Roteiro de viagem de moto: Inhotim

Quando morava naquelas terras em meio às montanhas das “Minas Geraes”, no século XIX, o geólogo inglês Sir Timothy, responsável pela mineradora que atuava na região, não imaginava que o local, muitos anos depois, se tornaria internacionalmente conhecido. E, com certeza, não lhe passou pela cabeça que ele próprio batizaria um dos maiores museus de arte contemporânea a céu aberto do mundo. Pois quis o tratamento típico da época, e o “mineirês” encurtador de palavras, que Sir Timothy passasse a ser chamado na região de “Sinhô Tim” e, não tardou, “Nhô Tim”.

Ninguém sabe com certeza de onde veio o nome da antiga fazenda que ficou conhecida como Vila do Inhotim, mas há anos essa história vem passando de boca em boca, como manda a tradição mineira. Verdade ou causo, fato é que, no final da década de 1980, as terras foram adquiridas por Bernardo Paz, empresário do setor de mineração e amante das artes, que decidiu manter o nome da propriedade, localizada no município de Brumadinho, a 60 quilômetros de Belo Horizonte.

Ali, longe do circuito de colecionadores do Rio de Janeiro e de São Paulo, ele idealizou e fundou um centro de arte contemporânea, aberto ao público em 2006. Hoje, o Instituto Inhotim está entre os mais badalados museus do Brasil, possui uma coleção botânica que reúne espécies exóticas e raras e já recebeu mais de 2,5 milhões de visitantes de vários países.

Oásis mineiro

Logo na chegada, os olhos testemunham uma metamorfose surpreendente: um intenso verde assume o lugar de tons alaranjados e marrons, paleta comum às regiões onde o pó ferroso do minério preenche as cicatrizes das montanhas. Os matizes sépia no caminho cortado pela linha de trem e o contraste de cenários não deixam dúvidas: Inhotim é um oásis encravado entre os morros de Minas.

Estão ali aproximadamente 5 mil espécies vegetais, incluindo cerca de mil variedades de palmeiras. A riquíssima biodiversidade e os jardins-pinturas, que carregam a colaboração do paisagista Burle Marx, já seriam suficientes para fazer do Inhotim — reconhecido como jardim botânico desde 2010 — o destino perfeito de qualquer turista.

Mas outro acervo de grande importância divide o protagonismo com a natureza. Jardins, trilhas, lagos, montanhas e florestas compartilham 140 hectares (para citar apenas a área de visitação) com esculturas, fotografias e instalações. São 23 galerias — 19 permanentes e quatro com exposições temporárias — dedicadas à arte contemporânea produzida dos anos 1960 até hoje.

A coleção mescla mais de 1.300 obras — dentre as quais 700 estão em exposição, espalhadas pelos gramados ou protegidas em galerias — de cerca de 250 artistas de 30 nacionalidades. Na imensidão do parque, arte e natureza estabelecem uma relação integrada e integradora: o trânsito de uma galeria à outra, entre jardins exuberantes, refresca os sentidos enquanto leva a novas descobertas sensoriais. No Inhotim, visão, audição, tato, paladar e olfato revezam-se em uma experiência inquietante.

Embriagando as retinas

Por lá, tudo parece feito para inebriar a visão. Nesse lugar onde o exagero da beleza é comum, as cores tornam-se emblemáticas.

Próxima à recepção do parque, na Galeria Cildo Meireles, uma sala com objetos monocromáticos causa impacto à primeira vista. Na instalação “Desvio para o Vermelho”, num dos pavilhões mais visitados, três ambientes saturados pela cor escarlate disparam no espectador uma série de interpretações metafóricas que vão de ideologias políticas à violência do sangue.

A mesma cor domina a visão de quem entra na Galeria True Rouge. Na obra do artista Tunga — um dos inspiradores do Inhotim, morto em junho de 2016 —, materiais ecléticos como bolas de cristal, escovas, madeira e feltro estão embebidos em tinta vermelho-sangue e içados por uma rede.

Arte audível

Algumas obras usam a música e os sons como forma de cativar a percepção do visitante. A Galeria Sonic Pavilion (Pavilhão Sônico), de Doug Aitken, é composta por microfones de alta sensibilidade, colocados em um poço de 200 metros de profundidade, que captam em tempo real o som do interior da Terra — graves murmúrios e ruídos amplificados e reverberados no pavilhão.

Instalada em um dos pontos mais altos do parque, a obra exige energia dos visitantes (não se esqueça de usar protetor solar, roupas leves e tênis). Para subir até lá, se estiver sem tempo ou sem fôlego, cogite contratar o serviço de carrinhos elétricos que circulam no local.

Outra experiência auditiva imperdível é o Forty Part Motet, instalada na Galeria Praça. Nela, a artista canadense Janet Cardi reproduz, em 40 alto-falantes dispostos em forma de círculo, vozes masculinas que cantam uma das obras polifônicas mais complexas de canto coral, composta no século 16. Percorra a instalação calmamente, aproximando o ouvido de cada caixa de som, e perceba as diferentes frequências e harmonias de cada canto. Ao final, sente-se no centro da sala e sinta como as vozes, combinadas, formam um som único. É de arrepiar!

