Viagem de moto para Machu Picchu

Entre os dias 12 de outubro e 3 de novembro, um grupo com quatro motociclistas Gaúchos – Adilson Sakobe, Antonio Cesar Kuze, Gilberto Cavion e Paulo Cesar Reis – fez uma viagem de 10.100 km até Lima no Peru.
Durante essa viagem, eles conheceram o Deserto do Atacama, o Lago Titicaca, Machu Picchu e outros lugares fantásticos da Cordilheira dos Andes.

O grupo utilizou três motocicletas BMW GS 1200 e uma Suzuki VStrom DL 1000 para percorrer as estradas do Brasil, Argentina, Chile e Peru. A maior dificuldade eles encontraram na travessia do Paso de Jama no Chile, onde enfrentaram neve, gelo e frio. Esta passagem, que reproduzimos abaixo, está descrita no blog Kuze:

“O dia amanheceu com sol radiante, sem vento e uma paisagem deslumbrante na pequena e bela Purmamarca, norte da Argentina. O “pueblo” como são chamados os povoados naquela região, está encravado no início da subida da cordilheira. Leva a Susques e em seguida ao respeitado e sempre imprevisível Paso de Jama, divisa da Argentina com o Chile. Nos dois dias anteriores havíamos percorrido 2000 quilômetros, três motociclistas partiram de Caxias do Sul e eu de Porto Alegre.

Dos quatro integrantes do comboio apenas um havia passado pelo Paso de Jama, no final de dezembro de 2011. Naquela oportunidade, a travessia se mostrou emocionante e cruzamos o ponto mais alto por volta das 18 horas. Encontramos no início da travessia uma “garoa congelada” e em seguida neve de intensidade moderada. Estávamos em quatro casais e o momento se transformou em algo romântico, com uma boa pitada de aventura. Mais tarde, em San Pedro de Atacama, soubemos que o horário menos recomendado para a travessia é o da tarde. Mas isso é outra história, pois o que pretendo reproduzir é a travessia de 2012, mais precisamente no dia 14 de outubro.

Como já descrevi, o dia amanheceu com céu de brigadeiro na pequena Purmamarca. A localidade é emoldurada por montanhas de diversas cores, casas que se confundem com as cores das montanhas de pedra e areia e que em nada lembram centros urbanizados como conhecemos aqui no Brasil. Encontrar um hotel foi uma busca interessante, pois 15 de outubro é feriado no Chile e não tínhamos reserva. Conseguimos vaga em uma pousada e nos instalamos num quarto para quatro pessoas.

Mas um dia que amanhece com aquele visual nos convidava para um passeio nas redondezas de Purmamarca. Em determinado momento lembrei que precisávamos evitar a travessia à tarde no Paso de Jama. Gastamos umas duas horas no passeio e saímos para Susques. Ocorre que a subida da cordilheira é repleta de paisagens inéditas e muitas paradas para fotos foram realizadas. Precisávamos abastecer as motos já que no dia anterior deixamos de cumprir o planejamento (feito detalhadamente pelo Adilson) que previa abastecimento um Jujuy e optamos por seguir em frente. Com a gasolina no limite chegamos a Susques onde o posto a beira da estrada estava sem combustível.

Anteriormente, o GPS nos levou a um posto de abastecimento em Susques e três dos integrantes do grupo optaram por não abastecer ali pela precariedade do local. Dali seguimos para um ponto tradicional com restaurante e abastecimento que fica a três quilômetros adiante de Susques. Fizemos uma pequena refeição e tivemos que retornar ao posto anterior para o abastecimento das motos. Ao chegar fomos informados pelos ocupantes de uma camionete que o atendente estava almoçando e precisaríamos aguardar. Foram 30 minutos de espera, o tempo passando e eu já não conseguia esconder a preocupação com a travessia do Paso de Jama.

Além da estrada tínhamos a saída da Argentina, aduana, que sempre demanda tempo e mais 160 km até San Pedro de Atacama. No posto de abastecimento, pouco antes da aduana Argentina, nos preparamos para o pior em matéria de temperatura na travessia. Luvas, protetores de manete, roupa de chuva completa e agasalhos adequados para muito frio. À medida que nos aproximávamos do ponto mais alto da travessia a nebulosidade denunciava que poderíamos ter neve e baixas temperaturas. Quando a neve iniciou não resisti, como estava a frente do comboio sinalizei e paramos no acostamento para registrar o momento. Feito os registros fotográficos nos lançamos no ponto mais crítico do trajeto. Conforme avançávamos, a neve aumentava e o vento começava a marcar presença. Quando percebemos estávamos em meio a uma nevasca, visibilidade reduzida e mesmo próximos uns dos outros não nos enxergávamos. Calculo que estávamos com menos de 20 metros de visibilidade.

A neve aumentou e a pista se transformou rapidamente numa pedra de gelo e o controle das motos passou a ser um grande desafio. Não preciso dizer que alguns dedos das mãos já não tinham a mesma sensibilidade, apesar de todo o equipamento utilizado. A viseira do capacete insistia no embaçar obrigando, frequentemente, levantá-la e assim meu maxilar praticamente congelou. Mas os problemas estavam apenas começando. Na tentativa de continuar em frente, em segunda marcha, com velocidade de “virar roda” o primeiro de nós, ou seja, eu, vi a moto fugir por debaixo das pernas e deslizar no gelo como se fosse um objeto pequeno e leve.

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A única coisa que lembrei enquanto acontecia a queda foi de me apoiar com o protetor de coluna e não tentar usar as mãos ou os pés na tentativa de evitar o deslizamento. Este momento de lucidez fez com que eu perdesse somente a parte de cima da capa de chuva, um pequeno rombo na manga da jaqueta com reforço e a ponta do pedal do câmbio. Como eu estava na frente, o Adilson passou pelo local e prudentemente se posicionou a frente da minha moto que estava caída atravessada no meio da pista. Esta atitude evitou que algum caminhão viesse de encontro, causando um acidente.

Já em pé, tentei sem sucesso levantar a moto, tarefa complicada, para não dizer impossível, pelo fato de ter que buscar equilíbrio e tração no gelo para erguer em torno de 300 kg. O Adilson veio em meu socorro e levantamos a moto posicionando-a no acostamento. Neste meio tempo notamos que o PC e Cavion estavam demorando mais que o normal. O Adilson voltou e viu que os dois haviam caído a poucos metros dali.

Prestou auxílio e logo em seguida, foi sua vez de ir ao chão, ou melhor, ao gelo.

Imaginem o cenário: quatro motociclistas, uma nevasca cobrindo a pista e os quatro já haviam ido ao chão. O Adilson dizia insistentemente “precisamos sair daqui, precisamos sair daqui”. Essa era sem dúvida a única coisa que nos interessava… sair daquela situação. Cavion e PC se ajudaram, colocaram as motos em pé e pensávamos em como continuar. O gelo na pista aumentava rapidamente e a escuridão cobria o ponto mais alto da travessia do caminho para San Pedro de Atacama. O risco de ter que ficar no local aumentava a cada instante.

Nestas situações você lembra de muitas coisas, da família, do motivo de estar ali naquela hora, porque não saiu antes para fazer a travessia, pensa na possibilidade de ter que passar a noite ali, enfim … é um momento de tensão e incerteza. Na melhor das hipóteses, aquele local fica distante de qualquer coisa pelo menos num raio de 30 quilômetros. Mesmo assim estávamos em busca de uma possibilidade que nos tirasse daquele lugar, pois tínhamos perfeitas condições físicas, ninguém teve sequer um arranhão.

As motos, em função dos baús e dos protetores de motor, estavam em perfeitas condições e não sofreram nenhuma avaria, exceto a minha que ficou sem a ponta do pedal do câmbio, mas já tinha descoberto uma forma de fazer as marchas. Precisávamos sair dali, só isso! Neste momento passou lentamente uma carreta e seus pneus deixaram sulcos por onde podíamos ver o asfalto. Imaginamos seguir nos trilhos que se abriam e sair dali. Subimos nas motos e nos encarrilhamos rumo ao nosso destino. Assim que retomamos a viagem alguém caiu pela segunda vez, por algum motivo o sulco deixado pelo pneu não estava suficientemente seguro e a moto fugiu do controle. Levantou e seguiu em frente.

Tarefa desafiadora a de equilibrar uma moto que pesa com piloto e bagagem em torno de 300 kg num trilho de pneu de caminhão aberto na neve. Velocidade mínima, pés no gelo para manter o equilíbrio, nem pensar em utilizar freio e muito menos acelerar além da conta. Foram longos e tensos minutos para percorrer pouco mais de 2 km que era a faixa de pista tomada pelo gelo. Na medida em que andávamos e o asfalto foi surgindo, tivemos a certeza de que o pior havia passado. Em seguida o velho e conhecido Licancabur apareceu (5916 metros de altitude), e o pôr do Sol do Deserto do Atacama começou a aquecer nosso corpo e principalmente nosso coração. As fotos mostram o gelo nas motos depois da nevasca na travessia da cordilheira.

Sei que, por parte de meus companheiros de travessia, outros tantos detalhes enriqueceria essa breve narrativa. Cada um experimentou diferentes sensações mas todos vivemos uma aventura que não estava em nosso planejamento. Nossa presença de espírito, coragem e sentido de equipe foram fundamentais para que pudéssemos superar uma dificuldade grandiosa com um risco considerável.

No dia seguinte, andando pelas ruas de San Pedro de Atacama, encontramos dois amigos argentinos que conhecemos em Corrientes e soubemos que suas motos ficaram na cordilheira e que aguardavam a liberação da polícia chilena para resgate das motocicletas. Em seguida, participaram da conversa dois casais brasileiros que caíram na travessia e ficaram com as motos no acostamento e, tal como os argentinos, aguardavam a recuperação de suas máquinas.

A partir destas informações concluímos que fomos os últimos motociclistas a transpor a cordilheira no final da tarde de 14 de outubro. Após nossa passagem, a cordilheira fechou. Os casais que ali estavam foram acolhidos em automóveis e caminhões que estavam parados aguardando condições para seguir em frente. Somente por volta da meia noite é que os caminhões conseguiram seguir viagem e trouxeram os motociclistas até San Pedro.

O que de mais importante extraí do momento? Respeito à natureza, por maior que seja o avanço tecnológico e a qualidade de um equipamento, nada supera a força da altitude combinada com vento e neve. Dominar a natureza não pode ser nosso objetivo e sim respeitá-la e procurar conviver sem depredá-la, afinal, a força está com ela.”

Viagem de Moto a Machu Picchu 07

Mais detalhes – Viagem de Moto para Machu Picchu

Distância percorrida: 10.100 km.
Duração: 23 dias.
Saída de Porto Alegre e Caxias do Sul: 12 de outubro de 2012.
Chegada em Porto Alegre e Caxias do Sul: 3 de novembro de 2012.
Estado brasileiro percorrido: Rio Grande do Sul.
Países Percorridos: 4 (quatro) – Brasil, Argentina, Chile e Peru.

Viagem de Moto a Machu Picchu 08a

Roteiro

1º dia – Porto Alegre (1)/Caxias do Sul (3) – RS a Corrientes – AR
2º dia – Corrientes – AR a Purmamarca – AR
3º dia – Purmamarca – AR a San Pedro do Atacama – CL
4º dia – Deserto do Atacama
5º dia – Deserto do Atacama
6º dia – San Pedro do Atacama – CL a Arica – CL
7º dia – Arica – CL a Moquégua – PE
8º dia – Moquégua – PE a Puno – PE
9º dia – Puno – PE a Cuzco – PE
10º dia – Machu Picchu
11º dia – Ollantaytambo
12º dia – Cuzco – PE a Nazca – PE
13º dia – Nazca – PE a Lima – PE
14º dia – Lima
15º dia – Lima
16º dia – Lima – PE a Chala – PE
17º dia – Chala – PE a Arica – CL
18º dia – Arica – CL a Iquique – CL
19º dia – Iquique – CL a San Pedro do Atacama – CL
20º dia – San Pedro do Atacama – CL a Jujuy – AR
21º dia – Jujuy – AR a Corrientes – AR
22º dia – Corrientes – AR a Santa Maria – RS
23º dia – Santa Maria – RS a Porto Alegre/Caxias do Sul – RS

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