Planejamento
Começamos a planejar a viagem a algum tempo. Tínhamos algumas milhas para trocar e uns dias de férias. O destino seria definido com a oferta da companhia aérea. Como na nossa ultima viagem para os Estados Unidos, desistimos de fazer o programa de moto em função da meteorologia,
estávamos procurando uma alternativa onde pudéssemos fazer algum passeio. A algum tempo vinha lendo tudo que encontrava sobre “Tail of the Dragon”. É uma trecho da US-129, na divisa do Tennessee com a Carolina do Norte. São 318 curvas em menos de 20 quilômetros. É considerado o paraíso do moto-turismo, com fama mundial. Faltava convencer a carona, já preocupada com o numero excessivo de curvas e sabedora da paixão pela pilotagem esportiva da nossa “Negrona”. Ela continua levando sustos com o barulho das plataformas arrastando nas curvas!
Com o destino da viagem escolhido como sendo New York, o passeio foi se materializando. Escolhemos New York pela distancia de Nashville , ponto de partida para o Deals Gaps e a região conhecida como Smokey Mountain . Confesso que a escolha foi um misto de conveniência/preço/desejo. Desejo de conhecer a capital da Country Music, preço pois o trecho New York/Nashville é muito bem servido pelas companhias americanas, e conveniência, por ficar a menos de 4 horas do nosso destino. Passagens compradas, hotéis reservados, moto alugada. O aluguel da Ultra foi feito na revenda Boswell’s Harley Davidson em Nashville, Tennessee. O roteiro montado com a ajuda do google maps e o Ride Planner da Harley.
1° Dia
Chegado o dia da viagem e, como via de regra, não dormi quase nada na noite anterior. Malas fechadas, ultima revisada no check list da viagem (utilizo o excelente Packing Pro, aplicativo para iPad, que ajuda muito) e vamos para o aeroporto. Porto Alegre/Rio de Janeiro/New York, com direito a 4 horas no aeroporto do Rio.
2° Dia
Chegada em New York tranquila, com passagem pela imigração bem rápida. As piadinhas do cara da imigração foram as de sempre: comentários sobre o Brasil, se a mulher vinha fazer compras, etc. Tinha pesquisado pela internet e resolvemos experimentar o transporte para o hotel via ônibus. Utilizamos o NYCAirporter. Razoavelmente barato (U$ 16,00 por pessoa) levando em conta o numero de pessoas. A parte ruim foi após a chegada na Grand Station. Como eles tem uma central de distribuição deste local para os hotéis, ficamos 50 minutos esperando a nova van, com um frio de 7 graus. Ao menos tinha um solzinho para aquecer. Dali até a Penn Station foi rápido, 7 minutos.
Outro problema solucionado pela internet foi a guarda da bagagem. Explico: estávamos com 2 malas grandes para trazermos algumas coisas para o neto que irá nascer em setembro. Combinamos deixar uma mala em NYC, evitando o transporte até Nashville. Depois do atentado de 11 de setembro, os aeroportos tem grandes restrições para armazenagem de bagagens. Estávamos saindo do aeroporto de Newark para Nashville, e lá não tem guarda malas. Achamos um no centro de New York, a U$ 10,00 por mala/dia. Caro, mas resolvemos nosso problema. Na próxima vez compro um mala por lá.
Malas guardadas, saímos para umas voltas pela cidade. Destino: loja da Harley em Long Island. A loja é pequena, com poucas opções de roupas, mas com preços interessantes se comparada com a loja da Lexington Ave., próximo à 5ª Avenida. Acredito que, por ser no centro, bem localizada, os preços são até 30% mais caros. Essa loja no centro não tem peças, somente roupas e afins.
Final do dia, proa da Penn Station para tomarmos o trem para Newark. Como sairíamos cedo para Nashville, ficamos no hotel Best Western (rede com desconto para membros do HOG) próximo ao aeroporto.
