Se as estradas por nós percorridas na Bahia eram ruins, esta agora é péssima, tanto que, logo, logo, o pneu traseiro furou novamente e tivemos de consertá-lo.
Mais adiante entramos num povoado de nome Mirim, fizemos uma parada para esticarmos um pouco as pernas, deixamos a moto junto à estrada e caminhamos por algumas ruelas apenas por curiosidade para ver o que havia. Casualmente encontramos um acanhado barzinho onde o cozinheiro havia preparado uma rabada com agrião e polenta e que cheirava maravilhosamente bem.
Era hora do almoço, estávamos com fome, tínhamos ainda algum dinheiro e o cheiro era bom, então não faltava mais nada. Tratamos de comer e nos deliciamos. Estava realmente muito gostosa a bendita rabada.
Terminado o almoço, barriga cheia, resolvemos descansar um pouco, dando um tempo ao sol fortíssimo. Arranjamos uma sombra num barraco na beira da estrada e ficamos conversando com pessoas que observavam a moto com bastante curiosidade e ao mesmo tempo faziam-nos diversas perguntas sobre para que servia isso, para o que servia aquilo, etc. Esse fato para nós era corriqueiro porque, onde parássemos, curiosos chegavam para fazer várias indagações.
Não demorou muito e pára perto de nós um ônibus antigo, lotado de passageiros, que havia partido de Jeremoabo e estava indo também para Recife.
O motorista salta e nos pergunta se poderíamos dar uma carona a ele até um povoado mais atrás, onde sabia haver uma câmara de ar para o ônibus. É que pouco antes de chegar ali havia usado o estepe devido a um furo que aconteceu um pouco mais atrás e agora estava com medo de outro pneu furar e por falta do estepe pelo fato da câmara estar rasgada, ter de ficar preso na estrada com os passageiros. E ali onde estávamos tinha até borracheiro para fazer a montagem da câmara nova no pneu que ficaria com o estepe.
Garantiu que esse retorno não chegava a 10 quilômetros e portanto seria coisa rápida. Mas fosse ou não fosse rápido, eu estava disposto a ajudá-lo por compreender não somente sua delicada situação, como também a dos passageiros.
Falei para o Fernando esperar, mandei o motorista pular para a garupa e lá fomos nós comendo poeira sob o sol escaldante.
Realmente não era muito distante, mas o piso como disse anteriormente era tão ruim, que dava a impressão de termos percorrido várias dezenas de quilômetros para alcançarmos o local.
Ao chegarmos ele saltou, foi até ao armazém e de lá voltou alegre e triunfante agitando a valiosa câmara de ar. Segurando com força a câmara, sentou na garupa e lá fomos nós de volta.
Ao chegarmos, ficou onde o ônibus estava, agradeceu muito e foi tratar de colocar a câmara no pneu estepe, no tal borracheiro que ali havia. Ato contínuo o Fernando veio, sentou na garupa, desejamos boa sorte ao motorista e aos passageiros e partimos feroz naquele cáustico “solzão” que a tudo queimava. Queimava mesmo, porque a caatinga existente em ambos os lados da estrada continuava completamente seca.
Seca devido à inclemência do sol e amarronzada em conseqüência da constante e interminável poeira. E o que mais se via por ali eram animais mortos na beira da estrada e dentro da caatinga, cuja maioria eram só ossos, pois nada mais havia.
Falando da violência do sol, lembrei-me dos rios que outrora foram rios, tendo em vista que agora o panorama era de valas e regos secos. Sinceramente, ver um lugar tão inóspito assim é muito triste e até revoltante porque, verbas e mais verbas destinadas durante anos e anos para mitigar essa desolação, sempre foram desviadas do seu propósito, indo parar nos bolsos de políticos corruptos. Ao passo que cidadãos de bem, trabalhadores honestos e produtivos, ficam à mingua nesse solo tão aterrador. Com isso, perde o pobre nordestino e também o país no seu todo. No final quem lucra são os políticos e os funcionários inescrupulosos. Mas deixemos de política e vamos em frente na nossa jornada.
