Viagem programada e os dias de folga também. Fui buscar conhecer de moto um estado diferente. Os locais planejados estavam traçados apenas no mapa, sem reservas ou agendamentos, pois as agências de turismo foram deficitárias em informações. Fui de mochileiro, ou melhor, de Mochilão.
Saí em uma sexta-feira cedo de São Paulo, com a intenção de dormir pelo caminho até Goias. Segui pela Rodovia dos Bandeirantes, depois a Washington Luis e cheguei ao Mato Grosso do Sul pela Rodovia Euclides da Cunha, passando pela maior ponte rodoferroviária do mundo, com 3.700 metros, ligando Rubinéia em São Paulo a Aparecida do Taboado no Mato Grosso do Sul. Ponte muito ampla e majestosa sobre o rio Paraná.
A partir daí estava no MS e, como já sabia, o trânsito de caminhões transportadores de grãos, aliado às estradas simples atrasaram a viagem. Atravessar Aparecida do Taboado, por exemplo, foi o momento mais maçante de toda esta a viagem. A rodovia cruza uma avenida da cidade, que possui muitas valetas e o trânsito local mal resolvido, foi o maior atraso.
Quando cheguei, estava passando uma carreata de um lançamento imobiliário da região, vejam só ! Incrível revés. A partir daquela cidade eu fiquei sabendo que não chegaria ao destino final, então, optei como destino transitório a cidade Lagoa Santa em GO. Uma cidade com algumas pousadas e um hotel conhecido por abrigar uma nascente de águas vulcânicas termais com temperatura acima dos 30º C. Muito convidativo, após pilotar 800 km. Chegando à cidade muito pequena, vi o rio Aporé ao cruzar uma ponte. Havia pouca gente da rua para me orientar e em um posto de gasolina, para minha alegria, o visual de cidade fluvial com pousadas e casas de aluguel.
Segui para o Hotel Thermas Lagoa Santa, pois já pretendia pernoitar por lá. Fui bem recebido e, oferecida a diária com pensão completa, por lá fiquei. A Lagoa fica na reserva deste hotel, no meio de uma pequena reserva natural de mata. Quem se hospeda na cidade pode ir a pé e pagar uma entrada para passar o dia na lagoa. A grande vantagem, além da infra estrutura do hotel, é o banho noturno na lagoa para os hóspedes. Uma sensação intensa e nova é entrar nas águas quentes à noite, com pouca luminosidade artificial, mas ainda assim, verificar águas transparentes junto a toda a vegetação e animais noturnos. Pude contemplar vagalumes pela mata ao redor, alguns morcegos voando baixo, próximos à água, peixes e as bolhas emergindo do fundo da lagoa.Tudo isso junto aos sons da natureza, misturando insetos e mamíferos, paz e tranquilidade. A lagoa é rasa, tem cerca de um metro nos locais mais fundos e possui rochas espalhadas.
Existe uma passarela enorme que liga o hotel até o centro da lagoa, que está em uma área de abundante vegetação preservada. É possível ver capivaras e corujas de noite e de dia, uma variedade de pássaros permanecem no local até que os visitantes, em maior número, adentrem à lagoa. Ela é considerada como medicinal pelas suas águas quentes e sulfurosas desde o seu descobrimento, ao redor de 1890.
No dia seguinte, segui viagem pelo MS, pois fui informado que o trecho de Goiás estava ruim. Na divisa de estado, voltei e segui até Cassilânda, MS, local de maior estrutura, como os caixas eletrônicos. Segui até Costa Rica no MS, pois procurava o turismo daquela região. Em Costa Rica não foi difícil achar um hotel. Fiquei em um hotel de viajante, econômico e eficiente. Quando digo eficiente está a tríade limpeza, wi-fi e garagem. Sempre procuro por internet, pois ajuda muito as consultas sobre os passeios e a comunicação fica mais fácil, sem depender tanto de ligações telefônicas. A cidade possui uma avenida principal cheia de locais de alimentação. Uma grande propaganda turística, mas não encontrei pessoas que me dessem informações maiores sobre os pontos turísticos.
