2012 foi um ano de preparação. Desde o seu início, coloquei na cabeça que iria fazer uma longa viagem com minha Harley-Davidson Electra Glide Classic, ano 2005, apelidada por alguns amigos de “A Encantada”. Analisei vários roteiros e destinos, cheguei mesmo a cogitar o Ushuaia, ‘La Tierra del fin del mundo’, na Patagônia Argentina, mas como nem sempre o que queremos é o que podemos fazer, essa vai ficar pra outra oportunidade. No final, defini o destino: Chile, passando pelo Chaco Argentino, San Pedro de Atacama, chegando até Antofogasta, fotografar ‘La Mano del Desierto’ e retornar, o que levaria uns 17 ou 18 dias.
Passei da fase de sonho para a execução do projeto: documentação, alguns acessórios e roupas apropriadas, marcar as férias, levar a moto pra revisão e pronto! Agora era só esperar pela partida, a princípio marcada para a primeira quinzena de janeiro de 2013. Meu irmão iria me acompanhar, mas dois meses antes desistiu do passeio por compromissos pessoais. Não desisti da viagem, somente remarcando para a segunda quinzena de janeiro de 2013. Passei a procurar algum companheiro que quisesse me acompanhar e, mesmo sozinho, havia decidido seguir viagem. Mas pressões internas – leia-se ‘familiares’ – me fizeram arquivar temporariamente o projeto, decisão que, hoje, vejo que foi a mais acertada.
Entretanto, como já havia revisado a moto e estava com um bom período de férias ociosas, pensei: porque não aproveitar a oportunidade e fazer uma viagem, ainda que mais curta, dentro do país mesmo? Daí surgiu a ideia de fazer um passeio que a muito já estava em meus planos futuros: Serra do Rio do Rastro, na Serra Catarinense. Seria uma viagem de não mais do que uma semana e daria tranquilamente para fazer sozinho, caso não achasse companheiros de viagem.
Defini o roteiro inicial indo até Curitiba, PR, descendo até Balneário Camboriú, SC, chegando até Tubarão, SC e entrando por Lauro Muller, SC na Serra Catarinense, fazendo a Serra do Rio do Rastro e voltando pelo interior por Blumenau, SC, passando por Serra Negra, SP para participar do 1º Encontro Café com Leite, organizado pelos PHD’s (Proprietários de Harley Davidson) de São Paulo e Minas Gerais, que aconteceria no último final de semana de janeiro.
Malas prontas pra viagem, moto preparada, ansiedade só aumentando, quando surgiram dois companheiros, Odilon e Leandro, que resolveram me acompanhar na empreitada, porém precisariam retornar alguns dias antes, o que fez com que adaptasse meu roteiro, permanecendo mais tempo na estrada e ‘abortando’ alguns passeios turísticos para poder com eles retornar.
Saímos de Campanha, MG numa ensolarada manhã de sábado, 19 de janeiro, seguindo direto até São José dos Pinhais, PR, ao lado de Curitiba, PR, numa ‘perna’ de 750 km. No dia seguinte seguimos até a cidade de Imbituba, SC, cerca de 90 km abaixo de Florianópolis, SC, onde se localiza a sede operacional do Centro Nacional de Conservação da Baleia Franca, na Praia de Itapirubá Norte, frente para uma das enseadas com maior frequência de avistagens de Baleia Franca do Brasil, cuja temporada vai de julho a novembro.
No dia seguinte, uma segunda feira, acordamos ansiosos com a expectativa de pegar tempo bom para subir a Serra do Rio do Rastro. Descemos até Tubarão, SC e entramos para a região serrana, passando por São Ludgero, Orleans, Lauro Müller, Guatá e subindo até Bom Jardim da Serra, SC, onde se localiza o mirante da Serra.
A Serra do Rio do Rastro é um trecho da rodovia SC-438, que serve de ligação entre o litoral e a serra catarinense. Construída no início do século passado, foi pavimentada nos anos 80 e recebeu iluminação num trecho de 12 km até o seu mirante, que fica a 1.640 metros de altitude. A energia utilizada na iluminação da Serra vem de uma usina eólica em Bom Jardim da Serra, SC, que fica a 11 km do Mirante. Em 2012 ela foi eleita pela imprensa especializada europeia a estrada mais surpreendente do mundo, superando várias outras como a Estrada da Morte na Bolívia, Stelvio Pass na Itália e a temida James Dalton Highway no Alaska.
