Bom dia, colegas motociclistas,
Como sempre, me perdoem o portuliano. Sou italiano e cheguei aqui velho demais para voltar pra escola e estudar o português direitinho ^_^
Quero relatar a viagem que fiz até San Pedro de Atacama – ida e volta – com três companheiros, entre os dias 24/09 e 5/10, saindo de Itapetininga (SP). Não vou fazer um relato das paisagens e das maravilhas dos lugares que visitamos: tem que subir na moto e ir pessoalmente, porque a Cordilheiras dos Andes e San Pedro de Atacama são lugares maravilhosos, não tem palavra nem foto que possa explicar.
Como a gente não sabia exatamente quantos quilômetros aguentaríamos rodar por dia, planejamos cinco dias para ir, dois dias para ficar em San Pedro e cinco dias para voltar. Viajamos em duas Honda Varadero 1000, a minha Honda Transalp 700 e uma BMW GS 1150 (2001), a moto mais velha e com mais quilômetros de todas. Sem garupa.
Não aconselho fazer viagens tão compridas com muita motos. Acho que quatro ou cinco é o limite máximo para viajar rápido. Tem que ter uma turma boa e pronta para aceitar os termos da viagem, de modo que ninguém fique insatisfeito. E também um mínimo de três motos é o ideal em caso de problemas. Depois, claro, tem muitos que gostam de viajar sozinho. Tem prós e contras qualquer que seja a escolha.
No primeiro dia, a ideia era chegar a Dionísio Cerqueira (SC), mas não conseguimos porque pegamos uma chuva com trovoada de proporção bíblica logo após Candói (PR), cerca de 100 km depois de Guarapuava (PR). A BMW deu uma pane e não conseguimos ressuscitá-la.
Ele voltou com a moto no reboque até Guarapuava onde, no dia seguinte, os maravilhosos mecânicos da concessionária Honda de Guarapuava conseguiram resolver o problema: um chicote queimado dentro do motor, nada a ver com a chuva… simples coincidência. Obrigado aos mecânicos e ao dono da concessionaria Honda (Ivan), gente muito, mas muito boa! Todos eles.
Como sempre, levei o meu secador de cabelos: assim consigo lavar a roupa (camiseta, meias e cueca) e seca-la, reduzindo a quantidade de roupa para levar. E consegui secar também as botas e as luvas.
Depois de perder um inteiro dia para o conserto da BMW, partimos de novo no dia 26/9. Entramos na Argentina passando por Dionísio Cerqueira, que é uma aduana muito mais simples e rápida que aquela de Foz do Iguaçu. Demoramos uns 20 minutos no máximo para os trâmites.
No primeiro abastecimento e parada para almoço, descobrimos uma triste verdade: a Argentina está caríssima! O câmbio Real x Peso Argentino matou todos nós. Em cidades e agências diferentes, trocamos 1 Real por 2 Pesos. Gente, em San Pedro de Atacama o cambio é de 1 Real por 3 Pesos, 50% mais vantajoso pra nós!!! Que raiva… A gasolina (nafta, na Argentina) custa entre 15 e 18 pesos, dependendo do lugar.. quer dizer, até R$ 9 o litro…
Uma garrafinha de água custa tipo 15 pesos (R$ 7,50), um buffet simples num restaurante qualquer sai por 70 pesos ou mais (preço de um rodizio completo numa churrascaria no interior de São Paulo).
Cuidado com o abastecimento, não tem tantos postos quanto tem no Brasil (pelo menos na região sudeste).
Pegamos bastante chuva no terceiro dia de viagem, bem na região serrana. Estejam preparados, porque a viagem com chuva é ruim se não tiver capa de chuva. Aconselho também aquele protetor de guidão em tecido impermeável, mas cuidado porque tem que ser próprio para a sua moto. O que comprei não dava, então tive fazer uma gambiarra (ainda bem que minha mãe sabe costurar…). Reclamei com o vendedor, que tinha falado que na TransAlp dava certo e ele foi MUITO BOM: quando expliquei o que tive que fazer para adapta-lo, devolveu o dinheiro; e quando cheguei da viagem, achei um pacote com um novo protetor de guidão, de graça, que ele me mandou. Muito honesto e profissional: É o vendedor no Mercado Livre JEJOLYN-MOTOS de Curitiba, Paraná.
