Tudo bem, descubro minha estrada e também que não conheço absolutamente nada sobre ela, o tempo urge e não posso desperdiça-lo, assim é que passo a ler os “folders” e livretos com que a vizinha da Cristiane me presenteou, o “google” ajudando nos intervalos mas a melhor ferramenta continuava sendo o “Ride Planner”.
Coloquei Charlottesville como ponto de partida e Cherokee como destino, automaticamente o software traçou o caminho mais curto, que não me interessava.
Usando a função “drag” (aquela que tem uma mãozinha) arrastei o caminho traçado para cima da Blue Ridge Parkway e a partir daí comecei a fazer meu planejamento. Calculei quanto rodaria no primeiro dia e estabeleci Boone como local a pernoitar. Para isso inseri-o como um ponto entre as duas cidades originais. Com a função de “zoom” eu conseguia ver as interseções com outras estradas com muita clareza e riqueza de detalhes. Para facilitar minha vida comprei um GPS mas como a traquitana iria chegar dois ou três dias depois e eu estava louco para pegar a estrada, comprei um baita mapa, peguei as instruções , abasteci a Angelina, despedi-me de todos e parti ao encontro de meu Shangri-lá, que dessa vez chamava-se “Tail of the Dragon”. Foi muito fácil encontrar a “minha” estrada, a sinalização é clara e lógica.
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A Blue Ridge é uma estrada de pista única, com mão dupla e praticamente sem acostamento, que liga o Shenandoah National Park, na Virginia, ao Smoky Mountains National Park. Ela tem 440 milhas de extensão e termina na cidade de Cherokee (NC) em um território desta nação indígena.
A principal característica da Blue Ridge, além do asfalto perfeito, das curvas de todos os tipos e da paisagem deslumbrante é sua altitude pois ela percorre uma cadeia de montanhas paralela aos montes Apalachians. Seu ponto culminante está a mais de 6.000 pés de altitude e não tem nenhum posto de gasolina. Por isso é necessário calcular o consumo e planejar as paradas que devem ser feitas saindo da Blue Ridge e entrando nas pequenas cidades que existem ao longo da mesma. Para isso, ajuda muito a sinalização da estrada bem como livretos e “folders” distribuídos nos poucos postos administrativos da Parkway. Outro cuidado que deve ser observado é com relação a animais na pista. A quantidade de esquilos, patos e veados atravessando é muito grande, principalmente ao entardecer.
A beleza da estrada, principalmente no outono quando estão mudando as cores da folhagem dando um colorido variado à sua vegetação, além das vistas que se apresentam a medida em que a altitude aumenta, obrigam-nos a parar sempre que aparece um “overlook”, seja para curtir a paisagem, tirar fotos, fazer uma prece agradecendo o milagre da vida ou até mesmo para velhos com a bexiga cheia procurarem o tal de “rest room” e descobrir que não existem. Cada um que dê o seu jeito. O fato é que esses mirantes estão sempre coalhados de motos e, quem sabe influenciados pela beleza da vista, cumprimentos, sorrisos e votos de boa viagem são trocados efusivamente.
Foi num desses mirantes que conheci o Mark e o John, dois gringos do Arkansas que viajavam juntos. Após tirarmos algumas fotos me convidaram para seguir com eles até a próxima saída para a cidade de Boone, onde, além de jantar, pernoitaríamos.
O John saiu na frente, eu em seguida e fechando o “bonde” ia o Mark. O nosso líder imprimia uma velocidade que me obrigou a enroscar mais o punho do que gostaria mas o que fazer ? O grande problema é que seu amigo que fechava o grupo não conseguia nos acompanhar. Tive a ligeira impressão que ele fazia aquilo para se exibir, seja como for resolvi ficar na sua cola e ele passou a reduzir a velocidade para esperar o amigo se juntar a nós. Chegamos a Boone já anoitecendo e fomos direto jantar num restaurante mexicano. Cerveja (Sol) gelada e comida quentíssima (pimenta), o papo foi legal e o John, que é fazendeiro e criador de touros para rodeio, se disse fã dos peões brasileiros, para ele os melhores do mundo. Fiquei pensando, será que esse sacana pensa que sou peão para andar naquela velocidade ? De qualquer forma resolvi prosseguir sozinho no dia seguinte e, após trocarmos e-mails e despedidas, procurei um hotel, tomei um belo banho e dormi o sono dos justos.
No dia seguinte acordo bem cedo com uma baita chuva e um frio que pedia um Jack Daniel´s para firmar o caráter. Como estava em jejum não cometi essa temeridade. Curti um pouco mais a cama antes de fazer o desjejum e aproveitar para comer como um camelo, antes de atravessar o deserto, o faz com a água. Quando termino a lauta refeição a chuva havia parado e alguns rasgos de azul apareciam entre as nuvens. Enxuguei a Angelina com uma toalha do hotel, abasteci-a e novamente Blue Ridge Parkway. Meus amigos é uma estrada de sonho, as paisagens que vão se sucedendo são simplesmente deslumbrantes. A sensação é estarmos pilotando uma Harley dentro de um cartão postal.
