A tão sonhada viagem de moto pela mítica Rota 66 nos Estados Unidos se torna realidade, mas todas as espectativas são frustradas já no primeiro dia.
10/09 – 4ª feira – Retiramos as motos pela manhã e seguimos com destino a Oklahoma City
Apesar de termos preparado toda a papelada no dia anterior para ganharmos tempo, ainda ficou um pouco de burocracia para ser resolvida hoje, como o preenchimento de mais papeis (seguro total contra terceiros, opcional, vistoria em cada moto e mais um formulário).
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Como todos queriam ser atendidos primeiro, houve um princípio de tumulto, até que o André resolveu formar uma fila e os ânimos serenaram.
Esqueceram de mim
Hoje seria o dia da grande jornada pela Rota 66. Todos empolgados, sorrisos nos lábios, olhos brilhando de emoção, corações palpitando… Para registro desse que seria o inesquecível momento de nossas vidas – para nós, como eterna lembrança; para os parentes e amigos distantes, a prova cabal – fotos de todos ângulos, tipos e posições foram tiradas: ao lado das motos; isoladamente, assinando o contrato de aluguel dos equipamentos; a turma toda junta, num ambiente de descontração e euforia. Cada um se esforçava para conseguir o melhor ângulo para figurar nas fotos.
Momento da saída: adrenalina pura, emoção acima de qualquer previsão e empolgação absoluta. Todos queriam registrar aquele momento. Foi aí que me pediram para filmar o grupo saindo com as motos, como marco inicial da grande turnê. Anuí de bom grado. Preocupado em não ficar para trás, solicitei que o pessoal, na medida em que fosse saindo, me esperasse até que eu pegasse a minha moto. Tudo acertado e combinado.
Filmado o penúltimo companheiro a sair pilotando, ao som inconfundível da aceleração das Harley-Davidson, pois eu seria o último devido ao encargo recebido, percebi, assustadíssimo, após ter ido pegar a minha máquina, que não havia mais nenhum companheiro à vista. Todos tinham partido. Segui pela rua a toda velocidade para ver se alcançava o pessoal. Um pouco mais adiante, deparei-me com um cruzamento, com três alternativas de direção. Nenhum sinal de qualquer um dos companheiros.
Neste momento, meu coração disparou. Meu peito arfava, ofegante. A cabeça parecia envolta em nuvens. Os braços tremiam. Sem saber qual caminho seguir, restou-me retornar à loja EAGLERIDER da Harley-Davidson e pedir ajuda.
No cruzamento, resolvi entrar à direita com o objetivo de retornar à loja, cuja localização estava mentalizada. Custei a encontrar outra rua que me permitisse entrar novamente à direita para retornar em direção à loja. Cada segundo parecia uma eternidade. Percebia que estava ficando cada vez mais distante do ponto de partida, pois eu seguia em sentido contrário a ele. Suor frio com frio. Que sensação estranha, louca, de deixar os sinais de vida em frangalhos, desgovernados. O desespero tomou conta de mim no momento em que percebi que estava sozinho.
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Aos efeitos que a sensação de abandono provoca no meu corpo, somaram-se à alma os sentimentos de amargura, ansiedade, angústia, sensações que parecem fazer o estômago encurtar, apertar, a boca secar, faltar ar nos pulmões e as sístoles e diástoles do coração desacertadas com a natureza. Era quase um morto vivo.
Não saberia explicar o que mais dói, mais incomoda, mais perturba: o efeito que o desespero causa no corpo, ou o ódio que invade a alma, contra tudo e contra todos, devido à situação em que me encontrava.
Mágoa, desgosto, decepção, susto, medo, pavor. Os sentimentos se misturam, fervilhando na mente como num caldeirão à temperatura do inferno. Era um verdadeiro BIG BANG a expandir num universo de incertezas, insegurança absoluta, descontrole total.
O estopim, a pólvora, a origem do desencadeamento dessa sopa de dissabores têm o seu DNA nas letras GPS.
Tive mágoa originária do desgosto causado pela decepção e desgraça em que o GPS me deixou. Tudo isso me causou medo e susto, principalmente por não falar uma palavra em Inglês. “Engles eu não CEI, mas porrtuguez eu çou fera”. Como poderia pedir ajuda? E se a loja já estivesse fechada? (Não confundam o sorriso amarelo de hoje, das tímidas brincadeiras de agora, com o desespero daqueles momentos infelizmente inesquecíveis).