Quando a chuva parou e passamos a serra, deu para desenvolver uma boa média, rodando numa velocidade de 140~150 km/h sem problema, não tinha trânsito nenhum. Chegamos a Ita-Ibaté, onde dormimos.
Também as posadas e os hotéis na Argentina não estão baratos, o custo médio vai de 450 até 600 pesos por uma suíte simples, e de 500 até 900 pesos ou mais por um quarto duplo. Os hotéis na Argentina estão muito abaixo do nível que somos acostumados ver por aqui, sem falar que o café da manhã (desajuno) é ridículo, tipo uma xícara de café, um croissant pequeno (geralmente doce), uma torrada e nada mais. Achamos um bom buffet uma única vez, no hotel em Corrientes, na volta.
O único (acho) hotel em Ita-Ibaté é simples, bem no fim da rua principal, mas está acostumado com brasileiros, já que tem muitos que vem do sudeste para pescar aqui. Jantamos no restaurante do hotel. Não aconselho o peixe, achamos que vinha filé de peixe, mas tinha mais espinhas que carne, demoramos um tempo absurdo para jantar, kkkkkkk E eu queria o bife de chorizo, não sei porque mudei de ideia.
No quarto dia saímos de Ita-Ibaté e passamos por Corrientes. Estávamos em alerta porque sabemos que os policiais de Corrientes (que não conhecem o pai por causa da profissão da mãe) ficam aguardando os turistas para achacá-los.
Fiquem espertos: parece que na Argentina odeiam as motos… Então, quando tem uma pista expressa, vocês têm obrigação de circular na via marginal (chamada de “coletora”), mesmo em lugares sem muito trânsito, onde não haveria necessidade disso.
Também fiquem de olho: na internet podem achar mapas que explicam como ingressar na ponte Corrientes-Resistencia sem passar pela pista expressa (e sem pagar propina), porém cuidado, porque os mapas estão errados e a brincadeira nos custou 800 pesos para duas das quatro motos. Dois dos nossos companheiros foram mais expertos que nós dois que fomos roubados pela máfia da policia de Corrientes.
No fim da pista coletora de Corrientes teria que fazer um retorno em “U” para ingressar na rua que leva à ponte: não façam o retorno em “U” (embora não tem indicação nenhuma que não pode) porque os policiais aprenderam que os brasileiros não transitam mais na expressa e inventaram outro jeito de roubar o dinheiro. Peguem no fim da coletora à esquerda (se não me engano, a rua passa embaixo da ponte) e logo em frente tem o lugar próprio para fazer o retorno.
O policial (que, tenho certeza, nasceu e foi criado num prostíbulo) me parou, disse que a multa era 1600 pesos cada moto, mas que a gente teria que esperar até segunda-feira (era sábado) para pagar na própria delegacia, ou prefeitura que seja, não lembro. Depois de meia hora tentando resolver (e ele fazendo cara de honesto, “vocês querem me comprometer???”) ligou – ou fingiu ligar – para um superior, e depois disse que a gente poderia resolver pagando 800 pesos cada moto na hora, com ele, e claro sem recibo: abriu a gaveta da mesa e mandou por o dinheiro lá dentro.
Na verdade foi o único caso de policial com pai desconhecido que encontramos. Embora nunca mais tenhamos sido parados durante toda a viagem, tivemos que falar com outros policias por outros motivos (explico depois) e foram realmente gente boa, ajudaram muito. Acho que em Corrientes que tem a “máfia da propina”, e deve ser num nível institucional.
Depois de Corrientes pegamos a reta de cerca de 560 km que chamamos de “Pampa del Infierno”, já que é o nome de uma das cidades na reta, que de Presidência Roque Saenz Pena leva até Monte Quemado e além.
Tem postos YPF na estrada, geralmente com boa lanchonete (não econômica, mas boa) e wi-fi gratuito, então paramos para almoçar numa destas, bem na cidade de Pampa del Infierno. O lugar realmente estava quente, tipo 35 ºC, mas dava para viajar sem problema.
Levei um galão de 4 litros de gasolina que, para não correr risco de pane seca, enchi após Resistencia. Na verdade consegui fazer a viagem inteira sem precisar usa-la em a minha moto (a TransAlp tem um tanque pequeno, 17 litros já que é uma moto beberrona). A gasolina argentina, mesmo sem álcool, não deu sinal de melhoria em termos de quilômetros rodados por litro de gasolina. Pode abastecer com a Super 95, já que eu experimentei a mais cara com octanagem de 98 e não fez diferença. Mas testem, quem sabe na sua moto seja diferente?
