Tok

em

Ai, que dor de cabeça! Foi assim que acordei em Watson Lake. Acho que tinha viajado um pouco demais na cerveja. Quando cheguei na cidade, no final da tarde do dia anterior, outras duas motos estavam chegando também, e os caras ficaram hospedados no andar de baixo do mesmo hotelzinho.
Cumprimentamo-nos brevemente. Mais tarde, no restaurante, estavam lá os dois, mas com certeza não falavam a minha língua, e então nem conversamos. Era até mais cômodo pra mim ficar sozinho, com a minha cerveja. Mas é engraçado, porque na estrada sempre todos se cumprimentam acenando com a mão esquerda aberta e para baixo, o braço esticado. E é legal essa atenção durante o dia, nas estradas, porque há poucas pessoas, e principalmente poucas motos, e isso transmite uma energia muito boa. Mas depois, já apeados das motocicletas, ninguém é muito de papo não. Deve ser porque todos estamos sempre cansados e já conhecemos bem os temas das conversas etc.. Melhor economizar energia, cuidar de comer, beber, mandar notícias, planejar brevemente o dia seguinte e dormir.

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Eu já estava levantando, e ouvi quando as motos dos colegas saíram. Puxa, esses caras estavam bem mais disciplinados que eu. Depois de um comprimido pra dor de cabeça e um bom banho, já estava quase pronto. Nesses motéis pelo Canadá e Estados Unidos, sempre há uma cafeteira e uns saches de pó de café normalmente sobre a pia do banheiro, ou sobre uma cômoda no quarto. Eu nunca usei. E acredito que ninguém usa, porque nunca há sinais de uso. Precisando bem de um café preto, fui investigar a cafeteira no meu quarto. Tinha teia de aranha aquilo. Tomei um pouco de água que ainda tinha, comi um resto de Kit-kat, e aí foi só reunir a tranqueirada novamente, para mais um dia de viagem. Será que vai chover? Abro a porta, dou uma olhada … não, não está parecendo. Vou sem capa então. Só com a calça da capa, melhor pensando, just in case, como eles dizem por aqui, já que é muito difícil de colocá-la quando na estrada. Será que vai fazer frio? Melhor colocar uma roupa mais quente por baixo. Afinal, estou indo pro Alaska …. Alaska?! Caraio véio, é hoje … chegarei ao Alaska, se tudo der certo. Limpei a viseira de todos aqueles insetos, e fui engraxar a corrente. Sempre tenho preguiça de fazer isso. Antigamente punha graxa na corrente toda. Como a moto não tem cavalete, precisava ir empurrando ela pra conseguir engraxar tudo. Agora não. Engraxo só a parte que está aparecendo, confiando que vai espalhar. Carreguei as malas na moto e saí, deixando a chave na porta do quarto, como me recomendaram. Na tarde anterior, quando cheguei, algum hóspede não fez isso e uma das mulheres que cuidava do hotel teve que fazer cadeirinha pra outra pular a janela do quarto, achar a chave lá dentro e abrir a porta. É, nunca é fácil pra ninguém …

A luz do sol já era intensa. De repente me dei conta da falta que estava sentindo do nascer e do pôr do sol. Eu não via mais isso. Os dias eram muito longos. Dormia com sol e acordava com sol. Fazia dois dias que não via a noite. É que eu já estava ficando perto do fenômeno do sol da meia-noite. Fui acelerando e pensando nisso. O tempo estava firme, o ar fresco, e a estrada era reta. Tudo me favorecia. Até Prudhoe Bay ainda faltavam uns 2.200km. Fairbanks estava a 1.400km. Não seria louco de querer chegar lá numa tacada só. Ficaria em Tok, já no Alaska, mas bem perto da fronteira com o Canadá. Isso também não era bolinho, pois daria 1.060km, e teria que fazer o primeiro trâmite de fronteira, mas que eu sabia não era de tomar muito tempo.

