Salta – San Pedro de Atacama – 5º dia

América do Sul, Chile

Salta – San Pedro de Atacama = 637 km

Com o tanque cheio, partimos de Salta às 08:30 h com o dia nublado, 40º F (termômetro da Electra), equipados com a segunda pele e capa de chuva, abandonando a cidade por La Caldera, que é uma estradinha de mão dupla ladeada por uma vegetação muito densa e de beleza deslumbrante, que nos leva até El Carmen.

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Em boas estradas chegamos até o Trevo Purmamarca – Tilcara, e seguimos para Tilcara, por mais 22 km, ao invés de seguirmos no rumo desejado do Paso de Jama e abastecer na única bomba, que é o “posto” de combustível de Paso Chico, lugarejo próximo a Susques. O desperdício de tempo e combustível, nesse desvio de rota, deveu-se a insegurança quanto a existência de gasolina em Paso Chico.

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Ali, em Tilcara, nos separamos do Robertinho, que estava preocupado com a distância que faltava percorrer e a possibilidade de anoitecer na estrada, devido a sua dificuldade de visão noturna.

Pouco depois, eu e Edinho retornamos ao trevo, refazendo os mesmo 22 km, por volta das 12:20 h, e iniciamos a subida. O tempo estava muito bom e eu já tinha me livrado da capa de chuva, mantendo apenas o colete recém comprado sob a minha velha jaqueta de couro.

Belas curvas e mais curvas ascendentes se sucediam, porém fechadas e temperadas com cascalho, areia e óleo na pista, dificultando e prejudicando o prazer de pilotar na Cordilheira dos Andes.

Nas subidas, a minha Electra pedia 3ª e 4ª marchas e nos altiplanos, não passava da 5ª. O Edinho com a sua “Evolution carburada”, permanecia limitado a 2ª marcha nas subidas, não passando de 50 km/h, piorando o seu desempenho a partir dos 2.800 m de altitude, comprometendo drasticamente o consumo de combustível, chegando a média de 9,5 km/l. Então, resolvi acompanha-lo até ao altiplano (4.600 m), onde imaginei que ele não teria mais problemas.

Mesmo com o céu totalmente azul, a temperatura começou a baixar (30º F) e o vento poderoso começou a se mostrar, potencializando a sensação térmica para mais frio. Comecei a exercitar os dedos das mão que pareciam queimar.

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Preocupado com o frio crescente e a possibilidade de ainda estar à noite na estrada, acelerei a Electra, deixando o Edinho em seu próprio ritmo, consequência de seu prévio conhecimento e decisão.

Na frente de meu pára-brisa, se estendiam retas sem fim, cortando uma paisagem assombrosa de um imenso altiplano cercado por montanhas descomunais.

Cruizer Control em 120 km/h, máquina na mão direta para registrar momentos mágicos de total solidão e rara beleza. O deslumbramento com a paisagem é constantemente solapado pela luta com as fortíssimas rajadas de vento que, conforme as palavras do Robertinho, “transformavam as motos em touros brabos”.

Ao cruzar com os grandes ônibus e longos caminhões, pilotar a moto chegava ao limiar do impossível. Mas, tudo valia a pena, porque nossa alma estava enorme.

Passa-se o tempo e repentinamente, se descortina no horizonte um resquício de civilização. Pensei com os meus botões: “El Paso de Jama! Vencemos! Depois do abastecimento, a curta descida para San Pedro de Atacama, onde vamos pernoitar”.

Fiquei satisfeito porque não achei difícil esse primeiro ponto crítico e a roupa que eu estava usando – segunda pele, calça jeans, colete de frio, luvas e jaqueta de couro – foi suficiente para enfrentar o frio tão temido naquela região.

Às 15:20 h, cheguei ao Paso de Jama e me dirigi imediatamente para o posto YPF para abastecer. Fiz a aduana e emigração no setor da Argentina e parti para a esperada descida até San Pedro de Atacama, todo satisfeito.

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Após uma longa descida de muitas curvas, qual a minha surpresa: mais altiplano e retas sem fim.

O senhor vento começou a piorar, mas como bom motociclista, comecei a me acostumar com ele.

Depois de algum tempo, começou outra ascensão. E, de repente, mantos de gelo ladeavam a estrada. Em pouco tempo o termômetro da Electra já registrava 20º F e já era impossível conter o tremor das pernas colidindo com o tanque da moto. Minhas mãos ardiam cada vez mais, me impossibilitando de fotografar. Paredões de gelo se erigiam aqui e acolá, naquela altitude de 4.800 m.

Não senti o Mal da Altitude, talvez porque o frio já estava fazendo todo o mal que eu podia suportar ou o exercício de hiperventilação – dos tempos da caça submarina – que eu vinha praticando durante a subida tenha surtido o efeito esperado. Mas, minha preocupação já focalizava o Edinho e a sua teimosa Evolution carburada, que relutava em desenvolver mais velocidade para tirá-lo logo daquele sufoco.

De repente, ao olhar para os cimos das montanhas, fiquei extasiado com tanta grandiosidade e beleza. Me esqueci do frio e das preocupações e caiu a ficha sobre o privilégio que eu estava tendo, em participar desta viagem magistral. Como em Ushuaia, percebi que minha alma começou a se enlevar. Eu estava no cerne de mais uma catedral da natureza, outra vez na Cordilheira dos Andes e como na experiência que vivenciei em meio a tempestade no Paso Garibaldi, senti que Deus também estava lá.

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Enquanto o TwinCan da minha Electra rugia ascendendo as montanhas sem fraquejar, minha mente em estado de contemplação e oração agradecia ao Supremo Criador – O Grande Arquiteto do Universo – que está muitíssimo além das religiões – artifícios de dominação e submissão humana – pelo privilégio de perceber e vivenciar tanta beleza e por tantas vitórias improváveis que consegui alcançar. Em estado de comunhão, implorei Luz e Proteção para a minha amada Paixão, para os meus queridos filhos, minha família e meus caros amigos, a fim de que tenham tudo que precisam para superar os desafios e armadilhas, e nada de essencial lhes venham a faltar.

Ainda com os olhos marejados e a respiração ofegante, divisei ao longe, no fim de mais uma estrada infinita, já acolhido pelas sombras que as montanhas projetavam, durante o pôr do Sol, o que deveria ser o povoado de San Pedro de Atacama.

Diminui a velocidade e parei no acostamento mínimo, a mais ou menos meia distância dos extremos visíveis da longa estrada, para esperar o valente Edinho concluir sua travessia, enquanto contemplaria mais um esplendoroso pôr-do-sol se realizar.

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Eram 17:45 h, quando acendi o primeiro cigarro, o tempo passava e nada do companheiro chegar.

Fiquei admirando o predomínio do vulcão Licancabur sobre a bela paisagem, lembrei da minha Paixão, dos meus filhos, da minha família e dos meus amigos, em como seria bom se eles também estivessem lá. Voltado para o Sol poente, murmurei solenemente a oração do Pai Nosso. Feliz, coloquei um dos CDs – gravados pelo meu filho – para tocar, Dancei ao lado da minha Electra, ao som de Hotel California, enquanto a noite caia sobre as montanhas.

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E nada do amigo Edinho chegar.

No horizonte, uma linha tênue de luz sobre a cadeia de montanhas e as luzes de San Pedro de Atacama começavam a faiscar.

A noite ainda estava clara, quando divisei um único farol ao longe. Era a moto do alegre guerreiro a se aproximar.

Nos abraçamos e seguimos juntos, bem devagar, tagarelando pela estrada como se não tivéssemos mais nada na vida para nos preocupar.

PHD Artur Albuquerque
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