De Moto pelas Américas

O relato de uma viagem de mais de 30 mil km em uma aventura sobre duas rodas

Após exaustivo planejamento para estudo e elaboração do roteiro, parti rumo a um antigo sonho: percorrer as três Américas, desde o Círculo Polar Ártico no Alasca até São Paulo, onde vivo, tudo de motocicleta.

Escolhi a cidade de Los Angeles – Califórnia – para o início desta aventura. De lá fui a Las Vegas e depois ao árido Vale da Morte. Este nome se deve ao fato de este local estar a 70 metros abaixo do nível do mar e mesmo assim não ter água. Nas montanhas Rochosas o cenário vai variando entre o belo e o incrível com tamanha velocidade que por muitas vezes nem a neve caindo me atrapalhava.

Já no Canadá, percorri os parques de Banff e Jasper. São aproximadamente 290 km de pura natureza em uma das rodovias mais belas do planeta. Ao norte da cidade de Jasper iniciou-se um dos momentos mais esperados da viagem: o encontro com ursos em seu habitat natural. O risco de fotografar animais selvagens é sempre um item que devemos levar em consideração, porém com cautela e uma dose de sorte, foi possível conseguir realizar estas fotografias.

Na medida em que eu rumava para o norte, para o Alasca, os dias iam ficando mais frios e mais longos. Em determinado dia, próximo à cidade de Iskut, já passava das 22h30 quando percebi que o dia não ia embora e resolvi parar para dormir.

A partir da parte norte da província de Yukon as estradas pavimentadas acabaram e o cascalho solto passou a ser uma constante durante os longos dias. No total foram 3200 km (entre ida e volta) de estradas ruins, em conserto ou em total abandono. A Alaska Highway é o único meio possível, por terra, de se chegar ou sair do Alasca e, no inverno, que lá é demasiado rigoroso, a neve se encarrega de destruir a pavimentação da rodovia.

Viagem de moto Americas Alaska

Chegar ao Alasca foi uma emoção à parte. Após cruzar o Círculo Polar Ártico, virando a bússola, o destino estava distante: São Paulo – Brasil. Mas antes tinha que atravessar as regiões das Américas do Norte, Central e do Sul, sobretudo com a preocupação de encontrar guerrilheiros em algumas partes.

Atravessei o México pela região mais histórica na tentativa de saber um pouco mais sobre o país que, ao brasileiro, se faz por demais acolhedor. Cidades como Zacatecas, Chiuahua, Guadalupe, entre outras, não podiam estar fora de meu roteiro.

Na Cidade do México, o caos urbano fez-me lembrar a superpopulação de minha cidade. Visitei as ruínas de Teotihuacán, a cidade dos deuses, onde, segundo a lenda, o ano era composto de 360 dias e mais 5 dias sagrados. As crianças nascidas nos 5 dias sagrados teriam a honra de, após 5 ou 6 anos, serem sacrificadas e oferecidas ao deus sol para que o mesmo não parasse de brilhar e continuasse dando vida aos homens.

Quase no Estado de Chiapas, o mais pobre do país, um frentista de posto de gasolina alertou-me: “Brasileiro, você é louco? Aqui eles atiram de verdade, depois é que perguntam alguma coisa. Vá por outro caminho se deseja continuar vivo…”.

Na Guatemala fui conhecer as ruínas de Tikal, um exemplo de preservação da civilização Maia. Depois El Salvador e Honduras. Muitos haviam falado dos riscos destes países da América Central, mas foi ali que encontrei um dos povos mais hospitaleiros e acolhedores de todo o percurso. Algumas passagens ficaram gravadas para sempre em minha memória como gente simples e boa.

Um dos momentos mais tensos desta viagem aconteceu na Nicarágua, onde fui abordado por guerrilheiros. O pior foi que eu estava em um trecho de rodovia onde há mais de 40 minutos eu não via nenhuma alma viva. A solidão fez daquele momento terrível. Depois de alguns minutos sendo só observado, no mais perfeito silêncio, o que aumentava meu medo, um deles perguntou de onde eu era. Foi minha salvação já que, quando respondi “brasileiro”, ele logo falou de Romário, Bebeto, Ronaldo, Futebol e Carnaval. Graças a Deus. Depois que saí dali, ou seja, fui liberado, minhas pernas começaram a tremer amolecidas.

No Panamá visitei o complexo do Canal de Panamá, que faz a ligação entre os oceanos Atlântico e Pacifico. Diante de tão grandiosa obra, obra esta feita a custa de muitas vidas, chego a pensar em como há força para melhorarmos a condição de vida no planeta. Em Colón um pouco de música, cerveja e o modo caribenho de viver.

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Colômbia é um país de incontáveis belezas. Zipaquirá, a catedral de sal é uma visita imperdível para quem vai a Bogotá. Mais ao sul, próximo a Ipiales, uma das igrejas mais impressionantes que já vi, senão por seu tamanho, mas pela ousadia de sua construção, já que foi literalmente apoiada nas duas paredes de um vale. Trata-se da Catedral de Las Lajas.