Watson Lake rapidamente ficou para trás. Na saída oeste da cidade, há a entrada para a Rota nº 4, à direita, que conduz ao norte, passando pelo Watson Lake em pessoa, quer dizer, o lago propriamente. Lá bem adiante, a noroeste, encontra a Rota nº 2, a Klondike Highway, que é uma rota vinda de Whitehorse, cidade onde dali a algumas centenas de quilômetros eu passaria; a Klondike Hwy, por sua vez, leva até a cidade de Dawson, da qual já falei anteriormente. Vai ora margeando o rio Yukon, ora o rio Klondike … deve ser um espetáculo. E a partir de Dawson City há uma ligação direta por estrada com Tok (meu destino do dia), que é a chamada Top of the World Highway. Alterna trechos asfaltados e off-road, e vai por cima das montanhas. É a estrada mais ao norte que existe naquela localidade. Gostaria muito de ter rodado por ali. Se minha viagem não tivesse que ser tão prática, por ser tão apertada, poderia ter ido por esse caminho. Me arrependo um pouco, mas as distâncias ainda a percorrer eram simplesmente enormes. Tive que deixar passar essa. Um pouco mais à frente, a 22 km a oeste de Watson Lake, passei pela entrada da Cassiar Road, à esquerda, para o sul, mas sem me dar conta. Estava focado em chegar a Whitehorse, muito embora essa rodovia não me saísse da cabeça desde que o John, que encontrei lá da Headingley Sport Shop em Winnipeg, me falou sobre ela. Na parte que me cabia naquele momento, mantinha-me firme na Alaska Hwy, por trechos bem retos, acelerando enquanto não vinham os loose gravels, ou melhor, os trechos em cascalho solto. Tinha como companhia, além da paisagem, caminhões, que eram poucos mas bem grandes, motor-homes e as Harley, presença majoritária na estrada entre as motos.

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A fome ia batendo, e com ela aquela moleza. Tinha que parar, inclusive para por gasolina. Depois de 260km de Watson Lake, tem um bonito lago, o Teslin Lake, e lá uma pequena vila após cruzar a ponte. Abasteci, paguei, e aproveitei para tomar café. Havia um restaurante aconchegante e estavam servindo um café completo, digamos, com torradas, ovos e “ham”, ou seja, presunto. Isso me interessou. Sentei numa mesa e logo fui atendido. O restaurante estava cheio. Eu sempre pego o cardápio e aponto um item específico (“this one please”), pensando que assim tudo estará resolvido e será só comer quando chegar o prato. Mas não. Senhor, como vai querer as torradas? “Brown”, isto ou aquilo ou aquele outro? Eu fiquei feliz de entender a palavra “brown” e, todo pimpão, dei a resposta segura: “brown toast, please”. Ufa … Senhor, e como vai querer os seus ovos? Oh, lá vem você de novo… A moça me deu três opções, e eu só entendi o “scramble”. E assim vieram ovos mexidos. Ah, então isso é “scramble”. Nos outros dias eu sempre pedia desse jeito, que era o único que eu entendia. Enquanto comia tranquilamente, uma senhora numa mesa próxima me olhava quase a implorar que eu a cumprimentasse. Que coisa!, pensei, não se pode ter um pouco de sossego. Eu estava há dias praticamente sem conversar com ninguém e fui me acostumando a ficar sozinho. Nem tinha mais certeza de que era capaz de falar. Se tivesse que começar a tentar conversar em inglês, aquele café ia ficar mais difícil. OK, não teve jeito. Ela levantou e veio em minha direção. Muito gentil, me cumprimentou e quis saber de onde eu vinha. Respondi que era do Brasil. Uau, não me diga, Brasil …, aquela coisa, parara, parara. Ela quis saber de onde no Brasil, quanto tempo de viagem, até onde eu ia, se ia voltar de moto, tudo aquilo. Pelo que ela disse, era bem viajada, e já tinha estado no Rio de Janeiro. Falou num inglês pausado, muito atenciosa. Então acabamos conversando, eu contei que estava fazendo a segunda etapa da viagem, etc., etc., e ela me contou que estavam voltando de Prudhoe Bay/Deadhorse. Eu exclamei, meio sem querer: “Nossa, mas sua roupa está tão limpinha!” Ela devolveu na lata: “E a sua está muito suja!”. Risadas. Na mesa dela eram dois casais: ela e o marido, americanos, e um outro casal de australianos. Finda nossa conversa, agradeci, passei pela mesa deles cumprimentando gentilmente, paguei minha conta e fui lá fora dar uma inspecionada na moto. Nisso, um deles, que era o australiano, veio até mim conversar também, e acabou me deixando um cartão dele, se caso um dia eu fosse à Austrália. Na verdade ele é um organizador de viagens pelo mundo afora, e estava ali guiando aquela senhora com seu esposo. Estavam em duas BMW GS 1200. Em agradecimento, separei quatro “stickers” de bandeirinhas do Brasil e fui até a mesa deles novamente presenteá-los. Gostaram muito, e logo já estavam todos rodeando a minha moto e perguntando isto e aquilo. Enquanto isso eu cumpria a tarefa diária de ir completando o óleo. Acabaram zarpando um pouco antes de mim depois de animada despedida. Não fiquei sozinho por muito tempo. Logo chegou outra senhora, desta vez parecendo ser uma típica turista. Olá filhinho, está viajando de moto sozinho? Sim senhora, respondi. E de onde você é? Do Brasil, falei. Brasil?!? Where is it?, Onde é isso?, disse ela. In South America, expliquei. Ahhh, S-o-u-t-h A-m-e-r-i-c-a ………. Ficou me olhando, parva. Deve ser esclerosada essa veia, só pode. Vamo nessa V-Strom!