3º Dia
No terceiro dia da viagem, saímos cedo do aeroporto de Newark para Nashville, via Southwest Airlines. Depois de 2 horas de um voo super tranquilo, pousamos no aeroporto de Nashville. Hora de procurar a locadora de carros. Aluguei um carro em Nashville para rodarmos um pouco pela cidade e deslocarmos aeroporto/hotel/aeroporto. O transporte publico não é muito fácil e de taxi gastaríamos mais. O aluguel de carros nos USA é muito barato e vale a pena.
Hora de acharmos a loja da Harley. Como tinha levado o GPS Garmin (350ML) que utilizo no Brasil e já tinha preparado as rotas no Rider Planner, ficou fácil. Não fugindo a regra, nossa atendente na loja da Harley não era a pessoa mais simpática do mundo. Poucas palavras, sem achar muita graça nas piadinhas deste brazuca metido a engraçado. A primeira dificuldade foi na comprovação do tipo de habilitação que temos aqui no Brasil. Ela procurava onde estava escrito que tinha a habilitação para motos grandes. Depois de explicado que aqui não havia distinção, foi aceito. Como padrão, após toda papelada assinada e conferida, hora do test drive para comprovar que sabemos tocar a “maquina”.
Capacete coquinho (incluído no aluguel) a postos e lá vamos para o estacionamento. Alugamos uma Ultra preta, modelo 2011, que tinha 6000 milhas. Explicações de praxe e damos partida na maquina. Um pouco mais pesada que a Negrona, nossa Heritage aqui no Brasil, mas super dócil nas manobras. Já fui ficando entusiasmado com curvas e “oitos” no estacionamento. A Judy, que estava entregando a moto, fez sinal de OK, mas dava vontade de continuar testando ali mesmo a ciclista da Ultra. Deve ter pensado que este velhinho era maluco, não parando de fazer oitos no estacionamento!
Carro e malas no estacionamento da loja, mochila no bagageiro da Ultra, Dª Ingrid já contente com o seu capacete coquinho todo colorido, hora de iniciar o GPS com a proa da US-129. Saímos ao redor de 10h30 local, um pouco mais tarde do que tínhamos planejado com um dia escolhido a dedo, como falamos aqui no Rio Grande do Sul. Céu azul, não muito frio, sem vento. Como a loja ficava bem próximo de uma auto-estrada, ficou fácil a saída. Já nos primeiro quilômetros, ou milhas como indicava o velocímetro, encontramos varias motos e todos, sem exceção, acenavam e cumprimentavam.
Que diferença do Brasil. Aqui, mesmo parando no sinal ao lado de outra moto, algumas vezes até uma Harley, o pessoal parece que nem vê, simplesmente ignorando. Foram varias as vezes em que cruzávamos com outras motos do outro lado das auto-estradas, com grandes canteiros centrais e o pessoal fazia de tudo para cumprimentar, com o tradicional WAVE: V com a mão para baixo ou qualquer outro sinal, mostrando uma grande afinidade naquele que, pelo menos pelo espirito de liberdade que o moto trás, passa a ser seu irmão. Já tivemos isto aqui no Brasil. Fomos perdendo a identidade ou o espirito de fraternidade. Ainda sonho em repartir este espirito com todos os irmãos sobre duas rodas, levando o espirito de liberdade como prioridade e modo de vida.
Copiei de um colega e é o que penso:
I personally wave to anyone and everyone who is on the road on two wheels. Harley, metric, sport bike, dirt bike..I don’t care what they are riding, as long as they are out enjoying the open road on two wheels. Numa tradução livre: Eu cumprimento a todos que estão na estrada em duas rodas. Harleys, speeds, bigtrails… eu não me importo com o que estão pilotando desde que estejam curtindo a liberdade numa estrada em duas rodas.
