em 3.900 m de altitude a uma temperatura de 15 graus, subimos o Abra Del Acay a 5000 m, a temperatura estava muito próxima de zero grau e agora em Cachi a 2500 m e 32 graus de temperatura. A sensação de calor era intensa e a fome era resultado da baixa altitude. Entramos em restaurante e pedimos dois sanduíches de lomito e suco de abacaxi. Fomos procurar o posto de combustível da cidade, abastecemos e seguimos caminho para Cafayate, novamente voltamos para a RN-40, sem pavimento.

Ainda tínhamos 170 km de estrada estreita e sem pavimento.

Em estradas sem pavimento e em 170 km, podemos encontrar de tudo, trechos bons, costelas de vacas, trecho com grandes pedras, areia, subidas, descidas, e tudo o que se pode imaginar, mas depois que enfrentamos o Deserto na Bolívia, como nossa pilotagem havia melhorado, parece que a moto não dançava mais, parecia muito estável, tocávamos muito mais confiantes. Tão confiantes que decidimos ultrapassar uma van louca, em uma reta curta, que acabava em uma curva a 90 graus para esquerda, eu tinha torque ultrapassei e dei de cara com a curva, mas minha moto tinha ABS, então foi fácil. Ainda na curva, preocupado, olhei para trás, meu filho vinha esticando a marcha para conseguir a ultrapassagem, mas só conseguiu no fim da reta e deu de cara com a curva, ou melhor um cotovelo, vi a traseira da moto arrastando e a cara dele (de assustado!), mas de súbito, ele tirou o pé do freio e acelerou forte, fazendo a moto, obedecer à trajetória, ufa !

Mais um dia vencido e chegamos a Cafayate, onde vi uma fila no primeiro posto que passamos. Só poderia ter um significado: não havia gasolina em outro lugar. Voltamos e entramos na fila, composto por alguns carros argentinos e umas oito motos com placas brasileiras. Troquei idéia com um casal e, por coincidência, a esposa dele era minha conterrânea. Legal, que mundo pequeno. Desculpem, mas não lembro o nome do marido, mas ela se chama Silvana, casal de Curitiba, estavam indo para Salta com uma galera, todos com Garupa, vários de São Paulo.
Ainda no posto, conversei com meu filho sobre a manobra de ultrapassagem, ele confirmou que estava tudo sob controle o tempo todo (ele não sabe que expressão eu vi no seu rosto…).

Cafayate é uma cidade turística, com muitos hotéis de luxo nas vinícolas. Como sempre, o destaque fica para a pracinha central junto à igreja. Vimos três hotéis e ficamos em um por 250 pesos argentinos. Eu queria ficar no centro, achei que seria legal para dar uma voltinha, ver as lojinhas, fiquei imaginando levar a minha esposa, que iria adorar as lojas de souvenires.

Tentei trocar um pouco de dólar, mas nem me preocupei, achei que seria fácil e deixei pra lá. Eu estava pagando tudo com dinheiro, ainda não havia usado o cartão.

Fomos a um restaurante e comemos o cardápio do dia, prato completo, geralmente mais barato, com tudo incluído. Para mim, a opção de sempre, frango na chapa, meu filho foi de massa.

Passeamos por toda praça e voltamos ao hotel, deitamos, mas quem disse que conseguimos dormir? Havia uma festa na praça que foi ate às 6 horas da manhã!

{gallery}0213/robson/08{/gallery}

Saída: Susques, Argentina
Destino: Cafayate; Argentina
Km percorrida: 440 km
Km acumulada: 3.790 km


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *