A véspera da partida

Além das Espécies

“Em breve, estaremos novamente na estrada. Na hora da partida, eu e você voltaremos a ser um só. Então, quando ligar a sua ignição, este meu antigo coração deixará de existir
e no seu lugar trovejará um poderoso TwinCam, pulsando, indefinidamente, como um insaciável devorador de horizontes. Como de costume, o meu corpo já tatuado pela vida e customizado pelo tempo será novamente blindado com as centenas de quilos de seu metal e juntos seremos algo muito maior e bem melhor do que somos, individualmente, até chegarmos a mais um final.

Sobre a sua sela, deixo de ser um homem comum e sinto que todos os meus velhos limites podem ser extrapolados. Com você, tenho o privilégio de sentir com mais intensidade o mundo que passa a nossa volta, posso perceber perspectivas da paisagem inacessíveis aos olhares comuns e vivenciar experiências e sensações intangíveis a não iniciados.

Na estrada, na companhia de nossos iguais, a percussão dos motores e o sopro do vento criam a música de fundo da nossa passagem e enleva nossos espíritos a tangenciar a luz criativa da insanidade. Nesses raros e fugazes instantes, podemos ter a sensação e perceber, num vislumbre, o significado do que seja liberdade.

Juntos, sentimos que já não existe máquina, menino ou ancião. Nos tornamos algo muito além das espécies, devorando as estradas e tragando as tempestades, não importando se logo virá a luz do Sol ou continuaremos, sob o manto cravejado de brilhantes, na escuridão.

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Em breve, durante intensos e mágicos momentos, as nossas imensas asas de grandes águias ou condores novamente se abrirão. Então, o Sol, o vento e a chuva nos reconhecerão como seus cósmicos irmãos e seremos bons companheiros, durante toda a magnífica viagem. E cada novo horizonte aberto a nossa frente será sempre e apenas mais um dos nossos infinitos destinos, a nos deslumbrar com a sua extraordinária paisagem.

Na véspera da partida, não dormiremos. Como lobos notívagos a espreitar a lua cheia, uivaremos de ansiedade e insônia, ameaçando o moroso claudicar do tempo. Por mais que o relógio teime em frear seus ponteiros, a hora combinada, indefectivelmente, irá badalar e nada, nada nos deterá.

Como para maior eficácia da oração, o melhor momento para a partida é a madrugada. Assim, antes do Sol nascer, em diferentes dias e lugares, estaremos todos sobre a sela de nossas Harleys de volta à generosa estrada.

E mais tarde, ao encontrarmos nossos irmãos, nas encruzilhadas de nossos diferentes caminhos ou na convergência dos nossos destinos, nos abraçaremos, comeremos, beberemos e nos divertiremos juntos, como faziam as mais antigas tribos, celebrando a amizade e a liberdade, que são a essencial da nossa universal fraternidade.”

PHD RJ Artur Albuquerque, 2006.


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