Depois que o Daniel “Zan” me ajudou na compra do pneu traseiro para a moto, que eu não conseguia encontrar em Belo Horizonte do modelo que queria, combinamos de nos encontrar “no meio do caminho” para um almoço. Explico melhor: ele mora em São Paulo e eu em Belo Horizonte. E motociclista inventa qualquer desculpa para colocar a motoca na estrada. Neste caso, significava um almoço a 300 km de distância, que é a metade do caminho entre as duas cidades.
Combinamos de nos encontrar no dia 18, no restaurante Rei da Traíra, que fica na BR-381 (Fernão Dias), em Três Corações. 280 km de Belo Horizonte e 320 de São Paulo. Uma boa medida para um passeio de moto.
Enquanto acertávamos detalhes do encontro, o Daniel comentou que ficou sabendo que São Thomé das Letras ficava na região e que gostaria de conhecer a cidade. Será que não daria para ir lá? Pesquisamos no Google e realmente ficava próximo, mas quando mandávamos traçar a rota aparecia uma enorme volta. 350 km de Belo Horizonte e 500 de São Paulo. Não dava para um bate & volta. Mesmo outros sites de turismo que pesquisamos não eram claros quanto às estradas que levavam à mística cidade. Deixamos para lá.
Como sempre faço, na sexta-feira enviei mensagem para alguns amigos dizendo que faria o passeio no domingo e se alguém gostaria de acompanhar. À noite o Zan liga me chamando de maluco: “…nós combinamos de nos encontrar amanhã cedo…” Hehehe. Quem disse que ia não podia mais e quem podia acabou sem saber.
O Alfredo confirmou que vinha junto com o Zan e eu peguei estrada sozinho. Saímos de Belo Horizonte e de São Paulo aproximadamente às 8 horas.
A Fernão Dias melhorou bastante em relação ao que era antes da privatização, mas continua com vários trechos com irregularidades no asfalto, que incomodam bem, e até alguns (poucos) buracos. Passei por diversos pontos em que o asfalto estava sendo substituído, o que anuncia que no futuro a estrada poderá ficar melhor. Mas ela continua exigindo atenção, principalmente quando passamos pela Serra de Igarapé. Muitos caminhões e curvas que jogam a moto “para fora” da estrada, além de óleo na pista, que em determinado momento fez a moto dançar e me fazer “ver minha avó pela greta”. Em um país civilizado, numa estrada com o tráfego que esta tem, um bom e grande túnel seria construído para transpor aquela enorme montanha.
Passei por quatro acidentes, todos na pista contrária e nenhum deles indicava terem sido causados pela estrada, mas provavelmente por distração ou irresponsabilidade dos motoristas. Um deles, envolvendo um caminhão, interditou a estrada no sentido Belo Horizonte, formando uma fila de mais de 15 km. Apesar disto, na pista em que eu estava a viagem foi tranquila e não precisei parar nenhuma vez, exceto rapidamente para abastecer. Às 11 horas eu chegava ao local combinado para o encontro.
Conversando com o pessoal que trabalha no restaurante, perguntei sobre São Thomé. Me falaram que para chegar lá devia passar por Três Corações, e que a estrada estava asfaltada e em bom estado, ficando a cerca de 45 km da Fernão Dias. Ainda era cedo e a previsão era de que o pessoal chegaria por volta de 12 horas. Pensei que poderíamos mudar a proposta original. Rumei para o trevo de Três Corações e fiquei esperando meus amigos à sombra de um viaduto.
Por volta do horário marcado eu ví duas motos se aproximando e imediatamente começei a fazer sinal para eles. Mas quando estavam mais próximos percebi que não eram meus amigos, pois esperava uma BMW com um casal e uma H-D Electra Glide. Identifiquei a BMW somente com o condutor e uma H-D Fat Boy. Fiz sinal para que continuassem caminho. Mas eram eles. A Ana Paula, esposa do Zan não pôde vir e o Alfredo havia vendido a Electra e eu não sabia. Eles pararam mais à frente e depois que tiraram os capacetes é que eu os reconheci.
Depois dos cumprimentos, combinamos de seguir para São Thomé, pois todos tínhamos vontade de conhecer a cidade.
Para chegar lá, deve-se entrar em Três Corações pelo trevo da MG-167 (não é o trevo que fica próximo da estátua do Pelé). Seguir por esta estrada, que mais parece uma avenida, pois existem construções em toda a sua extensão. Após o primeiro sinal (ou farol, como chamam os paulistas), seguir em frente e quando passar por um posto Esso que fica à direita, pegar a primeira saída à esquerda. Seguir até o segundo sinal e novamente pegar à esquerda. Daí é só seguir até o trevo para São Bento do Abade e pegar à direita para São Thomé. Se tentar confirmar este percurso no Google Maps não vai encontrar, pois as estradas não existem lá.