Até Whitehorse eram mais 170km. Quando não estamos em loose gravel, a estrada é muito boa. O tempo seguia firme, e zero de ursos para hoje. Logo cruzei a ponte sobre o rio Yukon e estava passando por Whitehorse. Inicialmente a idéia era fazer pouso nessa cidade, que é a maior do Yukon, com 19.000 habitantes, e é também a capital dessa província desde o ano de 1952. Antes disso a capital era Dawson City. Além de ser uma cidade turística, poderia ter a assistência que precisava para a moto. Contudo, se fosse parar por aqui, teria feito apenas 450km nesse dia, muito pouco para o tudo que pretendia percorrer. Sempre isso nessa viagem, e a tendência seria só piorar. Whitehorse também teve sua origem na Corrida do Ouro de Klondike. Conta o meu guia de viagem que, no inverno de 1897 para 1898, 2.500 homens vieram a pé por 50km das geladas trilhas Chilkoot e White Pass, tradicionais e difíceis caminhos dos nativos Tlingits ligando o litoral do Alaska à British Columbia, sul de Whitehorse. Essas rotas acabaram servindo à Corrida do Ouro como parte do acesso até Dawson City. Os caras ensandecidos atrás de ouro vieram por tais trilhas e montaram um acampamento onde hoje é Whitehorse, dando início à cidade. Para ir a Dawson City, desciam o rio Yukon. Uma das atrações da cidade é justamente o barco a vapor S.S. Klondike, construído em 1929 para fazer esse trajeto. Afundou em 1936, mas foi restaurado e ancorado definitivamente em Whitehorse. Na chegada à cidade tinha um posto, mas deixei passar. Estava sem vontade de parar. Não queria entrar na cidade, e me mantive na estrada, aguardando por um próximo posto mais adiante, o que acabou não acontecendo. Não encontrei nenhum. Toca em frente V-Strom, que a autonomia ainda é de mais de 100km.

