12º dia – de Linden a Rio Essequibo

Quando acordei ainda estava escuro lá fora e também dentro do hotel, que estava sem energia. Com a ajuda da lanterna do celular, comecei a arrumar a bagagem com a intenção de sair o mais cedo possível, mas isto só aconteceu às 7h. Pronto para enfrentar o temível trecho de terra entre Linden e Lethem na Guiana.

Alguns já me falaram que esta estrada é a mais difícil da América do Sul dentre aquelas procuradas por motociclistas para percorrer. Não sei se existe outra mais difícil que esta, mas pelo que você verá à frente, passei por muitos apertos.

Escolhi o mês de setembro para fazer esta viagem por ser o período do ano, assim como o mês de outubro, durante o qual menos chove na região onde esta estrada se encontra.

Logo cheguei ao início da estrada de terra. Algumas marcas mostram que um pequeno trecho já teve asfalto, atualmente todo quebrado. Melhor trafegar no que antes era o acostamento. A seguir um cascalho fácil de percorrer, apesar de exigir atenção por causa de algumas pedras espalhadas que poderiam fazer a frente da moto escorregar. Para reduzir o temor que eu sentia do que vinha pela frente, comecei a repetir como um mantra “a estrada está muito boa, foi patrolada e vou passar com faciclidade”.

Os primeiros quilômetros foram realmente fáceis. Começou um trecho com buracos secos, daqueles que fazem a roda bater na borda, refletir por toda a moto e doer o coração do motociclista que gosta da sua máquina.

Segui com cuidado. Mais à frente o primeiro atoleiro. Um depressão enorme, que chegava a mais de um metrro de profundidade feita pelas rodas dos caminhões. Parei para avaliar. Claramente havia pouca água no interior, então entrei na depressão e realmente havia pouca água, mas quando subi do outro lado o protetor de cárter bateu na borda. Sem danos, ele foi feito para isto.

Eu seguia viagem mantendo a velocidade da moto entre 40 e 50 km/h e, quando chegava a um trecho com buracos, reduzia para cerca de 20 km/h. Um rapaz local passou por mim em alta velocidade com uma moto trail. Pensei em segui-lo, achando que, por conhecer a estrada, sabia onde poderia manter maior velocidade e onde ter mais cuidado, mas depois lembrei que com uma moto menor ele teria muito mais agilidade e poderia ser perigoso para mim tentar acompanhá-lo.

Viagem de moto pela Guiana 04

Outro atoleiro, pelo qual também passei com facilidade. Fiquei pensando se estava com sorte e os atoleiros melhoraram ou se o pessoal que passou por aqui exagerou na descrição das dificuldades.

Desde que saí de Linden a estrada cortava a densa floresta Amazônica com árvores de grande porte e constantes ruídos provocados pelas aves, que eu conseguia escutar mesmo durante os deslocamentos com a moto.

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Encontrei com muitos caminhões transportando grandes toras. Muitas estradas estreitas saem dessa estrada principal ne entram floresta adentro. Caminho para os madeireiros e mineradores. Também vi vários caminhões transportando contêineres. De onde vêm e o que levam?

O calor era intenso, mesmo de manhã. A estrada de cascalho permitia que nos primeiros 50 km a viagem fosse feita com pouco mais de uma hora. “Assim vou chegar cedo ao destino do dia”, pensei.

Os 50 quilômetros seguintes foram duros. Muitos buracos que me fizeram andar só com a 1ª ou 2ª marcha. Gastei duas horas e meia para percorrer esse trecho, que exigiu muito de mim e da moto.

Cheguei ao 58 Miles, uma pequena vila com 250 habitantes que fica no meio da floresta. Bem estruturada e limpa, tem um posto de gasolina, escola primária, playground com pavilhão onde os moradores frequentam à tarde, uma igreja, um restaurante e um centro de saúde.

Pedi um pastel assado de queijo com massa podre que estava bom e um refrigerante, que desceu muito bem com o calor que sentia.