Entre Pampa del Infierno e Monte Quemado a pista tem asfalto ótimo, recém recapeado, então rodamos na casa dos 150 km/h. Porém cuidado, tem muito bicho solto: cabras, burros, vacas, até porcos!
Depois de Monte Quemado tinha obras (estão recapeando), então perdemos um tempo porque tivemos que transitar nas laterais, em pista de terra, suja e muito ruim, por vários quilômetros.
Em Joaquin V. Gonzalez abastecemos e uns caminhoneiros disseram que mais pra frente não tinha hotéis bons até chegar na cidade de General Guemes. Como era cedo ainda, decidimos de esticar até lá. Foram 980 km rodados naquele dia e chegamos no pôr do sol, cansados e “quadrados”. Achar um hotel que fosse aceitável não foi fácil. Os primeiros que encontramos na rua, um atrás do outro, não tinham uma cara de hotel… mais de prostibulo… e vejam bem, não somos tão difíceis de nos adaptar…
Bem, perguntamos e achamos um hotel dentro da cidade. Pequeno, mas com lugar para estacionar as motos à noite. A entrada do hotel fica no fundo dum corredor, tipo uma galeria de lojas, que à noite fica fechado com portão. A dona do hotel tinha um degrau móvel de ferro feito para subir com as motos (deve estar acostumada com motociclistas brasileiros, kkkk). O quarto individual ficou, se não me engano, 400 pesos. De qualquer modo, mais em conta do que os “prostíbulos”, embora muito caro. O quarto estava limpo, então tudo bem, mas se for pensar que no primeiro dia, em Candói, dormimos num hotel simples, mas bem melhor que aquele, pagando R$ 50 (Hotel Royale)…
A coisa engraçada que lá não tem moto grande (tipo Big-Trail), então todo mundo fica olhando com curiosidade as motos, até pedem licencia para tirar uma foto perto delas :-)… Quase todas as motos de grande porte que vimos eram brasileiras, ou de grande cidades argentinas como Buenos Aires, Mendoza, etc.
O dia seguinte era o dia dos Andes. Cuidado: depois de San Salvador de Jujuy (cidade antiga e bonita!) não tem mais postos para abastecimentos sem sair do caminho até Susques (que fica bem no meio dos Andes). Com a Transalp, consegui chegar a Susques abastecendo só em General Guemes, porém quando já estava piscando a luz reserva. Como tinha o galão com 4 litros no alforje, não estava preocupado. Mas fiquem espertos com os abastecimentos!
A subida dos Andes, assim como viajar no meio dos salares, é algo de inesquecível também pra quem, como eu, já está acostumado com montanhas acima de 4000 metros de altitude (nasci e vivi por quase 40 anos em Turim – Itália, uma hora de carro da parte mais altas dos Alpes europeus; dá para dizer que neste caso, não conhecer as montanhas seria como morar em Santos e nunca ter visto o mar).
Não vou contar nada do lugar, que não adianta, nem as fotos ajudam. Se quiser saber como é, suba na moto e vai até lá, rsrs. Acredito que não tem jeito melhor de fazer esta viagem que de moto, embora achamos alguns caras de bicicleta. Estamos falando de mais de 400 km de percurso dum lado até o outro dos Andes, metade acima de 3500 metros e metade acima de 4000, chegando até a 4800 metros acima do nível do mar.
Quer dizer, eu achei cansativo (no sentido de matar o fôlego) descer e subir na moto para fazer xixi, imagine o cara que pedala por dias naquela altitude, sabendo que se for passar mal lá no meio por causa da “puna” (mal de altitude), mal que vai passar só descendo, tá ferrado.
Chegamos a Susques, mas não entramos na cidade; o posto de gasolina com o restaurante fica 3 km mais pra frente, sentido Chile. Abastecemos e almoçamos (sem exagerar com a comida para não passar mal) no ótimo restaurante, que tem até wi-fi gratuito: assim consegui também falar com meu filho e minha esposa.
O engraçado é que lá tinha uma Honda Twister 250 cc, carburada, transportando piloto, garupa, bauleto, alforjes e galão de gasolina. E eu que estava preocupado com a possível perda de potencia da TransAlp… kkkkkk
Depois paramos só na divisa, uns 200 km à frente se não me engano. Hoje a aduana Chilena e Argentina é unificada. Tem que passar por os guichês, começando com aquele marcado com o numero “1”.
