Do sul de Minas para a Chapada dos Veadeiros e Pirenópolis

Nesta viagem, eu percorri exatos 2862 km com a minha companheira fiel, uma Honda Shadow 750. Saí de Nepomuceno no Sul de Minas Gerais no dia 24 de Junho, passei por Perdões, Campo Belo e segui pela BR 354 até a BR 040 em Paracatú. Em seguida fui para Alto Paraíso de Goiás, porta de entrada do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Depois segui para a cidade histórica de Pirenópolis, onde fica o Museu Rodas do Tempo.

Alguns acreditam que a nossa vida é uma viagem e que seríamos todos estrangeiros de passagem por esse mundo. Se isso for verdade, como creio, a experiência de viajar de moto é uma forma de viver outras vidas. Passear sobre duas rodas já contribui para isso: a moto nos leva para outro universo, no qual você é parte da estrada e do ambiente, a interação é total, o cara que existia, antes de subir na moto desaparece e quem pilota sabe disso. Depois de um certo tempo rodando, quando as dores já foram anestesiadas, as cãibras sumiram, só resta a sensação de liberdade. Descrever essas sensações é difícil, não há palavras suficientes.

Nesse trecho da viagem a interação foi além do que já havia experimentado. Eu estava a mais de 100km/h, quando inesperadamente um falcão saiu voando do mato em minha direção, não tive tempo de reagir, só senti o animal batendo no meu peito com toda a força. Foi uma bela pancada. Segurei firme a moto e, recobrado do susto, alguns metros à frente, passou na minha mente a possibilidade, improvável: o animal ainda poderia estar vivo. Acreditando no impossível, fui para o acostamento fazer o retorno, quando vi dois caminhões passando, ou seja, certamente quando chegasse no lugar do acidente veria apenas uma carcaça prensada na chapa do asfalto, perda de tempo, mas para a minha surpresa, o falcão estava vivo! Lá estava ele entre as duas pistas, ainda tonto do golpe. Desci da moto no mesmo instante, corri para a pista e o peguei rapidamente.

Viagem de moto até a Chapada dos Veadeiros

Este foi um dos momentos bacanas da viagem, poder salvar aquela ave selvagem e tê-la nas mãos (que só saíram inteiras graças às luvas de couro que resistiram às vigorosas bicadas do bicho). Alguns minutos depois o falcão recobrou as forças e tive o prazer de vê-lo voar, uma das primeiras emoções da viagem. Saí desse incidente feliz por ter visto o falcão inteiro.

Como o falcão, segui o meu caminho. Depois de 900 km, já no Estado de Goiás, restando aproximadamente 130 km para o meu destino, a Chapada dos Veadeiros, o sol, meu companheiro de viagem, resolveu me abandonar.

Com a fome batendo, parei em um posto na beirada da BR 010. Depois de um café com leite e alguns salgadinhos, a moto começou a exercer o seu poder atrativo, um inexplicável fascínio fazedor de amizades. Um fazendeiro da região que estava ali, resolveu puxar papo, queria saber de onde vinha, para onde estava indo, etc. e acabei descobrindo que ele é mineiro. Durante a prosa (ferramenta muito mais eficaz que qualquer GPS), fiquei sabendo que a rodovia, logo à frente, estava em obras, o que era asfalto virou uma mistura de terra e brita solta, ou seja, um pesadelo para quem está pilotando uma moto custom de quase 300 quilos. Ele ainda me disse que até carros pequenos estavam encontrando dificuldades, ou seja, impensável seguir nessas condições durante a noite. Para a minha sorte havia um Motel ao lado do posto, com o sugestivo nome de Oásis e, claro, a opção foi um quarto com hidromassagem, onde fiquei de molho por quase duas horas, depois foi só apagar, não tive forças nem para ter pesadelos com a estrada que me aguardava (pelo menos não dormi na banheira).

Segui viagem e descobri, para a minha felicidade, que a imaginação é muito mais poderosa que a realidade. O capeta que havia desenhado não era tão feio assim, afinal, venci os dez quilômetros e cheguei a Alto Paraíso de Goiás, cidade que fica na região da Chapada dos Veadeiros.

Viagem de moto até a Chapada dos Veadeiros

Depois de um banho ainda fiz uma caminhada de 6 km até uma cachoeira próxima, de águas transparentes, onde fiz o primeiro descarrego das tensões naturais da viagem. Começou ali o meu passeio pela belíssima Chapada dos Veadeiros, região merecidamente incluída na lista do Patrimônio Mundial pela Unesco.

No dia seguinte, por volta das 7 horas, depois de um rápido café da manhã na acolhedora pousada Casa Rosa, onde tive o privilégio de ter um salão de eventos para guardar a minha companheira de estrada, saí para conhecer as belezas da região. No itinerário o Vale da Lua e a cachoeira de Almácegas, com 45 metros de queda. A natureza realmente não poupou esforços para embelezar o lugar. As formações rochosas são incríveis e o vale da lua, como o nome já evoca, parece te transportar para fora do planeta, um lugar bacana para se tentar deixar a mente vazia.

Com o crepúsculo a caminho, precisando repor as forças, fui até o Zu’s Bistrô, que, além dos pratos, tem na sua proprietária a atração principal. A Vera que, além de tudo, é motociclista (ganhou uma moto do próprio filho, talvez a única mãe a receber um presente desses). É uma simpatia. Atende a todos os clientes com altíssimo astral, além de elaborar pratos deliciosos. É um lugar para quem está fora de casa se sentir em casa.