Calmamente e seguindo nosso percurso, por extrema coincidência eis que encontramos um carro de passeio enguiçado por causa de um problema, possivelmente no motor por estar com o capô levantado. Paramos e vimos tratar-se de uma família, pois além do casal havia uma senhora e duas crianças. E coitados, estavam parados exatamente naquele solzão aterrador e sem qualquer sombra pelas proximidades.
Havia também dois homens próximos ao carro enguiçado, mas assim que nos viram parar e saltar, se afastaram, entraram num carro velho e foram embora sem nada falar.
Perguntando ao motorista o que acontecera, respondeu não saber qual a razão do carro não dar nenhum sinal de partida. Havia morrido repentinamente e ele não conseguia de jeito nenhum fazê-lo pegar novamente. Acionava o ‘start’ e nenhum sinal havia por parte do arranque.
O Fernando, então, foi até ao motor do carro para fazer uma verificação, olhou o motor, mexe daqui mexe dali e a seguir pediu-me uma chave de boca ou estria, só não lembro a medida. Fui até a pasta de ferramentas, apanhei a chave e imediatamente entreguei-lhe porque desejava ver essa família livre daquela enrascada, pois o calor estava sufocante. Não sabia como as crianças estavam suportando aquela temperatura sem reclamar. Se puséssemos milho de pipoca em cima do teto do carro, num instante teríamos pipocas quentinhas para comer.
De repente vejo que o Fernando pára o que estava fazendo, vai para baixo do carro, demora um pouco como se estivesse verificando algo, depois de algum tempo deitado lá debaixo se levanta e diz para o motorista: Vire a chave, faz favor! Como por milagre, o carro que não dava qualquer sinal de vida, de repente faz o barulho do arranco e… “vrummm”, o motor pega e todos gritam… viva!!!
A família não sabia como agradecer de tão felizes que ficaram. O motorista disse que era médico, morava e trabalhava no Rio e estava indo ao Recife com seu pessoal para encontrar familiares que finalmente iriam conhecer as crianças. Deu-nos seu cartão de visita, anotando no verso o endereço para onde estava indo em Recife e o da sua residência no Rio, dizendo que nós teríamos de visitá-lo nos dois endereços.
Mas infelizmente não houve oportunidade para visitá-lo em nenhum dos endereços fornecidos.
Partiram alegres, com efusivas despedidas e os célebres acenos de mão, até desaparecerem na poeira e na primeira curva da estrada.
Satisfeitos com o auxílio prestado, continuamos nossa jornada e fomos conversando sobre o caso. Curioso que fiquei em razão do conserto, perguntei ao Fernando qual tinha sido afinal o problema que causou aquela pane geral, tendo em vista que deveria ter sido complicado pelo fato de primeiro ter mexido no motor e depois embaixo do carro.
Ele simplesmente disse que não. Não tinha sido nada. Apenas o cabo terra da bateria havia afrouxado e assim não fazia contato elétrico para a partida do arranque. Bastou apertá-lo com a chave de boca e o caso já estava resolvido. Mediante tal resposta, perguntei então qual a razão de ter-se deitado debaixo do carro, após sabidamente já ter resolvido o problema. Respondeu que por estar muito quente, aproveitara para sair um pouco do sol e ao mesmo tempo valorizava a descoberta, por fazer parecer ter sido um problema mais difícil, respondeu rindo.
Estávamos ainda conversando e já víamos adiante o carro do médico, quando de repente a moto dá um estalo e se inclina para a esquerda obrigando-me forçar o guidão para a direita a fim de compensar o equilíbrio. É que novamente aconteceu de partir a base inferior da mesa do telescópico devido ao grande peso que ela carrega e a velocidade que estou empreendendo que é imcompatível com os buracos e costelas existentes na estrada. E agora, o que fazer?
Tendo de prosseguir, pois não havia outro jeito, fiz o mesmo de quando partiu da primeira vez. Fiquei forçando o guidão em sentido contrário para equilibrá-la e continuamos bem devagar, rezando para que não quebrasse a parte superior da mesa.
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