Como estávamos subindo, chegando ao ponto culminante da estrada, ao mesmo tempo em que a temperatura caia o vento aumentava e a sensação térmica caia uma barbaridade. Foi quando descobri uma grande asneira que cometi: luvas. Levei luvas bem leves, daquelas furadinhas para verão. As juntas dos dedos doíam, latejavam e eu me xingava no mesmo ritmo: “-Burro !”, “-Burro !”…. O que aliviou e até mesmo me fez esquecer o desconforto foi atingir o ponto mais alto da estrada, mais de 6.000 pés de altitude !
Enquanto aquecia as mãos junto ao bloco do motor da moto, após as fotos tradicionais, escuto um ronco familiar e três Harleys encostam junto à Angelina e seus pilotos se dirigem ao marco geográfico para as fotos. Como o tripé estava montado ofereci-o para que eles o utilizassem já que a máquina deles tinha “self-timer”.
Após as fotos e me perguntarem se eu era russo (!!!!) devido ao meu sotaque, iniciamos um bate-papo e descobrimos que nosso destino era o mesmo. Eles me deram algumas dicas sobre caminhos alternativos que me levariam a chegar à US 129, estrada onde está localizado o “Rabo do Dragão” em Deal’s Gap. Como faltavam umas 60 milhas para chegar ao fim da Blue Ridge resolvemos descer juntos até Cherokee, onde eu pretendia pernoitar e eles abastecer as motos. Dessa vez me deixaram fechando o comboio e, mais uma vez, senti que os caras, ou queriam se exibir ou me deixar para trás mesmo. Meus amigos, foi bonito de se ver mas também uma temeridade ainda que eu jamais tivesse ultrapassado meu limite. O fato é que as curvas se sucediam cada vez mais rápidamente, eu só via o cara na minha frente acendendo a luz de freio no meio da maioria delas e se “embananando” todo (tenho isso filmado), dei um pouco mais de espaço para me desviar dele caso necessário e concentrei-me no bailado com a Angelina. Olhar no ponto de tangência, redução de marcha, contra-esterço, peso na plataforma do interior da curva, olhar no ponto de saída, aumento de aceleração e a danada da Angelina se aprumando elegantemente parecendo me dizer: “-É, não está de todo mal para um velho”. Foi assim o tempo todo até chegarmos a Cherokee. Paramos em um posto logo na entrada da cidade para abastecer e nos despedirmos, foi quando o Rick, que vinha liderando o comboio com sua Springer 97 toda mexida, falou comigo que normalmente eles não andavam àquela velocidade mas é que eles estavam com muita pressa pois ainda iriam para Gatlinburg, a cerca de 50 milhas. Ai foi a minha vez de tirar um sarro, respondi: “-Normalmente eu também não ando a essa velocidade mas como não estou com pressa, não tem problema!”. Hehehehehehehehehe.
Dormi em Cherokee, uma pequena e agradável cidade dentro de um território indígena e no dia seguinte, antes de seguir viagem, passei no posto para abastecer e aquecer-me com um capuccino. O dono do posto, ao ver meu crachá da Equipe Gato Cansado com o brevê de piloto, perguntou-me se eu era militar. Respondi que sim, da reserva da Força Aérea Brasileira (sou apenas um modesto soldado de 1ª. Classe), e acrescentei: “- a única Força Aérea da América Latina que lutou na 2ª. Guerra Mundial”. Pronto, a feição do homem mudou, ele também lutou na 2ª. Guerra. Na hora de pagar ele disse que o capucino era uma cortesia que fazia à nossa gloriosa FAB. Fiquei devendo um capuccino ao 1º. Grupo de Aviação de Caça.
Ao sair do posto tomei a direção de Gatlinburg, no Tenessee, pois as informações sobre a cidade eram as melhores além de me permitir fazer o caminho recomendado pelos gringos que haviam ido para lá na véspera. A estrada para Gatlinburg passa através do Smoky Mountain National Park, ou seja mais uma sucessão de paisagens belíssimas, asfalto perfeito com curvas para todos os gostos, um frio de rachar e o vento que lembrava a Patagônia. Gatlinburg faz juz à fama. No inverno a cidade se transforma numa estação de Sky, mas mesmo no outono o movimento é intenso, principalmente de motos pois a partir dali você pode pegar a “Foothills Parkway” e, mesmo dando uma volta maior, chegar ao “Rabo do Dragão” pelo lado oposto a Deal’s Gap, considerado o seu ponto de partida. Esse era nosso propósito.
Resolvi tirar um dia de folga para conhecer Gatlinburg e fazer algumas compras. Durante toda a viagem mantinha contato via Nextel com o Cyro e a Cristiane, assim é que recebi a notícia que a meteorologia previa neve nas montanhas e uma frente fria se dirigia para a região em que eu estava. Isso mudou meus planos, Foothills Parkway ficaria para outra ocasião, não retornaria pela Blue Ridge e iria para o Dragão o mais rápido possível. Voltei para Cherokee e de lá fui diréto para Robbinsville onde, finalmente, encontrei o Deal’s Gap, a entrada do “Tail of the Dragon”, motivo da minha viagem, ponto de encontro de motociclistas de todas as partes da América e um desafio que, se não encarado com muito respeito, pode ser extremamente desagradável como lembra a árvore decorada com pedaços de motocicleta bem em frente ao que é considerado a “start line” do Tail of the Dragon.
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Hélio Rodrigues Silva
http://heliorsilva.blogspot.com/
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