Com as calças na mão

Com muito pouco dinheiro nos bolsos e depois de comer bastante poeira, a noite já tinha chegado. Entramos em uma pequena comunidade próxima da estrada e vimos um pequeno barraco aberto e com a luz acesa. Era uma estrebaria. Parei, estacionei a moto e entramos. Encontramos um senhor que estava tratando de jegues e cavalos. Chegando até ele perguntamos onde seria possível eu e o garupa comermos alguma coisa que não fosse cara, pois tínhamos pouco dinheiro.

Indicou-nos próximo dali a casa de uma senhora que às vezes fornecia refeição para fora. Perguntamos ainda se havia local onde eu e o garupa poderíamos dormir. E nos respondeu que por ser um local pequeno, os caminhoneiros passavam direto pela estrada e por isso não havia hospedagem por ali.

De posse das informações, fomos até a casa da tal senhora que talvez pudesse servir-nos alguma refeição.

Chegando na casa que não ficava muito distante, batemos na porta, aguardamos e logo veio uma senhora gorda nos atender. Explicamos a situação e então ela nos disse que a refeição poderia nos servir, deu-nos o preço, mas hospedagem não era possível e que dificilmente iríamos conseguir na cidade um lugar para ficar. Então entramos, pagamos pelas refeições e ficamos na sala, sentados, aguardando que fôssemos servidos.

Enquanto esperávamos, duas bonitas garotas aparentando ter seus vinte anos, entraram e nos olharam intrigadas pelo fato de sermos desconhecidos. Mais intrigadas ainda ficaram por estarmos trajando roupas diferentes das que estavam acostumadas a ver, ainda mais com boné e cachecol. Felizmente, logo se descontraíram vindo até onde estávamos para conversar.

Disseram que eram primas, moravam ali com a madrinha (a senhora gorda), estudavam à noite na casa-escola da localidade e de dia trabalhavam numa olaria. Fora isso nada mais tinham para fazer a não ser ir no fim de semana ao cineminha da igreja, quando tinha.

De nossa parte contamos sobre a viagem, que éramos do Rio, falamos das nossas profissões, dissemos que as achávamos bonitas, que estávamos ali esperando prepararem a comida e depois iríamos procurar um lugar para passarmos a noite e seguir viagem bem cedo no dia seguinte.

Enquanto conversávamos chegaram as nossas refeições, mas como elas só iriam jantar mais tarde, se despediram e saíram.

Terminado o jantar, que foi muito gostoso, variado, farto e, principalmente, barato, tínhamos agora o desafio de procurar logo um lugar para pernoitar, pois já estava ficando tarde.

Caminhando devagar pelo pequeno povoado, passamos casualmente por uma pracinha e vimos sentadas sozinhas em um banco as duas garotas, como se estivessem esperando alguém.

Caminhamos até elas, que nos receberam muito bem e foram logo perguntando se já havíamos arranjado lugar para ficar, o que respondemos negativamente. Continuando a conversa, falaram do dia-a-dia triste que levavam naquele local sem qualquer perspectiva de futuro para elas; que tinham saído de suas casas em Campina Grande-PB para viverem ali, mas estavam com vontade de voltar porque lá, além de já estarem ambientadas, havia mais diversão, escolas, mais oportunidade para arranjarem um bom trabalho e muitas outras coisas para fazerem; e que além do mais estavam com muitas saudades da casa e da família.

Perguntando-lhes então, por que não voltavam para suas verdadeiras casas, responderam estarem temerosas da reação das mães, pela possibilidade de não receberem-nas bem e aí não terem mais onde ficar, pois não teriam coragem nem condições econômicas de voltar para a madrinha aqui em Ibimirim-PE. Após esta colocação, imediatamente perguntaram se na nossa trajetória poderíamos passar por Campina Grande e levar um recado para as suas mães. Sentindo pena das garotas respondi-lhes que poderíamos ir, bastava darem-nos o endereço e o nome das pessoas que deveriam receber os bilhetes. Mas meu pensamento naquele instante, era: “Se para chegar a Recife estava sendo dureza, o que não será preciso fazer e também enfrentar para irmos até a casa das suas respectivas mães para entregar os bilhetes? Mas como tudo na vida dá-se um jeito, vamos em frente”.

Alegres, disseram que quando voltassem à casa da madrinha para jantar, fariam os bilhetes para levarmos. E agora… Surpresa!!! A seguir, falaram: “Já que não arranjaram lugar para dormir e está muito tarde, vão lá para o nosso quarto”.

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Surpresos pela inesperada colocação do convite, ainda mais partindo de duas garotas bonitas e bem educadas, eu e o Fernando, para disfarçar, dissemos que iríamos incomodar, inclusive à madrinha que notamos ser pessoa bastante austera. Responderam que ela não iria saber de nada, principalmente dos bilhetes e explicou como devíamos proceder para chegarmos ao quarto delas:

Que fôssemos só depois das 22:30h, mas que não entrássemos pela porta da frente. Por ficar o quarto delas atrás da casa no 1º andar, que déssemos a volta na casa, subíssemos numa árvore e através de um galho que vai até a varanda do quarto delas, passássemos por ele e entrássemos. Elas nos receberiam e poderíamos passar a noite lá, desde que prometêssemos não fazer barulho e que saíssemos antes do amanhecer. É lógico que prometemos.