De fato, pudemos constatar sua beleza e singularidade: iniciamos a subida de suas mais de 250 curvas com tempo bom, mas lá de baixo já avistávamos uma densa cerração no alto da Serra. De fato, do meio do caminho em diante pegamos muita neblina, chegando a andar com os piscas-alerta das motos ligados por segurança. Na medida que subíamos, a temperatura ia caindo rapidamente, passando dos quase 36°C do litoral a cerca de 17°C no mirante. As curvas eram feitas em primeira ou segunda marchas e o trânsito de caminhões e carros, aliado à umidade que descia das pedras, demandavam um cuidado extra.
Chegamos ao mirante, por volta das 13 horas, havia muita cerração, que nos dava uma visão de não mais de dois ou três metros à frente. Paramos as motos e fomos tomar um café numa lanchonete existente no local, um tanto quanto desapontados com o tempo que impedia a visão da Serra. Porém, mais uma demonstração da singularidade do local nos esperava: a grande rapidez com que o tempo muda! Como num passe de mágica, abriu-se uma ‘janela’ nas nuvens, deixando o sol brilhar, não mais do que uns 15 minutos, tempo suficiente para tirarmos várias fotos e nos deliciarmos com aquela vista deslumbrante.
Tempo novamente fechado e cumprida a missão, iniciamos o retorno, passando por Bom Jardim da Serra e Urubici, SC, ainda na serra catarinense, deixando pra trás algumas atrações turísticas que vão ficar para outra oportunidade, como o Morro da Igreja em Urubici e as vinícolas em São Joaquim, SC.
Seguimos até Itapema, SC, já de volta ao litoral, onde dormimos numa pousada no alto do mirante da cidade, de onde se tem uma visão deslumbrante de toda a orla.
No dia seguinte, hora de encarar a BR-101 debaixo de chuva até Curitiba, PR e pegar novamente a BR-116 (Régis Bittencourt). Paramos em Registro, SP para abastecer, um rápido almoço e decidimos subir direto pela Régis até o Rodoanel, já em São Paulo, passando pela complicadíssima Serra do Cafezal. No sábado anterior havíamos descido a Serra sem maiores problemas e imaginamos que não os teríamos também na subida: doce ilusão! Pegamos o trecho de 26 km não duplicado da Serra do Cafezal com trânsito praticamente parado e uma temperatura de cerca de 36°C no termômetro, mas seguramente com uma sensação térmica de uns 50°C. Em determinado momento, parado com minha Electra entre vários caminhões, num calor infernal, cheguei a temer que a máquina não aguentasse o tranco. Restava somente confiar no equipamento e ter paciência e sangue frio. Não dava nem para utilizar o corredor entre os carros e caminhões, já que a estrada é estreita, em muitos lugares sem acostamento, além do próprio porte da moto. Levamos umas duas horas para vencer os 26 km da serra. De fato, o equipamento não decepcionou, minha Electra venceu o desafio com louvor e deslanchamos do alto da serra, já em direção à cidade de Itatiba, SP, onde pernoitamos para o último dia da viagem.
Era uma quarta-feira e já estávamos há cerca de 300 km de casa, depois de mais de 2.000 km percorridos. Resolvemos dar uma volta por Serra Negra, SP para um dos companheiros, Odilon, conhecer a cidade, onde eu voltaria na sexta seguinte para participar do encontro dos PHD’s (Proprietários de Harley Davidson) de SP e MG, originalmente chamado de 1º Encontro PHD Café com Leite.
Foram exatos 2.577 km de uma viagem inesquecível que me proporcionou, junto com minha HD, conhecer lugares deslumbrantes e, principalmente, vencer a famosa e temida Serra do Rio do Rastro, objetivo que deve ser almejado por todo motociclista estradeiro. Fica aí a dica!
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