Depois da cidade havia trechos com grandes depressões no asfalto. Foi quando percebi algo estranho no retrovisor esquerdo. Alguma coisa se soltou dentro dele e vibrava, arranhando o espelho de dentro pra fora. Nem sabia que existia uma coisa ali dentro. Que estranho, mas não atrapalhava muito. Só o barulho incomodava e a leve sensação de que a moto, nesse ritmo, não ia agüentar ou ia chegar um cacareco em Sorocaba. Devem ter sido os trechos de terra, a vibração. Sem posto de gasolina, resolvi ir mais devagar. Haines Junction ainda estava longe, e o gás teria que dar até lá.

Esse dia estava sendo particularmente interessante por causa dos tais loose gravel. Quando tinha uma placa anunciando o percalço, podia esperar que logo na frente havia uma parada obrigatória formando uma pequena fila de veículos à espera de uma caminhonete, uma espécie de safety car, que ia puxando a turma. Normalmente estava trazendo uma fila do outro sentido da estrada. Então ficávamos aguardando. Não podia ir sem ele de jeito nenhum, uma vez que havia máquinas pesadas trabalhando na pista, e um acidente não seria nada difícil de acontecer. O problema é que isto tira um pouco da nossa liberdade, e toma mais tempo. Além disso, o carro líder ia levantando poeira, e eu não podia andar do lado dele, nem muito atrás, que o motorista reclamava, menos ainda na frente. Ia levando poeira na cara mesmo. Bem que as placas avisavam: “extreme dusty conditions”. Não tinha jeito. Mas era uma boa distração para quebrar a monotonia das estradas retas. Indo em pé na V-Strom me sentia bastante seguro e firme na pilotagem. Quando há mais pedrisco solto, melhor acelerar mais. A moto ficava bem estável. Vez por outra o loose gravel estava encharcado. Passava um caminhão molhando tudo pra baixar a poeira, e aí virava lama. Freio, só o de trás. Cuidado pra não derrapar! Pobre das Harley. Percebia a dificuldade delas. Normalmente já iam lentas na estrada, e nos loose gravel mais lentas ainda. Outro estilo de viagem. Também acontecia de outras vezes não ter que esperar o carro líder. Era só o aviso de loose gravel e aí já acabava o asfalto e eu ia direto. Era gostoso, como um pequeno desafio e, principalmente, um bom treino para os largos trechos desse tipo que encontraria na Dalton Highway, a última estrada para Prudhoe Bay. Nos loose gravel normalmente não há areião, nem pedriscos fofos e fundos, de modo que se pode dar uma boa tocada a mais de cem por hora, desde que não se incomode com a vibração do guidão nas pedrinhas. A V-Strom dava umas osciladas na rabeta, mas era um prazer ver como ficava estável no conjunto. Não ficava ninguém na nossa frente. Entretanto, nessas horas fica pulsando uma advertência na cabeça: e se a moto desestabilizar por qualquer razão? E se no meio dessa poeira aparece um moose ou um urso, um veado, o que é que você vai fazer com uma perna, clavícula, costelas ou um braço quebrados? Nessas horas costumava terminar o trecho de cascalho e começava o asfalto, dissipando esses temores.

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Assim fui chegando a Haines Junction. É uma parada essencial para os viajantes. Se for preciso, pode-se dormir lá tranquilamente. Tem restaurante também. É uma base para a exploração do Kluane National Park. A cordilheira St. Elias, com as montanhas mais altas do Canadá, emoldura a cidadezinha. É coisa linda. Há o parque e geleiras para se conhecer. Claro que isso também não daria para eu fazer. Segundo li no meu guia de viagem, se você quiser conhecer o mundo como era na última era do gelo, entre 5.000 e 10.000 anos antes de Cristo, é só ir visitar o Kluane National Park. Vales e lagos congelados o ano todo, florestas alpinas, planícies e tundras. A cidade chama-se Haines Junction por causa da bifurcação da Alaska Hwy com a Haines Hwy, que leva ao sul, para a região onde começa a tal Trilha Chilkoot. Só lugarzinho feio e sem graça, sabe? Fui abastecer e vi que tinha um orelhão no posto de gasolina. Infelizmente tentei contato com Sorocaba várias vezes e nada. Isso me abalava o espírito. Não tinha conseguido falar no dia anterior. Era uma quinta-feira e imaginava como devia estar a rotina em casa; minha esposa correndo pra cá e pra lá, levando sozinha as crianças pra escola, para outras atividades extras disto e daquilo, tantas coisas que conheço bem, e tudo sem ter notícias daqui destas altas latitudes. Que remédio? Melhor seguir viagem antes que chova.