Cuidado (1): a moto tem que ser com documentação atualizada, NO NOME DO CONDUTOR, não alienada. Quando apresentei o meu passaporte italiano o funcionário levantou a cabeça: “a moto é italiana?” mas respondi que era brasileira e no meu nome, e não tive problema nenhum.
Cuidado (2): a vigilância sanitária chilena É *muito* rígida, então evitem chegar com fruta ou outra comida (não tem problema se for comida industrializada lacrada, tipo barra hipocalórica, etc.) achando que no caso que seja descoberta dá para conversar… pode conversar mais tarde, com o advogado…
Os documentos que vocês precisam são, além do passaporte (aconselhável):
- RG (se não levar passaporte)
- carteira de motorista (melhor se for PID – Permissão Internacional para Dirigir, para evitar pagar propina na Argentina)
- documento atualizado da moto:
- Carta Verde – para Argentina. Veja com a sua seguradora.
- SOAPEX – para Chile – É como a Carta Verde. Pode ser feito on-line no site www.magallanes.cl
Gastei, se não me engano, R$ 20 para a carta verde com a Porto Seguro (onde a moto está segurada) e tipo US$ 15 para o SOAPEX. Façam sempre com um prazo de alguns dias a mais, quem sabe… se deu uma pane na moto, pelo menos não vai passar apuros por causa duma Carta Verde vencida. Baseado na nossa triste experiência (explico mais à frente) É *muito* aconselhável:
- Seguro viagem com valores elevados que incluam também moradia para parentes em caso de internação prolongada;
- Extensão internacional do seguro da moto (com inclusão do reboque).
O controle da bagagem da moto pode ser feita pela policia chilena por meio de raio-X (na aduana tem um scanner tipo aquele dos aeroportos) ou manualmente. Nos tivemos sorte que foi o segundo método, porque transportar as bagagens da moto até a aduana na altitude de 4000 metros. É uma fatiga. Sorte também porque o funcionário chileno era um brasileiro, muito gente boa, que sabia que de moto com certeza não vai levar um repolho ou uma jaca, então o controle foi rápido e sem precisar esvaziar as malas…
Mas se for de carro, deixe as malas arrumadas que vai ter que leva-las até o scanner!
Bem, depois disso partimos. A temperatura no lado chileno vai caindo, já que depois da divisa a estrada vai subindo: passa dos 4800 metros de altitude, então esteja preparado para o frio, mesmo em dia quente e com o sol.
Pegamos também bastante vento, lá em cima: nada de preocupante, no nosso caso, mas bastante para atrapalhar um pouco.
Respeitem também os conselhos dos policiais: se eles falam que pode nevar, ou aconselham parar e esperar por causa da situação meteorológica, obedeçam! A montanha É uma coisa muito complicada, e com neve não dá para viajar de moto e nem de carro, se o carro não for equipado com pneus para neve ou correntes para pneus (que com certeza 99% dos brasileiros nunca viram na vida, rsrs). Acreditem, sei do que estou falando. Brasileiro, sorte sua, não sabe o que é o inverno e quanto pode piorar o tempo em alta montanha. Não tem ideia nem de longe. E geralmente quem não respeita a montanha morre, ou fica perto disso. Às vezes morre até quem a respeita, então… bem, eu avisei.
Saibam que até em janeiro o tempo pode ficar ruim (é chamado de “verão boreal”, se não me engano) que traz neve e tempestade! De qualquer jeito, não subam nos Andes à noite… só de manhã, para chegar do outro lado até o fim da tarde.
Também cuidado com mal estar, tipo dor de cabeça, tontura, etc. É o começo da “puna”. Antes de viajar procurem bem no internet para saber quais são os sintomas e o que fazer. Bebam muita agua, nada de álcool e cigarro desde o dia anterior (melhor uns dias), etc.
>>> Mais um par de conselhos: pessoal, é importante, percam um minuto pra ler isso, por favor!
IMPORTANTISSIMO: Acima de 3000 metros de altitude, qualquer um de nos, mesmo quem já foi no passado e não sofreu disso, pode sofrer de hipóxia. Um dos sintomas é a euforia, uma sensação de bem estar que faz perder a prudência.
Também, acima de 3000 metros, o ar rarefeito não transmite a sensação da velocidade ao piloto da moto. Este fato piora subindo.
