Assim que tudo estava pronto, desci para o restaurante para o café da manhã, mas para minha surpresa, o desayuno não estava incluído no valor da hospedagem. Como fiz a reserva por aplicativo da internet, acabei não observando esta particularidade.
Considerando que os valores cobrados no restaurante do hotel são um absurdo, mesmo para estrangeiros, preferi deixar para comer mais tarde na estrada.
Pedi para tentarem passar os cartões de crédito novamente e, mais uma vez, retornaram as mensagens de erro. Perguntei para a recepcionista onde tinha uma casa de câmbio para trocar dólares por moeda local e ela respondeu que não sabia.
Procurei na internet e encontrei uma não muito distante, então resolvi ir caminhando até o lugar.
As pessoas andavam normalmente nas calçadas e em seus carros, indo para o trabalho, para levar os filhos à escola ou fazer compras. As ruas e avenidas já estavam tomadas por ônibus, utilitários, carros, grandes, novos, pequenos, velhos ou caindo aos pedaços. Mas nada parecido com o que eu imaginava encontrar quando chegasse ao país, diante das notícias que nos chegam pela imprensa. Eu esperava um país em conflito, em convulsão social, com pessoas armadas, sitiadas, manifestações, pessoas trancadas em casa e os serviços públicos paralisados. Nada disto. Os venezuelanos que têm um emprego garantido vivem uma vida normal, apesar da crise que o país atravessa, a mais grave de sua história. Segundo um professor de economia com quem conversei na fronteira com a Colômbia, que estava indo para o Chile tentar a sorte, o governo venezuelano gastou mais do que arrecadou durante vários anos da década de 2000. Para cobrir os gastos excessivos, aumentou a dívida pública e emitiu moeda sem lastro. A nacionalização e estatização de empresas resultou em uma forte queda da produtividade. Além de aumentar os gastos, a presença e a dependência do Estado na vida e na economia do país cresceu muito. Houve o aparelhamento da máquina pública com pessoas do partido ou aliados do presidente, nem sempre eficientes no trato da coisa pública. Além disso, o país, que já tinha uma dependência muito grande do petróleo, viu essa dependência aumentar com as ações do governo. A principal empresa da Venezuela, a PDVSA, foi utilizada para fazer coisas que não eram sua atribuição e acabou não tendo recursos para manter suas atividades relacionadas a produção e refino de petróleo, o principal produto de exportação do país. Hoje a empresa produz menos que há 20 anos. Esse é um dos motivos da falta gasolina nos postos. Segundo alguns venezuelanos com quem conversei, outro motivo é porque a gasolina é desviada para garimpos clandestinos que agora ocupam uma parte do território e é comandado por aliados no governo. Os caminhões e os próprios postos de gasolina são do governo central e não são eficientes. A ineficiência do estado acaba resultando em compra de facilidades e em corrupção, que agora é desenfreada. Segundo me falaram pessoas simples com quem conversei, os venezuelanos estão saindo do país não é porque faltam produtos nos supermercados. Eles estão fugindo do seu país porque não têm dinheiro para comprar o que precisam. Não tem emprego, não tem trabalho. O salario mínimo não dá para sustentar uma família com o mínimo de dignidade. A inflação é recorde. O governo cortou o salario desemprego, paralisou obras, mas colocou as forças de segurança nas ruas. Por isso fiquei tão incomodado com o excessivo controle para transitar pelas estradas do país. Os erros cometidos no passado afloraram agora diante de um governo impopular, que está comprando apoio dos militares, da justiça e dos políticos para se manter no poder, violando tratados internacionais e mudando as leis locais de acordo com sua conveniência. Estes problemas somados cobraram um preço muito rápido do país e quem está pagando a conta é a população mais pobre, que não tem como se garantir.
Escrevi o parágrafo acima a partir das conversas que tive com os venezuelanos durante os 10 dias que viajei pelo país (25 de setembro a 04 de outubro). Não li livros nem artigos a respeito. Podem ter exageros, mas retratam o que os próprios venezuelanos entendem da sua situação atual. Elas não expressam necessariamente minha opinião.
Voltando à minha caminhada, cheguei ao endereço da casa de câmbio, mas ela não existia ou tinha sido fechada, não consegui apurar. Procurei uma agência de viagens e estava fechada. Voltei para o hotel e perguntei para o porteiro se ele sabia onde poderia trocar uns dólares. Ele me indicou um estacionamento que funcionava no mesmo prédio do hotel. Fui lá e o cara realmente comprava. Mas a cotação era uma facada. Resolvi aceitar assim mesmo. Depois de idas e vindas, dificuldade para encontrar os dólares que tinha deixado em garantia pela conta, finalmente me liberaram e eu fui para a estrada.
Uma excelente estrada no passado, que como as demais está com a manutenção paralisada e com muitos buracos. Quase tive um acidente que poderia ter sérias consequências, quando passei por uma depressão na pista sem sinalização.
Passei pelo litoral que tem um mar caribenho lindo. Mais à frente um grande complexo industrial, me parece que químico, despejando muita poluição na atmosfera.
Consegui abastecer três vezes sem problemas durante este dia. Todos os postos que cheguei tinham gasolina e me atenderam sem dificuldades.
O roteiro desse dia foi quase igual ao da ida para Caracas, exceto que desta vez não errei o caminho e passei por uma auto pista ao invés de uma estrada secundária. Passei novamente pela bela ponte sobre o rio Orinoco e consegui tirar uma foto bacana. O pôr do sol também estava lindo quando estava chegando a Ciudad Guayana.
Hospedei no mesmo hotel que tinha ficado na ida, excelente, por um preço alto para minhas economias, mas valeu a pena pela raiva que passei em Caracas. O gerente gosta de motocicletas e ainda fez um desconto depois que chorei.
Mais tarde comi uma comida japonesa num restaurante que fica no prédio do hotel.
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