A essa altura estava frio e o tempo bem carregado, cinza escuro. O asfalto foi piorando. Muitas depressões. Uns 100km adiante encontrei o Kluane Lake. Ventava muito, o terreno era largo e descampado, com montanhas ao lado, a uma distância maior. O resto era água azul, às vezes um tom esverdeado, refletindo o cinza do céu, emoldurada por belas flores lilás. Quilômetros dessas florzinhas. Muito capricho da natureza. Depois passei por Burwash Landing, que é um ponto mencionado nos guias, mas é tão pequenininha que nem vi. Só notei a placa numa curva. Na verdade, tem apenas 95 habitantes! No meu guia está escrito que é um centro de serviços. Então, se alguém precisar … Eu estava bem, e segui em frente para Beaver Creek, a 290km de Haines Junction e a última parada no Canadá. Acredito que tenha sido o trecho de pior asfalto da Alaska Hwy, desde Dawson Creek (é tanto Creek no nome dos lugares, que confunde). Teve rachaduras e buracos no asfalto, a pista estranhamente empenada, depressões, mas é bom entender bem: não é nada que se aproxime das nossas péssimas estradas no Brasil. Esse é um longo caminho em subida. Haines Junction está a 655m de altitude, e Beaver Creek a 2.255m, e eu sentia isso na estrada, dando a impressão de se estar chegando realmente ao topo, ou ao fim de alguma coisa. No caminho, de longe avistei algumas motocicletas indo juntas. Curva após curva fui alcançando e logo os ultrapassei. Fiz um aceno e alguns corresponderam, como vi pelo retrovisor. Era um grupo de harleyros dos Estados Unidos. Tinha uma bandeira americana atrás de uma das motos. Pensei: que inveja, vão entrar no próprio país deles (Alaska) e vai ser bem fácil. Para mim já não tenho certeza.

Chegando em Beaver Creek, ventava muito. Parei num lugar simpático para abastecer. Só terra no zóio. Logo chegou o pessoal das Harley, mas não deram muita trela. Entrei pra comer alguma coisa, pois não comia desde o Teslin Lake, há uns 630km. Era bom cuidar de estar bem disposto antes de passar na imigração e aduana. Por sorte, tinha um telefone, um pay phone, dentro do restaurantezinho. Melhor ainda que funcionou. Consegui falar em casa e aquilo foi uma maravilha. Fiquei tão feliz que já não me importava mais com a fronteira tão perto. Soube que estava tudo bem e eu também transmitia boas notícias, ao vivo, direto do front, apenas minutos antes de ingressar no tão acalentado Alaska. Foi um momento histórico da minha vida que pude compartilhar com a família.

Uns minutinhos depois, era o fim do território canadense. Quem diria. É grande, mas não é dois. Fiquei confuso no posto fronteiriço canadense. Será que deveria fazer algum procedimento de saída? Essas coisas sempre geram dúvidas. Não tinha ninguém lá, pelo menos que eu pudesse ver. Nem carros parados, nada. Resolvi não parar, mas mais adiante tinha uma “construction”, e aí tive que parar. Mas não vinha ninguém para orientar. Só tinha a placa escrito “pare”. Nisso chegaram os harleyros. Que bom poder dividir essa dúvida. Eles também não fizeram procedimento algum de saída. Disseram que era isso mesmo. Na verdade, quem me disse foi a única mulher do grupo, pois era a líder deles incontestavelmente, e sua interlocutora. Ela falava por todos e ia à frente com a bandeira dos EUA. Eu, hein?! Aí esperamos um tempo juntos, até que, à falta de qualquer orientação, resolvemos seguir para o border americano antes que virássemos parte permanente daquela paisagem. Na terra, eles iam muito devagar, e não agüentei esperar. Cheguei muito antes deles na placa “Welcome to Alaska”. Famosa placa. Sonhada placa. Inacreditável. Ela estava mesmo ali como tantas vezes eu já tinha visto na viagem de outras pessoas. Encostei a moto, ajeitei a máquina fotográfica no timer sobre um dos bancos de cimento, e me pus rapidamente na frente daquele cenário tão desejado. Era a minha vez! EU TINHA CONSEGUIDO.