As pernas já não obedeciam aos meus comandos e eu sentia calafrios pelo corpo. Nunca em toda minha vida havia passado por uma situação semelhante, pela desconsideração e menosprezo do grupo e principalmente pelo GPS (o Guia). Parecia que eu estava participando de um filme apavorante de terror, em que você precisa correr, correr, mas não consegue fazer com que a sua moto ande com rapidez suficiente para alcançar o pessoal e você corre o risco de ter sérios problemas. Mas isso não era um filme e eu tinha que correr para salvar a minha vida. Peguei com Deus e segui em frente.
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Depois de muito malabarismo, de quase uma eternidade, consegui chegar à loja. Lá encontrei o gerente da Loja, Sr. Sam Duarte. Assustou-se com a minha presença. Talvez mais ainda pela palidez estampada no meu rosto. Com os braços abertos e os olhos arregalados, fez um gesto para mim, procurando saber o que tinha acontecido. Por meio de mímica, como uma criança desesperada, surda e muda, consegui explicar. Também por meio de gestos, ele perguntou se eu tinha o telefone do nosso GPS, Sr. Augusto, e eu respondi negativamente. Não conseguia sequer falar o simples advérbio de negação “no”.
Procurando nos arquivos da loja, o Sr. Sam conseguiu o telefone da empresa AD Turismo em São Paulo, onde conseguiu o telefone do Augusto. Sam telefonou então para o Augusto e, após descobrir onde o grupo estava, pediu a um dos funcionários da empresa que me acompanhasse de moto até lá. O funcionário da loja, por sinal um grande piloto de moto, saiu “voando” e eu tive que acompanhá-lo, fazendo o que nunca havia feito na vida: andar a mais de 160 km por hora. O pior de tudo é que estava começando a chover. Fiquei muito preocupado em não conseguir acompanhá-lo e me perder novamente. Foi um tremendo sufoco. Sufoco em cima de sufoco!
GPS (o Guia) diminuiu a velocidade do comboio até a minha chegada. Ao alcançarmos o grupo, o funcionário da loja entrou na marginal à direita da estrada e fez o retorno em direção a Dallas. Com um gesto de OK, agradeci. Só não me recordo se dei o sinal fazendo um círculo com o indicador e o polegar, mantendo os demais dedos para cima; ou, se ao contrário, mantendo os demais dedos para baixo. O significado, obviamente, é totalmente o contrário. Mas quem garantiria o meu equilíbrio emocional?
Até a primeira parada, ninguém havia percebido a minha ausência e a minha reintegração ao comboio. Foi aí que conversei com o GPS (o Guia). Dei uma bronca total: “Seu filho… (de uma esperança frustrada, ou seja… #!%&*.*&%$#@*+#$, com toda a insinuação vocal possível). Onde está a sua responsabilidade? Você jamais poderia deixar alguém para trás! Você não imagina o que passei sozinho nesses momentos angustiantes!”
Percebi que ele não gostou do jeito que lhe falei, o que provocou, durante toda a viagem, falta de confiança e entrosamento entre nós dois. Em momento algum ele foi capaz de pedir-me desculpas pelo acontecido. Só Deus sabe o que passei naquelas poucas horas, que mais pareceram uma eternidade. É como diz o ditado: “Pimenta nos olhos dos outros não arde”.
De Dallas no estado do Texas, passamos por Gainesville – Oklahoma City no estado de Oklahoma. Percorremos 328 milhas (524,8 km).
Ao sairmos de Dallas, quando chegamos à cidade de Gainesville, pegamos chuva até Oklahoma City.
Ficamos hospedados no Hotel Best Western Saddleback Inn & Conference Center (endereço: 4300 SW3 rd Street, Oklahoma City, estado de Oklahoma, USA, telefone 405 947-7000).
Antes de sairmos de Oklahoma para Amarillo, percebi que o GPS escutava uma reportagem sobre um furacão e pude perceber, pela fisionomia dele, que não parecia coisa muito boa. Acabei não dando importância.
11/09 – 5ª feira – Saímos de Oklahoma às 13h, passando por Clinton, e chegamos a Amarillo para pernoite
Ficamos hospedados no Hotel Best Western Amarillo Inn (endereço: 1610 S. Coulter St, cidade Amarillo, estado do Texas, USA, telefone 806 358-7861). Percorremos 282 milhas (451,2 km).
No segundo dia de viagem foram quase 7 horas de tempestade provocada pelo furação IKE, que atingia os EUA pelo sul do Texas. Nesse momento surgiu a dúvida se deveríamos seguir a viagem ou aguardar os acontecimentos.
Destemido, o Cel. José Guilherme disse:- Vamos embora, vamos embora, não podemos ficar aqui.