Fiquem de olho no tacômetro!!! A moto parece macia nos 3500, 4500 metros de altitude, mas em caso de impacto, a velocidade será aquela real. Evitem a imprudência de viajar a 200 km por hora “porque é uma delicia e a moto responde bem”.
Mantenham o sangue frio e o controle da situação. Fiquem de olho no painel e não andem mais do que estão acostumados andar normalmente, ou até menos. Andem em baixa velocidade, curtam a paisagem, que pegar de repente uma violenta pancada de vento lá em cima é a coisa mais normal do mundo, e pode jogar vocês fora da estrada… e não estou dizendo isso de forma simplesmente teórica, como descobrirão logo, se tiverem paciência de ler tudo.
Chegamos a San Pedro na metade da tarde e procuramos um hotel (tivemos que cancelar a reserva feita antes de partir por causa do problema com a BMW, já que não sabíamos se dava para chegar nos dias que reservamos). Achamos logo um “hostal” bonito, sem muito problema. Diária, 30 dólares por dia e por pessoa sem “desajuno”. Quer saber? Fomos num mercado e pelo mesmo preço compramos comida de verdade para o café da manhã dos dois dias, já que o desajuno estava nos deixando com fome. Compramos pão, presunto, salame, queijo, fruta, suco e cookies pra mim que gosto de algo de doce no café da manhã. (Obs.: não precisa levar dólares… levem pesos argentinos e chilenos que tá bom).
Pegamos também um galão de 5 litros de água. É preciso beber muita água: no deserto, a humidade relativa é quase zero! Enquanto estava tomando banho, lavei também a roupa suja que tinha: três camisetas, três pares de meias e três cuecas. Deixei tudo pendurado no banheiro, mais ou menos, pingando água no box. Quando voltamos do jantar a roupa estava quase totalmente seca! E a humidade relativa do ambiente subiu um pouco, deixando o quarto mais agradável.
No dia seguinte descansamos. Subimos no morro com a cruz que fica atrás da cidade. Demora cerca de 30, 40 minutos para chegar no topo, caminhando numa boa, e a paisagem vale a pena. É um parque, então tem que pagar a entrada. Depois pegamos a moto, demos uma volta ao redor da cidade, nas montanhas. Muito legal. Abastecemos as moto, já que o dia seguinte ficariam paradas, então assim já estavam prontas para a volta.
À tarde passeamos na cidade e experimentamos a cerveja “Austral”, muito boa. Aconselho a Calafate Ale, aromatizada com uma fruta da Patagônia. Ah, contratamos também um passeio para o dia seguinte. Um de nós, Morgado, resolveu ir aos gêiseres, já que queria muito vê-los. Nós três fomos nas Lagunas Altiplânicas, Pedras Rojas e Salar de Atacama. Aconselho este passeio. É muito legal, gostei. Procurem em várias agencias de turismo, existem muitas e os preços variam bastante.
Na van com a gente (além do guia, Jonathan, e de um rapaz chileno esquisitíssimo que ficou sempre calado e deu sinal de vida só quando pegava o seu pau de selfie, rsrs) tinham quatros garotas brasileiras, de BH, muito simpáticas. O passeio foi ótimo e a turma divertida. No jantar comemos carne de llama, boa, mas nada de muito diferente ou inesquecível. Gostei muito mais o “lomo” (tipo bife de chorizo) do jantar anterior.
No dia seguinte, foi dia de voltar. Saímos cedo: às oito já estávamos sentados nas motos. É aconselhável sair cedo para não pegar o vento, especialmente na primavera, mas você troca o vento com o frio. Andamos cerca de um par de horas na beira de zero grau (e dando um pulo abaixo de zero por um tempo bem longo). Faz anos que moro no Brasil, então não lembrava mais como era ficar abaixo de zero; quando ia esquiar nos Alpes, pegar temperaturas em volta de zero grau era normal. Já fui esquiar com -15 ºC, mas desta vez sofri bastante, e estava bem equipado, com protetor de mão, luvas, bolha alta, segunda pele, blusa, bem agasalhado. É fácil acostumar com coisa boa, e o Brasil *É* coisa boa, embora muitos brasileiros costumam reclamar do pais, fiquem um inverno na Europa do norte, depois a gente volta a falar sobre o assunto, kkkk 🙂
Chegamos na divisa estupidamente gelados, que nem lata de cerveja na geladeira dum buteco, e começamos a tremer na hora de entregar os documentos. A parte burocrática foi mais fácil, já que a Argentina não tem a vigilância sanitária do Chile. Paramos para tomar um café e abastecer no posto YPF encostado na aduana, e fomos embora.