Viagem multissensorial

Nas cinco salas da Galeria Cosmococa, o espectador torna-se parte da obra. Repletas de referências à contracultura dos anos 1960/1970, as instalações de Hélio Oiticica e Neville D’Almeida convidam a experimentar diversas sensações.

Permita-se mergulhar na piscina gelada (leve roupa de banho, pois tanto aqui quanto na obra “Piscina”, de Jorge Macchi, é permitido nadar).

A experiência sensorial continua nas outras salas, onde não faltam elementos táteis como colchonetes, espumas geométricas e balões prontos para serem bagunçados.

Para o corpo e a alma

Quando a fome bater, há boas alternativas dentro do Inhotim. As opções — não exatamente baratas — vão de pratos refinados a lanches rápidos (são dois cafés e nove lanchonetes). O Restaurante Oiticica, o maior do parque, serve culinária brasileira. Mais caro, o Restaurante Tamboril (que leva o nome da exuberante árvore vizinha, um dos símbolos do Inhotim) oferece uma boa carta de vinhos e receitas mais elaboradas. Ao lado, o Bar do Ganso é o local ideal para apreciar um drink refrescante em meio a uma decoração que remete aos anos 1950 e 1970.

A parada da alimentação pode ser a hora certa para refletir sobre as obras vistas e digerir (a comida e a arte), antes de partir para a próxima galeria. Leve uma canga e sente-se à beira de um dos cinco lagos ornamentais ou ao redor de um dos sete jardins temáticos para apreciar as paisagens, os sons e sentir os perfumes — das folhas, do mato, das madeiras.

Num lugar como o Inhotim, torna-se impossível abarcar tudo que é imperdível. Na dúvida sobre qual rota seguir, deixe-se guiar pelos sentidos. Chegue cedo e separe no mínimo dois dias para conhecer o lugar. E prepare-se para voltar: novos projetos são inaugurados periodicamente. Afinal, “Nhô Tim” está em constante mutação.

Olhando para o entorno

Ao impulsionar a economia criativa local — tendência importante para o futuro do Brasil —, o instituto inaugurou um novo e promissor modelo de desenvolvimento em Brumadinho. “O Inhotim precisa fazer sentido para a comunidade do lugar, precisa ser experimentado por ela”, explica a supervisora de educação da instituição, Lília Dantas. Foi dessa preocupação que surgiu, por exemplo, a Oficina de Bordados, que desde 2013 ensina as melhores técnicas de costura a moradoras de duas comunidades quilombolas vizinhas.

À parte os projetos socioeducativos, o Inhotim é hoje o segundo maior empregador de Brumadinho, atrás apenas da prefeitura. Há alguns anos, o Instituto trocou o programa de estágio – com universitários de outras partes – por um projeto de formação dos jovens da região. Hoje, dos 700 funcionários do parque, cerca de 80% são moradores locais. Antes predestinados a trabalhar no setor da mineração, tornaram-se restauradores, ceramistas, monitores ambientais, arte-educadores, historiadores ou guias turísticos.

Como chegar?

De moto, há dois caminhos, sem pedágios, que levam cerca de uma hora e vinte minutos. O mais curto é pela BR-381, sentido São Paulo, via Betim. O intenso tráfego de caminhões requer atenção, mas a rodovia tem pista duplicada e boa sinalização. No km 500, entre em direção a Brumadinho — nesse trecho, em pista simples, a sinalização é precária e o asfalto deixa a desejar. Evite horários de pico.

Quem quiser começar o passeio já no caminho de ida, sem se importar em percorrer 12 quilômetros a mais, pode seguir a rota panorâmica via BR-040 sentido Rio de Janeiro. Na altura da Lagoa dos Ingleses, entre à direita no km 567, sentido Retiro do Chalé. A subida da Serra da Moeda é recompensada com um lindo visual. Continue do outro lado com cuidado, pois a descida, íngreme e com curvas bem fechadas, exige muito dos freios. Basta seguir as placas em direção a Brumadinho ou as orientações do GPS nessa estrada local linda, mas estreita e sinuosa.

Brumadinho, aliás, é point de aficionados por motos – o relevo montanhoso da região é uma atração à parte. A cidade abriga, todo ano, um encontro de motociclistas, realizado desde 2001. O evento, que teve uma pausa em 2007, mas foi retomado em 2014, hoje faz parte do calendário oficial do município, segundo informações do Brumadinho Moto Grupo, responsável pela organização.

Onde se hospedar?

Estrada Real Palace Hotel

A apenas 4 km do Inhotim, com piscina e sauna, estacionamento grátis e restaurante elogiado. Peça um quarto com tratamento acústico para fugir do barulho dos caminhões na estrada.