Equador foi outro país que eu poderia classificar como dos mais hospitaleiros. Na cidade de Quito passa a linha do Equador, que divide o planeta em dois hemisférios: norte e sul. Ali conheci o senhor Humberto Vera, historiador que já esteve em todos os monumentos na linha do Equador, em todo o planeta. Aliás foi ele o responsável pela construção do monumento que existe em Quito. Foram várias horas de bom bate papo e troca de informações e experiências.

Em Quevedo não posso deixar de citar a hospitalidade do povo, além do melhor hotel de todo percurso, o hotel Internacional que, por apenas 22 dólares, oferece piscina olímpica, quarto enorme, banheira grande, restaurante, bar, boate, garagem, tudo que um grande hotel pode oferecer.

No Peru o agente da aduana disse que só daria permissão para que eu permanecesse no país durante sete dias. Depois de eu pedir um pouco mais ele respondeu: – “Vocês nos meteram sete e por isso agora somente darei sete dias…” e sorriu. Foi aí que percebi que ele estava se referindo a uma partida que tinha ocorrido alguns dias antes, quanto o Brasil derrotou o Peru por 7×0. No final ele me deu 90 dias de visto.

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Subindo a cordilheira, desde Arequipa, a temperatura variou de 40º C até 0º C em apenas quatro horas e meia. Mais tarde, neste mesmo dia, a temperatura chegou a -10º C, o que fez um total de 50 graus de variação. Ufa, haja frio… Nesta noite a solução foi dormir na casa de uma família andina de origem quéchua. A senhora preparou um frango ensopado e muito mate de coca, o que valeu para dar uma esquentadinha. O mate de coca é utilizado para equilibrar as pressões interna e externa no corpo e para melhorar o mal estar provocado pelo soroche (o mal das alturas), que assola quem se aventura em grandes altitudes. O quarto, único disponível, não fechava a porta direito, além de ter um buraco enorme no teto, o que fazia o vento entrar e sair durante toda noite. O lado bom foi poder olhar a noite andina dos 4.500 metros de altitude, bem pertinho das estrelas, mesmo pensando que o frio pudesse me vencer. Creio ter sido a noite mais longa de minha vida.

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Macchu Picchu e o Vale Sagrado dos Incas merece um capítulo à parte em virtude da história que esconde-se por detrás de cada uma daquelas pedras. Vale dizer que a importância das ruínas de Macchu Picchu se deve ao fato de esta manter-se 80% ainda preservada.

De volta à estrada, Puno e o Lago Titicaca, o mais alto lago navegável do planeta, onde pequenas embarcações de junco, a Totora, cruzam as águas rumo às ilhas do Sol e da Lua.

Na Bolívia, a capital folclórica das Américas, estradas difíceis foram uma constante. Logo de cara um atoleiro de areia apresentava algumas bifurcações que, caso fosse escolhido o lado errado, só depois de uns 200 ou 250 metros, dava para perceber devido a presença de uma barreira de mata à frente. E toca a voltar tudo no areião. La Paz é uma cidade linda, rodeada por picos nevados cujo maior é o Ilimani. Ali consegui comer algo tão típico em Sampa e tão difícil nesta viagem, um Hot Dog. É, parece esquisito, mas as coisas mais simples podem nos provocar saudades. Em Santa Cruz de La Sierra, a opção foi o Trem da Morte. Mal sabia que ao descer em Roboré no dia seguinte, levaria mais dois dias para percorrer somente 75 km, devido a um atoleiro intenso de areia chamado fesh-fesh. É o lado boliviano de nosso pantanal.

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No primeiro dia, após 32 km, cheguei a Águas Calientes. Como o próprio nome sugere, ali passa um rio de água quente onde as pessoas entram para se banhar e relaxar. O dono de uma casa tinha acabado de abater um boi e aproveitei para fazer uma boa e barata refeição. Ali fiquei no hotel mais natural de todo o percurso, ou seja, fiquei tão próximo da natureza quanto qualquer pessoa pode, ou sonha, ficar. Em outras palavras, parei a motocicleta e dormi ao lado dela.

No dia seguinte rodei 45 km até um povoado de nome Naranjo, sempre enfrentando o tal do fesh-fesh. A chuva veio e a única saída era esperar um novo trem que viria somente no outro dia. Dormi na estação próximo à moto. O senhor Juan, que cuidava do local, acabou me arranjando uma rede e disse para que eu dormisse dentro da estação e que ele a deixaria aberta para o caso de eu querer sair durante a noite. Neste momento eu pensei comigo: “Mas sair para aonde?”

Peguei o trem e vim agarrado em uma coluna de ferro até Yacuse, de onde parti rumo a Corumbá, já no Brasil. De Corumbá (MS) até São Paulo foram 1500 km de quase relaxamento, com boas estradas e pouco trânsito. Só próximo a São Paulo é que a quantidade de veículos aumentou. Em casa havia uma placa onde eu pude ler: “Welcome back from Alaska”.

Exausto, mas cheio de histórias na bagagem, percebi mais uma vez que viver vale a pena. A festa varou a madrugada.

Esta história foi contada no livro Uma Aventura às Três Américas, de Wilton Rogério de Almeida.


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