Ushuaia, a viagem que durou quase três meses

Na companhia de dois grandes amigos, integrantes do Moto Grupo Urubus do Erval de Caarapó, sul do Mato Grosso do Sul, partimos com destino a Ushuaia, Província da Terra do Fogo na Argentina.

Saímos no dia 17 de dezembro de 2015 bem cedinho com uma Triumph Tiger 1200 (Pierre), a Yamaha XT 660 (João)
e eu com minha amada Suzuki V-Strom 650.

Já no primeiro dia, ainda no Mato grosso do Sul, tivemos que desviar da rota planejada porque a BR-163 estava interditada por causa das fortes chuvas que castigavam o estado. Pegamos bastante chuva entre Iguatemi e Eldorado e antes de entrar no Paraná já tínhamos nos molhado por conta do temporal que pegamos. Capas de chuva foram criadas para o motociclista se molhar mais devagar, então seguimos viagem assim mesmo.

No final do dia paramos em São Miguel do Oeste (SC) para dormir. Pierre havia constatado que perdera seu novo aparelho de telefone celular, pois guardara no bolso da capa de chuva que estava furado.

Contando com um pouco de sorte, quase não pegamos chuva no segundo dia. Predominava na região de São Borja (RS) um forte calor. Chegamos a Uruguaiana e fomos descansar, pois no dia seguinte teríamos que cambiar real por peso, Pierre compraria um novo aparelho celular e o João resolveu que trocaria o fluído do radiador da XT.

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Conseguimos entrar na Argentina uma hora da tarde e logo no início pegamos chuva e mais chuva. Eram quase sete horas da noite quando chegamos a Colón e resolvemos parar para dormir em um hotel à beira da Ruta 14.

No dia seguinte pegamos mais chuva e dessa vez rumo a Buenos Aires, pois o objetivo era fazer fotos em frente à famosa Casa Rosada. Conseguimos, mas ao sair da cidade com destino a ruta 3 foi um “Deus nos acuda”. Graças ao nosso pequeno GPS conseguimos sair da metrópole e dormimos num hotelzinho que fica à beira da ruta 3.

Viagem de moto até Ushuaia

No outro dia rodamos bastante, com muito calor e sem chuva. Passamos por Bahia Blanca, onde paramos para comprar uma cola de sapateiro para colar a bota do Pierre que estava se divorciando da sola. A essa altura da viagem a V-Strom já melava as bengalas, pois o retentor não aguentou a pressão do trânsito de Buenos Aires.

Estávamos preocupados porque não encontrávamos “una estación de servicio” e as motos, principalmente a XT, se aproximavam da pane seca. Então chegamos a Carmem de Patagones, uma bela cidade histórica, separada de Viedma pelo Rio Negro, onde pegamos o primeiro hotel que avistamos.

Na tarde do dia seguinte enfrentamos muito vento, daqueles de deixar a moto a 45 graus de inclinação e de vez em quando uma forte rajada que quase te tira da ruta. Era véspera de natal quando lá pelas 8 da tarde (ainda havia sol) conseguimos um Hostel em Comodoro Rivadávia, uma grande e bonita cidade.

Saímos para jantar e encontramos um restaurante Chinês aberto, onde comemos muito bem e ainda ganhamos um espumante para celebrar natividad (natal). Lembrando que todo almoço do trio era somente nos postos YPF (pão, refri e mais nada, pois não tem mesmo).

No dia de natal percorremos 750 km com muito vento forte e ainda pegamos chuva fria. Chegamos a Rio Gallegos no fim do dia. Agora o frio já era forte e não dava mais pra sair para a rua sem agasalhos, inclusive para as orelhas.

Dia 26 de dezembro partimos rumo a Ushuaia. Nesse dia pegamos duas aduanas conjugadas, pois não há outra opção para chegar a Ushuaia sem passar por terras chilenas, além da barcaça que faz a travessia do Estreito de Magalhães. Foi o dia que mais cansei. Cheguei a cochilar na moto e quando percebi estava no acostamento. Passado esse susto, pegamos uma chuva de pedrinhas de gelo na serra de Ushuaia.

Viagem de moto até Ushuaia

Enfim, Ushuaia. Linda, magestosa e fria. Lá estava a tão sonhada conquista de muitos aventureiros como nós. Dois dias na cidade, foram suficientes para conhecer a Bahia Lapataia, trem do fim do mundo, o porto e alguns restaurantes com seus cordeiros deliciosos sendo assados inteiros à vista de todos. Uma maravilha mesmo, principalmente quando apreciado com aquela deliciosa cerveja argentina.