No que eu saía para a imigração, chegaram as Harley ruidosamente. Quase que não param para a clássica foto. Mas um deles lembrou e fez sinal aos demais, que concordaram em parar após aprovação da líder deles.

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No posto da imigração do Alaska, senti novamente aquela tensão das fronteiras. Entretanto, fui atendido com cortesia. Perguntas básicas: de onde vem, para onde vai, quanto tempo? O cara olhou os documentos, tudo ok, mas aí ele queria conversar sobre o Brasil. Falou que estava admirado do nosso desenvolvimento econômico. Foi simpático isso, mas eu estava ansioso e queria mesmo era voltar para a minha estrada. Quando ele me liberou, confrontei o Alaska pela primeira vez. Território dos Estados Unidos, e que antes já fora russo, maior estado americano, duas vezes o tamanho do Texas, terra de ursos grizzlies, águias e raposas, montanhas com picos nevados, florestas, rios e lagos, gelo … enfim, tanta coisa que não cabia na minha cabeça. Naquele momento só enxerguei uma estrada simples, com placas de limite de velocidade que tentei obedecer no começo, principalmente depois que vi um carro do xerife. Eu estava muito cansado. À medida que penetrava no território, as nuvens foram se fechando e começou a chover. Tok não chegava. Parecia perto mas não chegava. Parei para pôr a capa impermeável e segui. De repente percebo que as nuvens se abrem um pouco e os raios de sol vêm dourados e retos sobre as florestas, montanhas e vales escurecidos pelas nuvens, como que abençoando tudo aquilo, tendo à minha frente um longo caminho de pista molhada. Foi bem bonito. Uma bela recepção naquela terra distante.

Tok me lembrou Watson Lake. A cidade é pequena, cortada pela Alaska Hwy, tudo bem simples. Tentei uns hotéis e não havia vaga. Caramba, cansado como estava, é dureza. Procura daqui e dali, e a cada tentativa se tem que estacionar a moto, tirar o capacete, ir até a recepção, esperar um pouco, tudo isso para ouvir um não. E estava chovendo e frio. Num dos hotéis tinha um harleyro chegando também na cidade e não encontrando vaga. Colei nele. Ele disse que tudo bem, que a recepcionista já tinha dado a ele uma indicação. Se sobrasse um quarto, era meu. Achamos um na segunda quadra da rodovia que leva a Anchorage. O Tok Motel tinha o seu escritório na mercearia em frente aos apartamentos, e lá havia um luminoso escrito “no vacancy”. Contudo, havia vagas sim. Fomos aceitos! Excelente. Estava tudo resolvido e agora era relaxar. Verificando meu guia de viagem, de repente me dei conta de que tinha esquecido completamente de visitar o Sign Post Forest, em Watson Lake. Mas que coisa, sô! Passei por ele e não vi nada. Bem, quem sabe na volta … Fui a pé até o Westmark restaurant, na esquina com a Alaska Hwy, um lugar bacana, decorado com fotos antigas da construção da rodovia, e tomei todas as cervejas que minha exaustão permitiu. Já era vitorioso. Saboreei o momento. Tinha conseguido algo que nada nem ninguém, não importa o que aconteça, jamais poderá tomar de mim.

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