No dia seguinte, a mesma “rotina”, caminhada por trilhas e desta vez a queda conhecida foi a dos Couros, para mim, a mais bonita das que pude ver.

Viagem de moto até a Chapada dos Veadeiros

No dia 28 de Junho fui para a região de Araçu, onde me hospedei na fazenda de uma tia da minha esposa. Peguei uma estrada de quase dois quilômetros de terra. Pouco? Não para quem está de custom, muito cascalho solto, moto pesada e patinando, enfim, um belo sufoco. E eu que acreditava que já tinha encerrado minha aventuras off road. Nesta estadia, tive a oportunidade de ver algo praticamente extinto em Minas Gerais, uma comitiva de tropeiros, com carros de bois, seguindo uma romaria. À noite esse pessoal fez uma festa, claro, com muita cerveja e carne para agradecer aos donos da fazenda pela estadia, uma boa oportunidade para recuperar as energias e deixar de lado a tensão que a estradinha de terra me proporcionou.

Dia amanhecendo, parti para Brasília e depois para a cidade de Pirenópolis/GO.

No caminho, encontrei com um amigo do nosso grupo do Facebook, PHS, proprietários de Honda Shadow, Heitor Leandro, que pilotava uma raridade, uma Suzuki Intruder 1400. No caminho da cidade fomos parados em uma blitz da lei seca. Só por curiosidade, perguntei como andava a fiscalização. Boca santa. o escolhido para passar pelo “teste” foi o meu amigo, que com louvor foi “aprovado”. Enquanto o resultado não saía, aproveitei para tomar uma água. Quando já estava na estrada, percebi que havia deixado meus óculos de grau em cima de um dos alforges. Moral da história, não os encontrei, caíram no asfalto. Sorte que tinha um “backup” e deu tudo certo, ao que parece o policial escolheu o cara errado para o teste… kkkkkk

Pirenópolis é uma cidade que lembra muito Tiradentes. Tentamos chegar a tempo de pegar o Museu Rodas do Tempo aberto, mas quando chegamos já estava fechado. O teste do bafômetro e o incidente com os meus óculos nos atrasaram. Um dos maiores museus da América Latina dedicado a veículos de duas rodas. Paciência!

Depois de comer uma pizza muito bacana no Bar do Alemão e tomar uma cerveja gelada (a moto já estava guardada, o teste do bafômetro mexeu comigo), fui acomodar o esqueleto na excelente pousada Walkeriana (bom custo benefício). Meu plano era sair às 5 horas. Às 4h30min da matina estava de pé, moto arrumada (o que dá um certo trabalho, carregar alforjes, etc.), já todo paramentado, fui dar a partida na moto, que estava bem frio, ela pegou, mas não sustentou a aceleração e morreu. Tentei o afogador, mas depois de um breve sinal de vida ela parou novamente. Sem sinal depois de várias tentativas. Frustrado, a solução foi descarregar a moto, tirar toda a roupa e voltar para a cama.

Depois de amanhecer, animado e na crença de que talvez a moto tivesse apenas afogado, peguei a chave e com confiança dei a partida e… nada. Adeus confiança. Já começava a pensar nas possibilidades mecânicas e elétricas. Retirei as velas, mas todas estavam ok. Havia carga, então o problema era no combustível, que não estava chegando por alguma razão ao carburador.

Um funcionário da Pousada, vendo o meu sufoco, pediu licença para chamar um mecânico, Jurandir Miranda, que cuidava, adivinhem? das motos do museu! Ou seja, minha moto não poderia estar em melhores mãos. Quando ele chegou, desmontamos o tanque e o problema era no diafragma da torneira de combustível. Por uma razão qualquer (talvez não tenha se dado bem com alguma bebida goiana, kkkk) tinha travado. Tudo resolvido! Como já passavam das 10 da manhã, depois de um belíssimo café da manhã (que teria perdido se meus planos de madrugar tivessem dado certo), aproveitei para conhecer o museu.

Cara! a “ressaca” da minha moto não podia ter sido mais providencial, seria um pecado sair dali sem conhecer o lugar. O acervo é fantástico! imperdível para quem ama duas rodas! Dificilmente em algum lugar do Brasil você verá tantas jóias em um só lugar! De quebra, ainda tive a oportunidade de conhecer, graças ao amigo Jurandir, a oficina onde eles ressuscitam as motos. Um trabalho fantástico, que inclui muitas vezes a produção do zero de peças para restauro. Depois dessa, não faço mais esse tipo de insanidade de acordar de madrugada para pegar a estrada, minha moto gosta de dormir até mais tarde, aprendi a respeitar suas vontades.

Depois de um belo almoço no restaurante Serras em Pirenópolis, encarei os quase mil quilômetros que me separavam de casa. No caminho, encontrei irmãos de estrada. Um inclusive, que vinha do Mato Grosso com destino a São Paulo e já estava há três dias na estrada com sua Ténéré. Mesmo sabendo da tocada mais calma de uma custom, me acompanhou por mais de 100 quilômetros. Passei pela cidade de Patrocínio, onde dormi e depois segui para chegar em segurança em casa.

Enfim, depois dessa viagem, o que me restou para não sofrer da abstinência de estrada, foi escrever esse relato. Assim posso viajar de novo nas minhas lembranças.

É isso, um abraço e que venha a próxima! Segue o link para um vídeo de menos ce 4 minutos com o resumo da minha viagem de moto pelo Centro Oeste Brasileiro.

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