A turma concordou e seguimos em frente, porém não esperávamos que a tempestade fosse tão forte. Ao passarmos pela cidade de Gainesville, a coisa ficou preta, a tempestade aumentou e precisávamos chegar a Amarillo.
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Fiz toda a viagem de moto durante a tempestade, usando apenas um capacete tipo “coquinho”, que eles emprestaram quando alugamos a moto. O capacete não tem viseira, então dá para imaginar o sufoco que passei. Como não tinha conseguido comprar as botas, as luvas e o capacete, tive que encarar a tempestade apenas com uma capa de chuva, que não ajudou em nada, pois a chuva entrava rapidamente pelo colarinho, pelas mangas e por baixo da bainha da calça. Foi a maior trapalhada do século.
A tempestade afrouxou a força da sensibilidade da minha vista, que não conseguia enxergar nada. A chuva caía tão forte, que ao bater em minhas mãos desnudas parecia que eu estava tomando choque. Na estrada o pára-brisa protege bem do vento que vem de frente, mas torna a moto muito instável quando somos ultrapassados pelas grandes carretas, principalmente na velocidade média de 70 milhas. Também atrapalha muito a visão por não ter limpadores de pára-brisa. Fui obrigado a curvar os meus ombros para dar mais firmeza à moto, que teimava em balançar com as rajadas de ventos, principalmente quando as carretas passavam ao nosso lado levantando aquela fumaça de chuva, fazendo deslocamento de ar e nos obrigando a colocar força nos braços e no corpo para domar as bravas e poderosas Harleys.
Fui obrigado a tirar os meus óculos, que estavam atrapalhando muito a minha visão. Não conseguia ver o companheiro à minha frente, somente as lanternas vermelhas traseiras das motos que estavam acesas. A nossa sorte é que as estradas dos Estados Unidos são iguais a um tapete e não têm curvas. Apesar de todo o temporal, estávamos conduzindo as máquinas a 70 milhas por hora.
A vontade que tive foi de parar, entrar debaixo de um bom chuveiro com água bem quente, deitar numa cama macia e dormir até o pesadelo passar. Essa tempestade transcendeu todas as nossas expectativas de uma simples chuva de verão. Fiquei o tempo todo pensando no que o pessoal estaria sentindo naquele momento. Seria medo? Será que o pessoal estava sentindo o mesmo que eu?
Quando chegamos a Amarillo, fui direto ao nosso companheiro Canal`s, que havia levado quatro garrafas de pinga Vale Verde, e solicitei a ele uma dose da pinga, pois as minhas mãos estavam congelando. Foi aí que pude perceber a alegria das pessoas, que se abraçavam e davam os parabéns uns aos outros dizendo: “conseguimos, conseguimos. Graças a Deus não tivemos nenhum acidente. Foi uma vitória para todos.”
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Perguntei para o Sandoval, que é um dos mais experientes motociclistas ali presentes, o que ele sentiu. – “Medo”, disse. “Se alguém aqui falar que não teve medo está mentindo. Todos estão de parabéns. Todos passaram no teste e podem se considerar grandes motociclistas, pois ninguém decepcionou.” Foi uma prova de fogo (água). O Canal´s disse que rezava e pedia a Deus proteção para todos, e que desse a ele força para continuar a viagem e que, por diversas vezes, teve vontade de parar. Durante todo o período da tempestade, Canal`s cantarolava o hino, tão lindo quanto melodioso e popular, “O meu coração é só de Jesus e a minha alegria é a Santa Cruz. Nada mais desejo e não quero senão que viva, Jesus, em meu coração”.
Ao chegar ao apartamento do hotel, tratei de tirar a roupa molhada e tomei um bom banho bem quente. Quando peguei a bolsa com elástico, que os meus filhos Hugo e Beth me deram, e que usava por debaixo da calça (cueca) para carregar os dólares, percebi que o dinheiro estava todo molhado, dando-me o trabalho de ter que secá-lo no ferro de passar roupa. Ainda bem que dinheiro não encolhe, senão teria reduzido enormemente as minhas economias!
Na primeira oportunidade perguntei ao GPS se a reportagem que ele estava assistindo antes de sairmos de Oklahoma era sobre essa tempestade e ele disse que sim. Então perguntei por que ele não nos avisou. Ele respondeu que não queria preocupar as pessoas, pois as notícias não eram muito boas para nós.
Moral da história: na sua visão, era preferível correr todos os riscos, como de fato corremos, do que esperar que o pior passasse, para que pudéssemos prosseguir na nossa projetada calma e tranqüila viagem. P.Q….. deixa pra lá. Já passou.
Clique na imagem acima para ver uma apresentação com as fotos da viagem
Martinho Oliveira
Belo Horizonte, MG
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