Passavam das 11h quando cheguei ao local e não demorei muito por lá. Tinha percorrido cerca de 100 km em pouco mais de 4 horas de viagem. Se a estrada continuasse nas mesmas condições, tinha certeza de que chegaria ainda de dia ao destino, uma casa antes do rio Essequimbo, mais 100 km adiante.

Os 40 quilômetros seguintes também foram muito complicados. A estrrada era coberta por areia fina. Eu seguia pelos trilhos deixados pelos caminhões e que faziam a areia ficar mais compactada. Frequentemente havia trechos com areia fofa e profunda, que dificultavam a passagem e faziam a frente e a traseira da moto seguirem por caminhos diferentes. Muito inseguro e desconfortável pilotar nestas condições. A velocidade não passava dos 20 km/h.

Cheguei a um posto de checagem da polícia. Os relatos que li diziam que, mesmo não tendo ninguém no local, eu deveria parar e esperar que alguém viria. Parei e um policial apareceu na porta e fez sinal para que eu parasse a moto dentro do quintal. Estacionei, peguei os documentos e alguns adesivos e subi as escadas para o cômodo onde havia dois homens, um deles fardado e uma mulher fardada. O homem com roupas civis parecia ser superior aos outros dois. Cumprimentei e entreguei os documentos da moto, passaporte e adesivos para os três. O homem fardado começou a preencher o caderno enorme com as informações enquanto o sem farda me perguntava de onde eu vinha e para onde ia. Olhei para a mulher e ela olhava para mim com um sorriso no rosto. Que simpática, pensei. Olhei de novo e ela continuava com o mesmo sorriso, só que desta vez ela virava os olhos para os lados, levantava levemente os ombros e levava a mão fechada com o polegar em direção à boca, fazendo o sinal de beber alguma coisa. Que simpática, repeti comigo, está me oferecendo água. – “Muito obrigado, eu tenho água na moto”, falei. Ela franziu a testa e fez um não com a cabeça. Depois repetiu o sorriso, olhos virados, ombros levantados e o polegar em direção à boca. Lembrei daqueles programas humorísticos que sempre tinham uma mulher fazendo charme para atrair algum homem. Credo!!! A mulher está me cantando, no fim do mundo e na frente dos colegas? Passado o choque inicial, só então acordei para a senha dos policiais da Guiana, que pedem dinheiro para beber alguma coisa. Para o drink. Ontem um policial pediu dinheiro para o drink. Eu não tenho, desculpe. Não olhei mais para a cara dela.

Me liberaram e eu saí correndo de lá.

Dalí em diante vieram os atoleiros. Um atrás do outro. Os primeiros foram tranquilos. Sempre tinha uma passagem de lado, com areia molhada e firme, onde podia passar e quase nem molhava as rodas.

Apareceu um grande, sem lugar aparente para passar. Mirei o meio da lagoa e segui em frente. A água cobriu completamente o motor. Se não tivesse mantido a aceleração a moto deria morrido. Cheguei do outro lado molhado e assustado. Caramba, que sufoco.

The Big One is Coming

Passei por um caminhão de toras parado na estrada e um rapaz fez sinal para que eu parasse. Começou a falar algo e eu não entendi. Um outro que estava próxmo falou pausadamente, que à frente eu encontraria o maior de todos os atoleiros. The Big One, disse ele. Fiquei assustado. No meio e de um dos lados a água batia no seu peito, disse apontando para o peito. O cara era bem maior que eu. A altura que ele indicava cobria completamente o parabrisas da moto. Fiquei apavorado. Depois ele falou que se eu fosse pelo lado direito conseguiria passar, porque tinha um caminho onde a água batia no meio da sua canela. Afff.