30 km antes de Susques, o nosso companheiro, Morgado, sofreu um acidente terrível. Ele estava na frente de todos nós, então não sabemos exatamente o que aconteceu. Talvez falta de concentração, talvez a glicemia alta por causa do diabete que fez ele desmaiar, talvez o vento: ele saiu de estrada com a moto, caiu, e bateu a cabeça.
Valter, o segundo que chegou, trabalhou por mais de vinte anos como socorrista do SAMU (um dos anjos do asfalto). Ironicamente, o Morgado É motorista de ambulância e por muito anos foi o motorista do Valter: mesma equipe. Ou seja, aquele dia o médico salvou o próprio motorista.
Por sorte (se nesta altura do campeonato podemos falar de sorte) o Valter tinha levado, pela primeira vez numa viagem, uma mascara respiratória que pegou nos EUA e que salvou a vida do Morgado; e uma coberta térmica.
Na hora do acidente, vários caminhões e carros passaram e não pararam, embora não tivesse duvida sobre o que tinha acontecido. Mais grave ainda, num lugar onde a dificuldade em socorrer alguém é maior ainda, o celular não pega, etc.
Ainda bem que o quarto de nós já estava indo até Susques para pedir uma ambulância.
Logo em seguida parou uma KTM com um casal de Mendoza. A esposa, ou noiva, era uma medica anestesista., quer dizer, o primeiro que parou era um medico. Qual a chance de se acidentar e ter dois médicos especializados? Não um “simples” clinico geral: um socorrista do SAMU e uma anestesista!
A ambulância demorou uma hora para chegar (se pensar que a gente estava no meio do deserto, uma hora não é muito: tivemos aliás sorte que o acidente aconteceu num lugar próximo de um posto de saúde com ambulância e com temperatura razoável, bem mais alta que na parte da manhã.
Vou resumir, porque se for contar tudo o que ainda aconteceu naquele dia este relatório vai virar um livro… Porque realmente aconteceu de tudo.
A coisa mais divertida que aconteceu, embora não tivesse muita atitude para me divertir naquele momento, foi um rapaz que estava escondido num pequeno cânion ao lado da pista, perto dum carro parado, e que pulou fora quando passei perto dele. Por um segundo pensei num assalto, mas logo dei risada do meu susto: um assalto no meio do deserto??? Na verdade o coitado ficou sem gasolina. No carro estavam a esposa e a filha pequena. Como ainda tinha o meu galão cheio, resolvi doar metade para que pudesse chegar até o posto de Susques, não muito longe. Segurei um pouco de gasolina pra mim; vai que precise, já que o dia não estava sendo bem um daqueles dias onde tudo dá certo… nem de longe.
Obs.: até agora não sei o que estava fazendo escondido no cânion, mas tudo bem 🙂
O acidente aconteceu às 11h30 mais ou menos; Morgado chegou às 19 horas, vivo (que já foi um grande milagre da medicina e do Valter, o amigo medico), no hospital de San Salvador de Jujuy, onde foi logo transferido para a UTI. Ele está na UTI até hoje, em coma. A família está revezando para ficar próximo dele; coisa não fácil e muito, muito cara, sem falar que ele precisa de um fisioterapeuta particular. Tem que dizer que o atendimento do hospital publico é muito, mas muito bom. A equipe da UTI foi (e é) maravilhosa, muito competente e carinhosa.
A situação do Morgado parece estar melhorando, devagarzinho, a cada dia: mas é um caminho muito longo, ainda. De qualquer jeito, ele continua em coma, até hoje.
Tivemos a ajuda de muitas pessoas: os policias, os médicos, do pessoal do hospital… de todo o mundo. Gente, nós aqui costumamos brincar sobre os argentinos, mas vejam bem: depois disso, nunca mais vou brincar com esta coisa de “argentino chato”, porque eles foram incríveis! Aliás, de hoje para frente vou ficar puto se alguém falar na minha frente que os argentinos são chatos, kkkkk
O Miguel Angel Liendo, uma personalidade do mundo do motociclismo de San Salvador de Jujuy ajudou muito, mas muito mesmo, chegando ao ponto de convidar a esposa do Morgado, Sônia, para ficar na sua casa, junto com a família do Miguel, para ela não ter que viver num hotel. Quem faria tanto para um estrangeiro desconhecido?