Confirmando o convite despediram-se e foram para casa jantar, tomar banho e dormir (e o mais importante: nos esperar).

Como estava ficando tarde, o movimento que já era pouco, a partir daquela hora tornou-se nenhum. Passeando pelas poucas ruas e observando as casas a fim de fazer hora, por coincidência passamos na porta do pequeno cemitério local e o Fernando disse: “Olha aí João, o portão está aberto! Se lá não der certo, já temos lugar para dormir.” Não achando graça na brincadeira, repreendi-o.

Voltando à oficina, o Sr. Severino deixou-nos tomar banho, trocar algumas peças de roupa e depois de limpos e trocados, saímos.

22h45min e lá fomos nós a pé, deixando a mota na frente da oficina já pronta para

Sorrateiramente, chegamos até a tal árvore e tiramos os sapatos e meias para facilitar a subida. Enquanto o Fernando ficava embaixo com eles eu subi um pedaço do tronco da árvore. Estando já em cima ele me passou os sapatos com as meias e coloquei-os num galho (é que poderia passar alguém, ver os sapatos no chão e levá-los). Em seguida o Fernando também subiu. Passei para o tal galho que ia até à varanda. Como não aparentava ser muito resistente, pedi ao Fernando para nele se pendurar só quando eu já o tivesse largado. Chegando na varanda, onde a Gabriela e a Mariazinha já nos esperavam, imediatamente entrei pela porta que dá para o quarto delas. Nisso, o Fernando escorrega no tronco e agarra-se num galho mais fino, que quebra e o faz cair da árvore. Com o barulho do tombo e o roçar das folhagens durante a queda, espantou algumas aves que ali estavam empoleiradas, talvez corujas, fato que contribuiu para aumentar o barulho.

Apesar dos pesares, por sorte não se machucou (estava ainda um pouco abaixo da altura da varanda). Por precaução aguardou um pouco e vendo não ter aparecido ninguém nas janelas das outras poucas casas existentes, subiu rápido, pegou o galho certo, alcançou a varanda e entrou no quarto com a cara mais passada do mundo devido ao “fora” que deu.

Após estarmos lá dentro, pensei: “Essa forma pela qual entramos não deveria ser coisa de improviso.” Mas como isso pouco importava, deixei de lado.

Saindo de meus pensamentos e voltando à realidade, recebi das garotas os bilhetes, estando cada qual dentro de envelopes fechados, com nomes e endereços das respectivas mães na frente de cada um deles. Calorosamente recomendaram que os guardasse bem guardados e não deixasse de entregá-los, pois suas vidas estavam naqueles bilhetes.

A seguir disseram que ficássemos à vontade, o que fizemos imediatamente tirando a roupa para deitarmos porque dentro do quarto estava quente. E ficou estabelecido o seguinte: Eu dormiria na cama da Gabriela e o Fernando na da Mariazinha. Sem conversa e muito menos qualquer barulho.

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Ah… Que noite maravilhosa! Achava que tão cedo sairia dali. Já estava até refazendo mentalmente os planos da viagem mediante este acontecimento, mas eis que de repente ouvimos uma fraca batida na porta e um murmúrio de vozes. As garotas, assustadas, nos dizem sussurrando para sairmos do quarto em silêncio.

O que fazer? Duas pessoas sem roupas num povoado estranho; num quarto estranho, com duas garotas também estranhas; madrugada a dentro; um murmúrio de vozes na porta do quarto; três metros de altura até ao chão, um galho, uma árvore e sem poder fazer ruído? É… Não tem o que pensar… O negócio é fazer!

Pegamos as roupas, jogamos todas para fora e a seguir corremos para a varanda; passamos por cima da grade; seguramos com as mãos no piso da varanda; esticamos os braços e o corpo ao longo (diminui a altura); e soltamos as mãos. Ao bater no chão flexionamos os joelhos e apoiamos o corpo com as mãos. Moleza! Para quem está acostumado a levar tombos de motocicleta e de patins, isso é até brincadeira! Já no chão, enquanto o Fernando pegava as roupas, eu apanhava os sapatos e as meias na árvore e a seguir caímos fora, nús como estávamos. Só fomos nos vestir num beco mais adiante.

Após vestidos e calçados corremos até a oficina, apanharmos a moto que havia ficado na porta. Devido ao barulho do motor o Sr. Severino acordou assustado. Ao vê-lo, demos um adeus para acalmá-lo e saímos em desabalada carreira.

Nem olhamos para trás. Pegamos estrada e imprimimos a maior velocidade possível na moto.

João Cruz
j.v.cruz@oi.com.br


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