E a estrada para lá, depois que saímos da área urbana de Três Corações, é show. A viagem vale só pelas paisagens que passamos.
A cidade é muito diferente. Como disse o Zan, não dá para saber se gostamos ou não dela, pois ficamos muito pouco tempo lá. Fica em uma montanha branca de onde são extraídas as pedras coma as quais as ruas são pavimentadas e as casas revestidas. No seu entorno uma quantidade enorme de montes de pedras, parecendo um deposito de entulhos. Tem que tomar cuidado ao transitar com as motos pelas ruas.
Almoçamos em um restaurante que também merece ser citado. Bem rústico, fica no centro da cidade. Entramos e havia um casal almoçando. Sentamos na mesa ao lado e logo eles pediram a conta, bem quando o rapaz que atendia trazia um prato com bife. A conta veio rápido e o casal saiu sem tocar na carne. Pedimos o (único) prato que era servido e o rapaz disse que demoraria meia hora. Estávamos com fome. O Zan olhou para a outra mesa, esticou o braço e pegou um pedaço de linguiça. Eu emendei e peguei o prato com os bifes, que devoramos enquanto tomávamos refrigerantes, que eram servidos de maneira bem exótica pelo rapaz. Quando chegou o nosso almoço estávamos quase que satisfeitos com a comida da mesa ao lado hehehe. Os cães da redondeza é que gostaram pois o Zan “comprou” sua amizade com as sobras.
Ficamos por lá até pouco depois das 15 horas, quando saímos, pegamos as motos e seguimos para a estrada. Nos despedimos no trevo da Fernão Dias.
O retorno também foi tranquilo, exceto quando me encontrava em Betim, a poucos quilômetros de casa, onde avistei um belo arco íris no horizonte, anunciando que vinha chuva pela frente. Assim que parei começou uma chuva muito forte e com muito vento. Até estar pronto cheguei a me molhar. Retornei à estrada e a chuva passou antes que eu chegasse em Contagem.
O Alfredo e o Zan relatam que também pegaram muita chuva poucos kms após nos despedirmos, mas a avistaram antes e colocaram as capas a tempo. Como sempre acontece, logo depois parou, vindo a cair novamente já em São Paulo.
Depois de uma parada em Extrema, para abastecimento e café, Alfredo seguiu para Atibaia, pela D. Pedro, e Zan prosseguiu na Fernão Dias até São Paulo.
Um passeio de mais de 600 km, cansativo para o corpo, mas regenerador para a mente e uma oportunidade de reencontrar e abraçar os amigos.
Sobre São Thomé das Letras
A lenda que deu origem a toda a história da cidade de São Thomé das Letras aconteceu em uma gruta. João Antão escravo da Fazenda Campo Alegre, cujo romance com a irmã de seu senhor, o Capitão João Francisco Junqueira, havia sido descoberto. Cansado dos maus tratos, refugiou-se em uma gruta no alto da serra, onde passou a viver da pesca, frutos e raízes da região.
Um dia um senhor de vestes brancas apareceu para o escravo lhe entregando um bilhete e dizendo que, se ele o entregasse ao capitão, este o perdoaria.
Ao ler o bilhete, o Capitão lhe ordenou que o levasse até a gruta, onde encontraram uma imagem de São Tomé entalhada em madeira.
João Francisco, homem profundamente religioso recolheu a imagem e a levou para casa. A imagem sumiu e reapareceu na gruta por várias vezes.
Acreditando ser um milagre, o Capitão mandou erguer uma capela no local, onde, em 1785, foi construída a Igreja Matriz, originando assim o povoado; dizem que o filho do Capitão, Gabriel Francisco Junqueira, o Barão de Alfenas, título este concedido por D. Pedro II, foi sepultado debaixo do altar da igreja.
A origem do nome da cidade deve-se à aparição do santo e às inscrições rupestres encontradas na entrada da gruta que não se sabe terem sido feitas pelos índios cataguases, antigos moradores da região, ou se são palavras deixadas pelo santo.
As construções que caracterizam a cidade, feitas com as próprias pedras extraídas no local, cuidadosamente cortadas e empilhadas uma a uma, sem qualquer tipo de argamassa, oferecem segurança e firmeza, como as construções do século XVIII.
Com base na economia local, que é 60% oriunda da extração de pedras de quartzito, usadas no revestimento de casas, passeios, piscinas, e hoje exportadas para vários países da Europa, a cidade ficou conhecida como “cidade de pedra”.
As lendas, histórias e preceitos iniciáticos formam um clima esotérico na cidade, tornando-a conhecida como a cidade mística do Brasil, mas a vida dos seus moradores é bem simples, típica do interior de Minas.
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