Agradeci a informação e segui viagem. Poucos minutos depois passei por uma pickup que vinha no sentido contrário e atravessava um atoleito. Cumprimentei-os e eles retribuíram. Na mesma reta havia outro atoleiro. Vi uma passagem estreita do lado, acima da água, mas com muito barro remexido. Resolvi passar por alí. A roda dianteira entrou na passagem, mas a traseira escorregou de lado e a moto foi com a traseira para dentro do lago. O chassi bateu em um tronco e ficou preso, ficando a roda traseira sem sustentação. Uma pequena aceleração confirmou que ela estava atolada. O tronco impedia que ela seguisse em frente. Desci da moto e ela ficou em pé, sustentada pelo tronco. O motorista da pickup viu o que aconteceu pelo retrovisor e deu ré. Veio com o carro próximo e disse que iria puxar usando uma corda. Amarramos a corda no suporte do baú traseiro e quando ele começou a puxar a moto rodou de lado sobre o tronco. Sugeri que tentássemos puxá-la com as mãos para cima do caminho por onde eu tentei passar. Um passageiro da pickup veio ajudar enquanto uma senhora tirava fotos. Conseguimos levantar com muito custo. Subi, liguei a moto e levei pra o outro lado. Voltei agradeci a ajuda, distribuí adesivos e tirei fotos com os dois amigos. Perguntei se aquele era o maior atoleiro e ele respondeu que estava à frente.

Viagem de moto pela Guiana

Segui em frente, passando por muitos atoleiros, parando em todos que não tinham um caminho visível, testando a profundidade com uma vara ou caminhando em um dos lados para escolher o melhor. Sempre tendo na cabeça que The Big One is Coming. Mais um atoleiro e uma passagem lateral e a moto escorregou a traseira para uma vala, ficando com a frente em cima. Tentei puxá-la da vala, mas não consegui. Minha perna afundou na água até o joelho e minha bota encheu de água. Tentei por alguns minutos trazê-la para a parte alta, sem sucesso. Ninguém passava para ajudar.

Resolvi fazer o contrário: empurrei a frente da moto para a parte funda e a roda dianteira ficou quase toda submersa. Como a saída do escapamento estava acima da água, não teria problema ligar o motor. Montei na moto, liguei, acelerei e saí controlando a velocidade com a embreagem. Consegui saír do outro lado. Outros mais fáceis ou difíceis vieram. Os atoleiros passaram, o tempo passou, mas os quilômetros não.

Finalmente estava à minha frente. The Big One. Quase 50 metros de extensão. Sem passagem lateral. O calor foi embora. E agora? Parei, peguei um galho na mata e fui testar. Andei de uma ponta outra, pela direita, como o madeireiro tinha falado. Era raso. Não testei o outro lado. Passei com mais facilidade que outros bem menores. Levantei o braço com o punho fechado e gritei dentro do capacete: – “Venci o The Big One”. A sensação foi muito boa, mas ainda tinha alguns quilômetros para percorrer e a tarde estava indo embora.

Fui conferir no GPS os quilômetros que faltavam chegar ao rio e ainda faltavam quase 40 km. Como assim se já percorri mais de 180 km? Estava na cabeça que a distância que tinha que percorrer no dia era de 200 km, mas na verdade seriam de 229. Eram quase 16 horas e naquele ritmo que eu seguia demoraria bem mais que duas horas para percorrer o trecho que faltava. Agora eu já não testava todos os atoleiros que vieram pela frente. Não parei mais para descansar ou fotografar. Segui em frente, num ritmo muito mais lento do que eu queria, mas constante.

Ainda faltavam 20 km quando o sol começou a aparecer apenas no topo das árvores. Olhava para o alto e acompanhava a luz subindo cada vez mais. Agora só aparecia no topo das árvores mais alta. Faltavam 10 km. 9, 8, 5… Cheguei à 7h43. O sol já não batia nas árvores, mas tinha claridade suficiente para chegar com segurança. Mas ainda não era ali. Uma primeira casa apenas recebia as pessoas e acomodava em redes em grandes choupanas. A senhora disse que à frente havia um “hotel”. Cheguei no lugar certo. Caro, 25 dólares por um quarto muito simples com cortinado e banheiro privativo. Mas valia a pena.

Pedi para lavar a calça, botas e meias em um tanque do lado de fora. Tudo coberto de lama.

Perguntei se teria jantar. Sim. O que? $%#@$rice . Rice (arroz) eu entendi, mas o que é $%#@$? É um animal da região. OK, vamos experimentar. Parecia carne de porco, mas com ossinhos pequenininhos. O que será que eu comi? Não quis ver o bicho vivo.

Deitei pouco depois das 19h e apaguei.

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