No dia seguinte cedo, me dirigi ao parque municipal do Rio Sucuriú. O único local onde encontrei guias para me orientar sobre as atrações da região. Povo muito simpático mas o local que eu procurava (Água Santa) estava fechado para reforma. Então, conheci o parque com suas cachoeiras. Fui seguido por um tucano filhote na trilha e recebi as orientações para ir ao Parque das Emas que fica no lado Goiano.
Voltei para as estradas que estavam vazias. A paisagem era verde e rasteira, asfalto bom, mas poucos postos de gasolina. Voltando para GO entre ferrovias e pastagens abertas, vi muitas Emas que povoavam a região da divisa de estado como gado de fazenda, mas nas plantações de grãos. Ficam livres e em bandos. Saí para o Parque das Emas ao lado de Chapadão do céu em GO. O último posto em estrada de asfalto me deu a última dica. Segui 25 km de terra batida beirando o Parque. Naquela estrada, fui seguido e segui araras canindé, papagaios e periquitos, vi tatu, seriema e também a ema. Como minha moto custom não é a mais apropriada para estrada de terra, fui devagar e o ronco do motor anunciava minha chegada. Acho que os bichos estranharam. Uma Harley por aqui ! No Parque, o residente que cuida da entrada do parque havia saído e deixou fechada a entrada. Não segui a pé e como a viagem tem itinerário, voltei pela mesma estrada, um pouco frustrado, mas tirei muitas fotos pelo caminho das araras e até da moto naquele que não seria seu maior desafio.
O destino agora era Serranópolis, GO. A estrada no mapa dizia seguir em frente e lá fui. Foram 20 km de asfalto novinho que, sem aviso algum, se encerra e aparece uma obra de construção de estradas. Ali perguntei e agora ? Os trabalhadores me informaram que havia mais 30 km de terra, então achei que seria fácil ao invés de voltar e dar a volta pelo outro estado e segui em frente. Realmente, no início foi fácil. Acho que nos primeiros 30 km pela obra estar próxima, a areia era molhada em chão batido e havia muito fluxo de automóveis. Pouca areia. Porém, a estrada se fez longa e o areião piorou muito. Me sentia na areia da praia e os 30 km viraram 80 km de terra. Que dureza ! Minha aflição era acabar a gasolina e escurecer de vez. pois a viagem passou dos 120 km/h para 20 km/h. Que sufoco ! Quando quase anoitecia e meu tanque findava de gasolina, pude avistar de longe o asfalto. Assim como achar diamante na serra pelada, pois de amarelo eu não queria mais nem ouro. Eu deveria seguir para a Pousada das Araras, que fica perto de Serranópolis em GO, mas pelo combustível escasso, parei de noitinha em Serranópolis. Lá no posto, conheci o dono de uma BMW 650 novinha, o Joel da farmácia da cidade, que também abastecia sua moto. Conversamos rapidamente sobre motos e ele me acompanhou no meu jantar no espetinho da cidade. O Joel me orientou sobre alguns fatos da cidade e de locais turísticos que eu ainda ia visitar. Lógico que falamos muito de motos. Comida por lá era barata, comparando com São Paulo. Dormi em uma hotel da cidade muito bom e barato, mas que só aceita pagamento em dinheiro. Aliás, o posto da cidade também. Cartão e cheque, nem pensar.
Na manhã do outro dia, segui para a pousada das araras. Eu teria que pilotar a minha Sportster em 16 km de terra ainda. E assim foi. Este chão de terra foi o mais intenso. De carro para aqueles lados é fácil, mas de moto tem que ser uma bigtrail. Mas eu fui ! Segui devagar e cheguei na pousada, onde não pega celular, não tem internet, mas tem telefone. A pousada é muito linda. Na sede, tudo caprichado, com o visual dos bangalôs de uma cidade rica. A quantidade de pássaros e animais é grande. Local de cerrado, com mata preservada. Me hospedei em um quarto bem decorado. A pousada oferece pensão completa, e que refeições eu fiz ! Pai, mãe e filho gerenciam e moram no hotel. Comi muito bem pela fartura e pelo sabor do fogão à lenha. Após me alojar, segui para as trilhas que devem ser feitas com guia. O que é verdade em virtude da densidade da mata.
