Romance sobre duas rodas

Romance em duas rodas

A história de Ana, conforme ela mesma sempre disse, começou a mudar numa tarde dessas em que uma mulher muitas vezes se deixa levar pela melancolia… Pensava na separação e como havia sido traumática, afinal foram muitos anos de convivência e disso ela não mais queria falar. Quem dera conseguisse nem pensar. Queria superar.

Pelo menos os filhos, agora crescidos, não demandavam cuidados e os negócios até que iam bem.

Ana mantinha sua cabeça voltada à floricultura, seu ganha-pão, seu passa-tempo, enfim, o foco de seus pensamentos. Sua clientela e seus fornecedores e funcionários eram as fontes de suas amizades, mas aquilo sempre se restringia ao horário comercial. No mais, sentia-se bem na solidão de seu apartamento, lendo seus livros e assistindo TV. Às vezes a filha ligava e mais raramente o filho. Ambos tinham suas vidas e seus problemas pra resolver. Ela já não se sentia preparada pra auxiliá-los mais que como boa ouvinte. Contava-lhes um pouco de sua rotina, ouvia-lhes as novidades, sempre mostrando afeto e interesse genuínos. Pouco contato mantinha com seus pais e sua cunhada, desde a morte de seu irmão. Mesmo assim era raro sentir-se deprimida como naquela tarde.

Talvez tenha sido por isso que não repeliu austera os sutis galanteios do garotão que entrou na floricultura, procurando uma “plantinha pro apartamento”. Ele era bem mais jovem e certamente estava apenas jogando charme pra testar seu poder de sedução. Ela, se achando experiente, deixou rolar até que, aterrorizada viu-se aceitando sair pra uma cervejinha na sexta à noite. Ele viria buscá-la na floricultura às sete, fim do expediente.

Ainda mais atordoada ficou ao vê-lo, partir numa enorme e ruidosa motocicleta. Será que ele viria buscá-la de moto ? Ela sequer tomara seu telefone pra um estratégico cancelamento. Janete, sua funcionária-gerente, ria e se divertia com toda aquela situação que se armou, incentivando Ana a relaxar e se divertir. Que tinha a perder ? Era apenas um barzinho ali nas redondezas.

A fatídica sexta-feira chegou mais rápido que o esperado e nem é preciso contar a ansiedade de Ana e todo o processo minimalista de seu preparo para o evento. O engraçado é que a tarde toda despendida em manicure, podóloga, cabelereiro, maquiagem, vestimentas, perfumes tinha como objetivo parecer “casual”…

Enfim, pronta no final da tarde, voltou á floricultura como se lá tivesse passado o dia. O inconfundível som da moto foi o arauto de seus temores. Renan viera de moto. Será que ela ainda conseguia andar naquilo ?

Cumprimentos, beijinhos, sorrisos e elogios. Logo ela estava agarrada à cintura de Renan, experimentando uma sensação que não provava desde a adolescência. Andar de moto ainda era indiscutivelmente emocionante e, como era cedo, ela achou muito oportuna a idéia dele de fazerem um passeio pela orla.

O quente entardecer de fim de verão fazia mais prazeroso o contato do vento com a pele. A sensação de velocidade, a paisagem passando ligeira, o ronco potente e o torque sensível do motor eram um deleite. Ela se deixou envolver e foi com certa decepção que percebeu que haviam chegado ao destino, depois de quase duas horas de passeio.

A noite foi deliciosa e Renan surpreendeu-a pela elegância e cavalheirismo. Se queria agradá-la, estava conseguindo. Falaram de trabalho, dinheiro, religião, culinária, futebol, família, política e tantos assuntos que a noite transcorreu num piscar de olhos. Renan era inteligente e sensato. Ademais, ela acabou descobrindo que ele mantinha laços de família distantes com sua cunhada. Eram primos em segundo grau. Isso contribuiu ainda mais para a crescente confiança que se estabelecia entre eles

Ela estava encantada, mas consciente dos riscos de se deixar apaixonar, delicadamente repeliu as investidas mais ousadas de Renan. Ele, fustigado pelo desafio daquela mulher envolvente, sentia-se magnetizado. Aquele compromisso que ele a principio se arrependera de ter proposto, agora se transformara numa experiência de sensualidade e sedução. Ela era linda, movia-se com graça, falava com moderação e sabedoria como ele não estava acostumado a esperar nos seus encontros. Na despedida não se conteve:

“Ana, amanhã é sábado e tem um passeio de moto pra uma cidadezinha muito charmosa onde vamos almoçar e eu queria muito tê-la na minha garupa. Garanto que será divertido. Posso pegá-la pela manhã às 8:30?”

“Amanhã? Sem chances, Renan ! Não terei tempo pra me arrumar, e nem saberia o que falar, fazer ou mesmo como agir no meio de um bando de marmanjos barbudos e bagunceiros que só falam de moto e se embebedam!”

Renan até assustou-se, pois pela primeira vez sentiu-se pisando em terreno perigoso, mas não era de seu feitio desistir e insistiu, explicando calma e divertidamente pra Ana que esse estereótipo não condizia com a realidade, pois os grupos de motociclistas não saiam pra aterrorizar ninguém. Na verdade eram compostos no mais das vezes por executivos e profissionais liberais que, amantes das motos, utilizavam-nas nos finais de semana, junto com suas companheiras pra relaxar das tensões da semana, andando por boas estradas sempre dentro da lei. A moto era o elo de ligação entre eles. Na exata acepção da palavra “o veículo de agregação”. Ademais, a previsão do tempo era excelente e passar um sábado de sol em casa, curtindo o calor, seria mesmo um desperdício. 

Ela relutou por algum tempo, mas foi vencida pela argumentação sincera dele que até aquele momento não lhe dera motivos pra desconfiar. Riu de si mesma quando pensou no que seus filhos diriam e ainda com isso na cabeça confirmou:“Ok, Renan ! Mas não me apareça em casa antes das 9:00hs pois eu não quero madrugar no sábado !!!”

Ele sorriu assentindo, beijou-a, ligou sua moto e partiu.

A cabeça de ambos fervilhava com as expectativas do dia seguinte e como foi bom sentir aquelas emoções novamente…


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