Fomos pela US-40, uma estrada movimentada, com um visual muito bonito. Paramos para um lanche rápido num pequeno vilarejo, a algumas milhas da estrada. Típica saída de estrada americana: um posto de gasolina, 2 ou 3 lanchonetes próximas, um pequeno mercado. Aproveitamos para colocar as roupas mais quentes, pois estava esfriando. Saímos de Nashville com 15°C e já estava próximo dos 10°C. Tinha comprado uma calça de cordura da Harley e estava na hora do teste. Foi aprovada. Embora um pouco “dura”, protegeu bem do frio que encontramos mais para frente. Continuamos pela US-40 até juntar com a US-75. Depois, US-140 até a US-129. Parada para abastecimento em Maryville, já próximo ao inicio da parte sinuosa da US-129.
As motos passaram a ser mais frequentes, sendo a maioria Harleys. Bem no inicio do Tail of the Dragon paramos numa loja da Harley, (a 129 Harley Dragon http://harleydragon.com). Comprinhas básicas, camisetas, chaveiros e ride bells para os amigos.
Agora, finalmente, começavam as curvas. O Tail of the Dragon é uma parte da US-129 onde ficam concentradas 318 curvas em 11 milhas. Tocamos a Ultra escutando uma radio country da região, ajudando a criar o clima de liberdade e aventura. As motos speeds passavam no dois sentidos, não respeitando os limites de velocidade. Não encontramos nenhum carro da policia, mas soube por leituras durante o preparativo do roteiro que ela é bem controlada, assim, não resolvemos arriscar. Eventualmente, umas esticadinhas foram permitidas, pois ninguém é de ferro, principalmente com esta qualidade de estrada e este visual. Poderia ficar escrevendo sobre o prazer de pilotar uma moto nestas condições de estrada, visual, clima, enfim, todo um conjunto de sentimentos que levam o motociclista ao nirvana, mas acho que seria repetitivo e entediante. Um detalhe interessante são os fotógrafos profissionais que ficam em algumas curvas tirando fotos do pessoal passando. No dia seguinte é só procurar no site e escolher as melhores fotos. Muito profissional e a qualidade das fotos são excelentes. Quem sabe teremos algo assim na nossa Serra do Rio do Rastro em Santa Catarina ou em Apiai, SP, no Rastro da Serpente? Nosso mototurismo está crescendo e seria bom um empresario com visão proporcionar algo parecido.
Chegamos ao Deals Gap ao redor de 16 horas. Esticada na perna, fotos, souvenirs e decisão de continuar ou pernoitar. A proposta inicial seria fazer o programa básico, pernoitando no “point” onde todos param para lanchar, esticar a perna, confraternizar. Como estava cedo, decidimos continuar, prosseguindo em direção a Telico Plain.
Fomos por uma estrada muito legal, a Cherohalla Skyway com varias curvas e sem movimento algum. O interessante é que começamos em Robinsville, com uma altitude de 2044 pés (623 metros) e chegamos ao topo com 5390 pés, (1642 metros), diminuído muito a sensação térmica. Chegamos a 2°C negativos. Durante todo o trajeto de 69 quilômetros cruzamos com poucas motos e carros. Encontramos três carros que estavam fazendo o circuito inverso pois já havíamos cruzado com eles no Tail of the Dragon. Era um Porsche, um Mitsubishi e um terceiro que não identifiquei. Todos com Gopro’s instaladas para filmagem do trajeto. A propósito, também levei uma Gopro Hero 3 Black, e uma Canon G15 para as fotos. A Dª Ingrid fez bonito com as filmagens e fotos.
Havia pesquisado rapidamente sobre Telico Plain e ficou a ideia de que seria algo bem turístico, com varias pousadas, restaurantes, bares. Engano total. Chegamos na cidade as 19 horas, e não encontramos ninguém nas ruas. Nem para pedir informação. Acionado o GPS, opção hotel próximo. Tinha um Red Roof a 30 quilômetros, em Etowah. Chegamos escurecendo, muito cansados.