A primeira trilha que fiz foi até o sítio arqueológico de pinturas rupestres nas pedras até chegar a um pico mais alto visualizando a região de matas. Datados de até 11 mil anos pelo método do “carbono 14” as pinturas estão abrigadas em um sítio arqueológico considerado rico pela extensão do abrigo das rochas com direito a caverna e montanha. Fiquei impressionado com a diversidade dos desenhos, pois expressam diferentes formas, provavelmente de diferentes grupos dos habitantes antigos daquela região. Alguns desenhos foram esculpidos nas pedras que vão de tribais até as araras que permanecem fazendo ninhos nas encostas daquelas montanhas de pedra. Só vendo! A beleza está na diversidade e na quantidade. Um verdadeiro blog Paleolítico. No caminho, passamos entre as rochas separadas, formando quase uma caverna ao ar livre. Ali, o lar de uma coruja branca me foi apresentado. Ela só me recebeu mostrando o rosto lá de cima, afinal ainda era dia.
Conheci também em outra trilha a nascente do olho d’agua local de piscina natural, com água transparente e peixes tímidos. Rodeado pela encosta e muita vegetação foi um bálsamo de natureza. Dentro d’agua, sozinho naquela piscina natural, me senti em outro planeta, muito familiar ao que eu conhecia.
No fim da tarde, seguimos para outra trilha para chegar ao topo do paredão das araras no pôr do sol. Chegamos passando entre fendas de rochas e muito mato. Assisti ao Pôr do sol lá do topo e voltei de noite por uma trilha com cordas pela mata. A vista de cima do paredão é como voar de helicóptero, parado por cima de tudo, no topo do mundo. Longe de tudo e com barulho de araras, o horizonte e o céu que estavam esplendorosos naquele dia. Uma experiência fascinante foi pular as fendas na rocha, lá de cima, cheias de morcego que tilintavam, demostrando centenas deles pelo barulho aguardando na escuridão o fim do sol. Ao mesmo tempo, as araras sobrevoavam o topo do paredão, sombreando o pôr do sol rápido e belo.
Cheguei na pousada de noite sob um mar de estrelas. De manhã, me concentrei em um banho na nascente para encarar outra vez o areião de moto. Saí muito preocupado, pois teria que voltar pela subida de cascalho e depois o areião. Parabéns para minha moto. Eu não aguentava mais o areião. Em um determinado momento, foi como dirigir moto na praia sem ver o mar.
Cheguei ao asfalto e segui até Aporé. Curiosamente, minha gasolina acabou chegando na cidade, na banguela até o posto. Hilário, mas preocupante. O consumo da minha sportster havia aumentado muito nesta viagem, pela qualidade da gasolina talvez, então optei por não passar em Campo Grande, capital do MS e segui voltando para São Paulo. Minha autonomia era pouca. Depois de Aporé, segui para pernoitar em São Jose do Rio Preto SP em outro hotel com águas quentes naturais. No Onsen Thermas do Rio Preto. Cheguei de noite e não foi difícil localizar o hotel fora da cidade, na Rodovia Transbraziliana.
À noite fiquei no ofurô em céu estrelado e, de manhã, piscina com hidromassagem. Também, depois de tanto areião, eu merecia.
As estradas de São Paulo são, sem dúvida, mais fáceis de dirigir à noite, mas eu sempre evito o horário noturno. Nas estradas no MS, percebi diversos animais mortos por atropelamento, um perigo para motociclistas que gostam de correr em estradas desertas.
Nesta viagem, percebi o erro do GPS e do mapa que indicavam uma estrada que na minha opinião não existe ainda. Foi meu pior trecho. Mas, ainda assim, pretendo voltar um dia e visitar outros locais da região que estão ou pouco explorados ou bem dizer muito conservados. Um outro mundo que nas grandes cidades só conhecemos pela televisão. Viagens como esta de moto são marcantes e nos aprazem com o sentimento de ser um pedaço da paisagem.
Marcelo Migliano é autor do blog e do Canal do Youtube Miglitube.
Fonte: Miglitube
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