Motos na estrada durante viagem

Marinheiros de primeira viagem

O grupo era alegre e dava gosto de participar !

Todos já se conheciam bem, seja pelos papos de internet, ou pelos muitos quilômetros que alguns já haviam rodado juntos, pelas histórias compartilhadas.

Aquele encontro semanal já tinha virado uma tradição, embora mal tivessem passado dois anos desde que todos se reuniram pela primeira vez ali. Já não era preciso marcar, pois o pessoal ia aparecendo, aparecendo e de repente tinha uma turma grande reunida que logo decidia partir pra um almoço numa cidade das cercanias.

Evidentemente, tinha sempre a turma que não seguia pro almoço, pois tinham compromissos familiares, afinal, nem todas as esposas participavam da paixão de seus maridos pelas motos. Muitas delas sequer acompanhavam seus maridos nesses encontros semanais de “café da manhã”.

Isso sempre foi um fato intrigante. Muitas vezes entre os casais, seja por insegurança ou mesmo por uma certa competitividade, os interesses de um parecem provocar o antagonismo do outro. Maridos são assim com bolsas e sapatos, esposas são assim com motos… E aí acabam envolvidos também os amigos motociclistas, os eventos, o tempo gasto na internet, o dinheiro dispendido em acessórios “inúteis” que poderia ter trazido um eletro-doméstico mais novo pra casa, o risco de vida, a má influência pro filho adolescente, etc, etc, etc… Há muitos casos em que o motociclista se vê relegado ao mundo virtual pois percebe com equilíbrio, que essa “guerra” não compensa. Há outros em que a esposa cede parcialmente e fica negociando compensações. Casamentos têm lá suas peculiaridades e também não são raros os casos de esposas que se aconchegam na garupa do marido, dispostas a encarar qualquer aventura. Sorte grande !

Esse grupo tinha de tudo e os amigos sempre acabam aceitando as limitações uns dos outros.

Tinha também uma trinca peculiar de intelectuais romântico-libertários, algo meio Byroniano ou condoreiro. Embora Tiago, Jung e Sidney não tivessem sido motociclistas na juventude, agora na maturidade viam as motos como veículos que simbolizavam a liberdade que tanto amavam e defendiam no plano teórico. Na vida real eram médico, professor universitário e analista de sistema, respectivamente. Homens respeitados em sua profissão e enquadrados nos moldes impostos pela sociedade. Mas no âmago, sentiam-se meio incompletos por jamais terem assumido seu lado irreverente e partido pela “Infinita Highway” como sonharam, cada qual a seu modo, na adolescência. Agora, neste novo grupo, montados em suas motos customs americanas ao estilo dos rebeldes sem causa, estavam sempre contra tudo, sempre questionando: “Por que às 9:00 e não às 8:00 ? Por que Sorocada e não Itu ? E se eu quiser beber uma cerveja, que é que tem ?”.

O lado bom é que eram companheiros honestos e leais, sempre dispostos a ajudar quem deles precisasse. Muito cultos e seguros, sempre acabavam angariando adesões e polarizando qualquer discussão. Suas motos eram as mais antigas e barulhentas, decoradas com motivos místicos como runas ou crânios estilizados. Impecáveis no funcionamento e na conservação, despertavam curiosidade e cobiça por onde passavam. Seus donos se sentiam muito orgulhosos delas.

Mas naquele domingo o tema das discussões parecia interessar a todos, afinal durante a semana os contatos via internet já vinham esboçando as intenções de uma parte do grupo de promover e participar de um passeio maior. A idéia era percorrer 450 km partindo no sábado bem cedinho, chegar à Capital do Estado onde se instalariam num hotel, sairiam à noite pra um bom passeio, conhecendo tudo sob a direção do amigo motociclista do grupo que ali residia e que teria o maior prazer neste encontro. No dia seguinte, tendo pernoitado no hotel, partiriam de volta, fazendo também algumas paradas estratégicas em belos pontos turísticos pré-agendados e a chegada ao ponto de separação estava prevista para o anoitecer. Logo denominaram como viagem “Bate&Fica” pois não seria como as costumeiras “Bate&Volta”

Aquilo parecia emocionante para a maioria daqueles motociclistas amadores, cujas motos eram usadas apenas nos finais de semana para percursos curtos e paradas longas. Talvez fosse até aventura demais para uns, embora houvesse outros que achavam viável sair já na sexta feira e pilotar durante a noite. A discussão tomava rumos diferentes e também eram questionadas a periodicidade e a duração das paradas. A autonomia das motos era variável e isso já impunha alguns limites. Além disso o condicionamento físico e a experiência dos pilotos também tinha que ser avaliada, pois nem todos estavam acostumados a pilotar mais de uma ou duas horas. Pra dizer a verdade, a maioria não estava.

Embora cada qual acreditasse conhecer os limites de seu equipamento e o seu próprio, secretamente todos tinham preocupações com os demais

“Caramba, o Juno tem carteira há apenas seis meses…”; “Será que a Marta agüenta fazer essa viagem como se propõe ?”

Perguntas deste tipo rondavam a mente de cada um.

Ademais, havia aqueles que, embora já de plano houvessem rechaçado sua participação, ficavam dando seus pitacos e criando ainda mais dúvidas. Todos queriam participar de uma forma ou de outra.

Por fim, sem nada definido, a fome foi chegando e o pessoal logo resolveu ir almoçar.

As motos partiram em comboio pra um restaurante ali perto onde servia-se uma deliciosa comida italiana, simples e com preço honesto.

Ali chegando, as mesas foram logo sendo ocupadas e os pedidos feitos. Nada muito requintado. Enquanto aguardava-se a comida, cada qual discutia com os que se lhe acercavam à mesa sobre algum dos temas da programação da viagem, sem contudo que se chegasse a nenhuma conclusão.

O almoço, como de costume sem bebidas alcoólicas, foi uma farra geral, com cantorias e brincadeiras, todos compartilhando os pedidos de todos e a conta sendo rateada igualmente por cabeça, sem a menor dificuldade. Continuaram ocupando as mesas, que agora, servidas de café, eram palco das infrutíferas tentativas de alguns para resolver os impasses e definir as adesões. No final, todos tinham mesmo que partir e apenas três casais e dois “solo” tinham afirmado categoricamente que iriam e já se punham a definir os detalhes. Os demais teriam até terça-feira para informarem sua adesão, quando seriam formalizadas reservas no hotel escolhido.

As despedidas, como sempre calorosas, agora tinham uma certa vibração diferente. Havia um projeto em andamento e isto excitava a imaginação de todos mesmo que intimidasse a alguns. Uma viagem de moto ! Quem teria coragem de encarar ?


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