Rodovia Municipal Augusto Diniz Murta, km 0, Brumadinho.
(31) 3571-3189 / 3571-1031.
www. hotelembrumadinho.com.br.

Estalagem do Mirante

Dezesseis chalés na encosta da Serra da Moeda, a 35 km do Inhotim. O preço mais alto é recompensado pelo visual arrebatador, acomodações luxuosas e piscina com cachoeira.

Avenida Nair Martins Drumond, 1000 – Retiro do Chalé, Brumadinho.
(31) 3575-5061 / 3575-5660.
www. estalagemdomirante.com.br.

Pousada Villa Casa Branca

De propriedade de motociclistas e incentivadores da Rota Capitão Senra, a pousada prima pelo acolhimento, aconchego e um café da manhã diferenciado.

Rua Dora Pacheco, 307 – Recanto da Aldeia, Brumadinho
(31) 99390-0100
https://www.instagram.com/pousadavillacasabranca/

Onde comer?

Restaurante Ponto Gê

Bem na rota para o Inhotim, mas um pouco escondido, com ambiente simples e preço fixo por pessoa. Serve comida mineira no fogão a lenha e tem como carro-chefe o “Boi Bêbado” (carne na cachaça com queijo). O carisma e o bom papo da proprietária, Dona Gê, vêm de brinde.

Rua Itaguá, 350.
(31) 99953-6198/ 99779-9565.

Restaurante Abóbora

A 42 quilômetros do Inhotim, ao lado de um bucólico riacho, o premiado restaurante é ponto de encontro de motociclistas, já que é homologado pela BH Harley Davidson. Pratos à la carte ou bufê com preço fixo. Experimente a Costelinha Marinada na Goiabada.

Rua F, 104 – Casa Branca.
(31) 3575-3183/ 98728-5735.

De olho nas duas rodas

Para os apaixonados por moto, o vento no rosto, o ronco do motor, o contato com a natureza e, claro, o prazer de pilotar são ingredientes que não podem faltar na hora de viajar. Mas, antes de pegar a estrada, é necessária uma boa revisão. Fluido de freio, bateria e vela merecem atenção (veja quadro abaixo), mas outros itens também. A começar pela característica que define esses veículos: as duas rodas.

Vai de moto? Veja cuidados a serem tomados

Numa rodovia de trânsito truncado como a BR-381 ou na tortuosa Serra da Moeda, sua moto enfrentará condições diferentes das encontradas em trechos urbanos. Faça uma revisão preventiva, e esteja especialmente atento a fluido de freio, bateria e vela. A Bosch tem diversos produtos para esse segmento.

Ao verificar o medidor, caso o fluido não esteja na marca ideal, troque-o. Se estiver em uso há mais de um ano, também. “Há risco de os freios não funcionarem adequadamente”, alerta Jeferson Scarelli, consultor técnico da Bosch.

Quanto à bateria, para ver se ela está funcionando bem, fique atento ao dar partida e ao acender faróis. Se a luz mostrar-se fraca ou se o motor demorar a pegar, pode ser que o componente esteja com problemas. Leve a um mecânico para avaliação. Sem carga na bateria, a bomba de combustível e o sistema de iluminação deixam de funcionar.

Problemas na vela costumam vir acompanhados de aumento no consumo de combustível. Outro indicativo é baixa potência durante a aceleração. “Como a vela é um item barato e ocupa pouco espaço, vale a pena levar uma sobressalente para a viagem”, recomenda Scarelli.

O articulista Rômulo Provetti, do site Viagem de Moto, sugere checar os pneus. “Dois fatores determinam a necessidade de troca: o primeiro é a validade, 5 anos. A data de fabricação está na lateral, normalmente após a inicial DOT. O segundo é o desgaste da banda de rodagem. Há uma identificação chamada TWI (Tread Wear Indicator) — um pequeno triângulo também na lateral — que indica onde está a marca limite de desgaste. Quando alcançar o TWI, ou 1,6 mm, é recomendada a substituição.”

Autor de livros sobre o tema, ele destaca que é necessário verificar ainda se há objetos presos nas rodas ou raios quebrados. “Pedras, cacos de vidro, pregos e uma infinidade de outros objetos podem se prender na banda de rodagem e provocar danos ao pneu. No caso do raio quebrado, pode desbalancear, danificar a roda, furar o pneu e causar acidente.”

Fonte: Revista Vida Bosch nº 44


Comentários

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2 respostas para “Roteiro de viagem de moto: Inhotim”

  1. Olá Rômulo,
    Há também um acesso antes da entrada para o Retiro do Chalé. Segue em direção a Piedade do Paraopeba. Perde-se o visual da Serra mas ganha-se a localidade de Piedade do Paraopeba com sua matriz do século XVIII.
    Abraços

    1. Avatar de Rômulo Provetti
      Rômulo Provetti

      Maravilha, Marcelo. É um ótimo roteiro para percorrer também.
      Valeu pela lembrança.
      Abraços

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