Infelizmente não tem senadores nem deputados na família do Morgado, então eles estão precisando de ajuda econômica para os gastos hospitalares, o fisioterapeuta, etc. (imagine a situação de ter um familiar em coma do outro lado do continente… É muito caro!). Eles estão arrumando um jeito de receber doações e ao mesmo tempo deixar bem transparente como o dinheiro está sendo gasto, para não ter duvida nenhuma. Nós (amigos e familiares) vamos ajudar, claro, mas se alguém de vocês quer dar uma ajuda, mesmo pequena, agradeço desde já. Quando tiver mais detalhes na mão sobre como fazer as doações, vou posta-los aqui.
Voltando à viagem.
Claramente, no dia seguinte, ficamos em San Salvador para conhecer o quadro clinico, falar com os médicos, saber como fazer para resgatar a moto do Morgado da delegacia de Susques (para onde a polícia levou) e, claro, para organizar a vinda dos parentes do Morgado.
Só para complicar um pouco, a BMW começou a dar mais problemas. Hipoteticamente, problema na regulagem das válvulas ou no tensor da corrente de comando. Barulho feio, não dava para rodar com a moto daquele jeito, então o nosso amigo teve que arrumar o guincho até São Paulo. No fim da tarde foi claro que o guincho (na verdade uma camionete com um trailer) iria chegar só dois dias depois: já que as irmãs do Morgado iriam chegar no dia seguinte e a gente não tinha muito mais o que fazer, decidimos que as duas ultimas motos que estavam funcionando prosseguiríamos no dia seguinte rumo ao Brasil. Eu e o Valter deixamos as motos prontas e no dia seguinte de manhã cedo saímos de San Salvador. Pegamos fila por causa de um pedágio e também por causa de um acidente absurdamente feio: um carro que parecia desenhado num papelão, em 2D, de tão achatado estava. O motor estava longe do carro. Com certeza o motorista e os passageiros nem passaram pela UTI, coitados… 🙁
Depois de Salta e do trevo para Monte Quemado, não achamos mais trânsito, então começamos a viajar um pouco mais rápido. Paramos só para abastecer, ir ao banheiro e almoçar.
Sobre o abastecimento, uma dica: as cidadezinhas no trecho Monte Quemado – Presidência Roque Saenz Pena geralmente tem um pequeno posto de abastecimento (tipicamente uma bomba de gasolina na frente de uma casa particular) mas o preço é mais alto que dos postos YPF na estrada.
Naquela noite chegamos a Corrientes, apanhando um pouco em Resistencia por causa da pista local (“coletora”) que não tinha saída para a expressa e, onde tinha, tinha também uma placa com a proibição para as motos ingressarem. Ou seja, não tinha como respeitar a lei e também pegar a ponte para Corrientes.
No dia seguinte fomos de Corrientes até Candói, no Paraná. A entrada no Brasil foi mais rápida que passar num pedágio paranaense (já que no Paraná as motos pagam, a única coisa ruim do Paraná, rsrs). Não tinha ninguém na alfandega argentina. Paramos as motos na frente do escritório, entramos, carimbaram os passaportes, e fomos embora.
Pergunta: mas a aduana brasileira, cadê??? Resposta: não tem!!! Aparentemente, saindo da Argentina, pode entrar no Brasil sem problema, mesmo sem documentos. Booom?????
Como chegamos ao hotel (o mesmo Hotel Royale da ida) à noite de um domingo, e estava tudo fechado, pedimos uma pizza que comemos no salão do hotel e fomos pro mundo dos sonhos.
No dia seguinte, assim que acordamos, de novo estrada e chegamos a Itapetininga às quatro da tarde.
Rodamos em pernas compridas, entre 700 e quase 1000 km, porém sem muitos problemas. Achei que ficaria cansadíssimo, mas não foi assim, alias, à noite só tinha dor no pescoço (a almofada gel ajudou bastante!).
Lembrem sempre de checar diariamente a moto: óleo, lubrificação e folga da corrente, pressão dos pneus (não calibrem os pneus em San Pedro de Atacama porque vai dar uma leitura de pressão diferente por causa da altitude), etc.
Abraços e boa viagem!
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