Começamos o retorno do fim do mundo com o objetivo de ir até El Calafate visitar os glaciares e depois voltar para o Brasil subindo por “La quarenta” (ruta 40), esta agora pouco mais de 80 km de rípio.

Dormimos em Rio Grande onde chegamos cedo e trocamos o óleo das motos, com excessão do Pierre que tinha colocado óleo para 10 mil km. Era dia 29 de dezembro e por volta das 11 da manhã já tínhamos percorrido 80 km de rípio (cascalho escuro) e estávamos a somente 5 km do bom asfalto chileno, quando o imprevisto aconteceu. Sem perceber que o pneu traseiro da V-Strom tinha furado, perdi o equilíbrio da moto com a dianteira derrapando ora para direita, ora para esquerda até me levar ao chão. Mil coisas passaram pela minha cabeça nesta hora. Estava a cinco mil km de casa, sentindo muita dor e no meio do nada. João e Pierre iam à frente e não viram que eu tinha caído. Fui socorrido por um bom samaritano chileno que passou com uma pick up da empresa que trabalhava na extração de petróleo no fim do mundo. Os amigos pararam para tirar fotos dos guanacos e quando perceberam minha demora voltaram. Fui levado para um pequeno hospital no vilarejo de Cerro Sombrero, onde fui muito bem atendido e diagnosticado com uma fratura na clavícula. Pierre retornou ao local da queda e trouxe a moto para a vila. Ela sofrera poucos danos e andava normalmente, pois encheram o pneu com uma bomba manual que levávamos.

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Depois de muita conversa com médico, enfermeiro e carabineros (polícia chilena), meu dilema aumentou muito. Os primeiros diagnósticos diziam que se tratava de uma lesão perigosa porque havia risco de perfurar o pulmão e resolveram que me levariam até a fronteira com a Argentina de ambulância. Os argentinos me esperariam do outro lado da fronteira e me levariam até o Hospital Reginal de Rio Gallegos e assim eu poderia ter a assistência de um ortopedista. Tudo combinado e tudo feito graças a Deus.

Após ser liberado pelo médico em Rio Gallegos, tive a felicidade de encontrar meus dois fiéis companheiros (Pierre e João) me esperando na porta do hospital e depois fomos para o Hostel onde eles estavam. Me despedi dos amigos e rumei para o aeroporto de Rio Gallegos.

No dia 31 de dezembro de madrugada cheguei à minha casa, decepcionado, porém aliviado apesar da dor. Minha V-Strom, que ficara em Cerro Sombrero, Tierra del Fuego, Chile, era minha inspiração para quando tudo se normalizasse, voltar lá e terminar a aventura.

Pierre e João seguiram o roteiro original, passando por El Calafate, ruta 40 e Bariloche. Chegaram ao Brasil no dia 8 de janeiro. Por causa das chuvas, que ainda não davam trégua no Paraná e Mato Grosso do Sul, atrapalhado pelo spray d’água, João sofreu uma queda quando passava por Toledo (PR). Graças a Deus ele nada sofrera, mas sua XT 660 ficou irreconhecível e teve que ser rebocada até sua casa. Pierre, que havia ido a Curitiba para fazer revisão de sua Tiger, chegou bem.

Quase três meses depois de minha queda, exatamente no dia 17 de março de 2016, peguei um avião rumo a Terra do Fogo. Ainda estava com o braço em fase final de cicatrização e com 90% da mobilidade normal. Desci do aeroporto de Rio Gallegos na Argentina e tive que pegar ônibus até certo trecho e depois carona para chegar e até Cerro Sombrero no Chile. Graças à ótima ajuda da polícia chilena, os carabineros como são chamados, e à boa vontade de ajudar do povo chileno, fui encaminhado até a casa onde a moto tinha ficado. Lá estava ela, do jeito que foi deixada. Foi preciso uma noite de carga na bateria e o conserto do pneu furado com o tip top que eu mesmo levara para emergências para tudo se resolver.

Sai dia 19 de março, sábado à tarde, dessa vez eu e Deus contra a imensa patagônia quase desértica, com muita fé e vontade de concluir a expedição. Voltei pela ruta 3 e procurei novos caminhos. Cheguei aliviado em casa na sexta-feira dia 25 de março e, para completar, com muita chuva. Comemorei muito e dei graças a Deus por poder pilotar de novo.

Tenho 50 anos de idade e, se Deus assim me permitir, ainda quero viajar de moto por mais uns 25 anos.

Grande abraço a todos!

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