Banho e restaurante indicado pelo Richard, atendente da recepção do hotel muito simpático. Quando falamos que éramos do Brasil, o assunto passou a ser futebol. Depois de uma costelinha de porco com molho barbecue, milho, batata e um cheese cake de sobremesa, estávamos prontos para uma noite de sonhos.
4° Dia
No quarto dia de viagem, acordamos cedo. Café da manhã no hotel, com direito ao waffel que a Dª Ingrid adora. Fazia frio neste dia. Preparamos as bagagens na Ultra e a temperatura estava 1°C positivo. Com um sol já alto, iniciamos o retorno para Nashville. Estávamos indo na direção de Lynchburg, cidade onde é a fabrica do famoso Jack Daniels, via US45 e depois de Cleveland a US24. Estradas lindas, com bastante movimento, principalmente próximo as grandes cidades. Parada para abastecimento em mais uma saída padrão americano. Em um posto de gasolina, abastecemos a Ultra e os viajantes. Mesmo com muito frio, a necessidade de nos hidratarmos é grande. Sempre sinto muita sede pilotando.
Passamos pela entrada de Cleveland encontrando um trafego pesado. Muito caminhões mantendo uma velocidade bem acima do limite permitido deixavam o piloto meio preocupado em manter a restrição e ser ultrapassado pelos grandes “trucks” ou manter a velocidade e arriscar ser parado pelos “rangers” da Carolina do Norte. Seguimos de perto os “trucks”! Passagem por Chattannoga e promessa de retornarmos com calma em outra oportunidade. Livramos a US-24 pela saída 117 e encontramos trafego local. Tullahoma é uma pequena cidade, com casas muito bonitas, sem muro, com o jardim terminado na estrada. Que saudades do Brasil com suas casas entrincheiradas entre muros altos com cerca elétrica e arames farpados (NOT!!!).
Continuamos até Lynchburg, cidade onde fica localizada a destilaria do nosso conhecido Jack Daniel’s. Visitamos a fabrica mas ficamos decepcionados por não haver a famosa loja de souvenirs após as atrações como sempre encontramos nos USA. Pretendíamos levar alguma coisa para os amigos, mas nem um chaveiro, camiseta, nada a venda.
Saímos de Lynchburg com o GPS apontado para Nashville. Estávamos preocupados com o horário. A loja onde alugamos a Ultra fechava as 17 horas e queríamos aproveitar para comprar algumas camisetas, casacos e mais alguns presentes. O preço era melhor que o da loja de Downtown em New York. Resolvemos tocar sem almoço.
O GPS desta vez nos pregou uma peça, levando pelo traçado mais perto, porém, com muitos sinais e trafego pesado local. Depois de pegarmos a auto-estrada, outra preocupação: nuvens escuras na nossa proa. Não fico muito preocupado em encarar uma chuva, mas estávamos sem nossas capas pois quanto alugamos a moto pela internet, constava a inclusão de capacetes e capas. Na preocupação em sair logo no primeiro dia, esqueci de pedir as capas. Porém São Pedro deu uma força. Chuva bem leve na chegada, a uns 10 minutos da loja. Parada para abastecer e estávamos de volta a Boswell’s Harley Davidson Dealer. Devolução da moto muito rápida e já liberados para as compras.
Mesmo ficando por pouco tempo com a Ultra, já estamos com saudades e planejando a próxima. Combinamos que será mais demorada, para curtirmos mais a paisagem, mais paradas para fotos, filmagens e sem tanta correria. Dentro da loja tem um restaurante bem legal onde almoçamos. Comida boa e barata, com a companhia de outros harlistas. Terminadas as compras, termina também nosso passeio motociclistico.
Quem estiver interessado em mais detalhes sobre o resto da viagem, será um prazer a companhia em www.olharsobre2rodas.com
*Gerson Treteski é piloto de aeronaves, aventureiro sobre duas rodas nas horas vagas e autor do blog Olhar sobre 2 rodas
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