San Bernardino, Paraguai

Uma viagem representa muito mais do que percorrer quilômetros de estrada e chegar a um destino. Principalmente quando se vai de motocicleta em companhia de alguns amigos cinqüentões.

Foi o que aconteceu conosco.
Chegava a época de carnaval e recebemos o convite para um evento motociclístico em San Bernardino – cidadezinha de origem alemã que fica às margens do Lago Ypacarai , cerca de 40 quilômetros da capital Asuncion – Paraguai. Minha moto VStrom 650 nova, com pouco mais de mil quilômetros rodados, acabara se ser “amaciada” e pedia uma viagem desse porte.

Os preparativos duraram várias semanas, pois para a maioria, “seniors” sem qualquer condicionamento físico, seria a primeira experiência nessa distância . Para ser sincero, as motos estavam em melhor forma que os donos…

Cada um morava em cidades diferentes, então foram dezenas de emails trocados entre o grupo para inscrições, reserva de hotéis, revisão das motos, planejamento das bagagens, escolha de ponto de encontro, roteiros, horários, enfim, tudo aquilo que normalmente é feito para se viajar e quase sempre não se cumpre na totalidade.

O tempo não ajudava, choveu toda a semana que antecedeu àquela sexta-feira de carnaval e o pessimismo só não tomou conta da turma porque o conhecido “São Google” ajudou informando que o tempo estaria melhor a partir de Foz do Iguaçu. Isto animou o suficiente para mantermos a auto-estima. O tempo disponível para aquele tipo de viagem era escasso, no máximo 5 dias. Todos (menos eu que estava iniciando férias) queriam estar de volta no máximo na terça-feira de carnaval para poder trabalhar no dia seguinte.

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A noite que antecedeu a partida foi difícil para dormir. Arrumamos a roupa de viagem, carregamos os baús, conferimos cada item, ferramentas, remédios, documentos e tentamos pregar no sono. Para mim, o único participante da Capital, o desafio seria um pouco maior porque teria que levantar mais cedo, sair antes do amanhecer e percorrer cerca de 340 km até chegar ao ponto de encontro em Santa Cruz do Rio Pardo, 20 km após o final da Rodovia Castelo Branco.

Outros dois colegas partiram de Descalvado SP, encontraram outros dois em São Carlos SP e de lá seguiram até o ponto de encontro. Pegaram um pouco de chuva no caminho e chegaram por volta das 9 horas da manhã. Eu, sempre preocupado em não me atrasar para o encontro, peguei a estrada por volta das 4:30 da manhã. Eu já estava esperando, pois apesar de escuro, não chovia no trecho que percorri e nem havia muito trânsito naquele horário. Saindo de São Paulo, rodei cerca de 250 km, reabasteci perto de Pardinho e acabei chegando ao Posto Graal por volta das 8:30 horas, bem a tempo de tomar um belo café da manhã e esperar por eles.

Esse primeiro percurso até que foi muito bem, não passei frio e nem dores, ao contrário, achei que a viagem seria moleza. Mal sabia o que viria pela frente.

A reunião no ponto de encontro ocorreu em clima festivo, talvez a melhor parte da programação. Abraços, reabastecimento das motos, café da manhã, até apareceu um casal que também viajava de moto e confraternizou conosco.

Saímos por volta das 9h30, muito animados em direção a Londrina. Paramos num restaurante à beira da estrada perto da cidade de Maringá, no estado do Paraná. A comida naquela região é muito gostosa, mas quem faz regime deve tomar certo cuidado. Tudo é bem servido e um prato dá tranquilamente para duas pessoas. Retomamos em direção a Cascavel e chegamos a Foz do Iguaçu já à noite, porque fomos parando em alguns postos, entre abastecimentos e pausas para esticar a coluna.

Aí tivemos a primeira surpresa. Disse que saímos como águias e chegamos como condores (com dor aqui , com dor ali…). Gente, depois de rodarmos uns 500 km, começaram as dores por todo lado. Pernas, costas, braços mostrando que o condicionamento físico é fundamental para quem quer esse tipo de aventura. Chegamos a Foz do Iguaçu literalmente “quebrados” e fora do horário. Perdemos o churrasco de boas vindas que a organização do evento tinha programado. Também, com aquelas dores nem daria para mastigar… Foi o tempo de tomar um banho, comer alguma coisa numa pizzaria chichilenta que ficava nas proximidades do hotel e mergulhamos na cama. A dica nessa hora é tomar um antiinflamatório dispersível em água… Ajuda bem.

No dia seguinte amanheceu com céu de brigadeiro. Muito sol, calor e um clima de festa na equipe. O planejado era encontrar os demais grupos num ponto de concentração onde um guia atravessaria a fronteira conosco e acompanharia até o destino final. Não acordamos a tempo e o pessoal quis fazer umas “comprinhas básicas” no comércio do outro lado antes de seguir viagem. Resultado: ficamos até por volta das 11 horas passeando de van e vendo a 25 de março paraguaia, onde tudo é baratinho, mas a garantia “soy Jô”!

Mas nessa hora tudo é festa! O Cacinho aproveitou para trocar o capacete, comprou umas roupas e começou a encher os alforjes da sua moto, que no final da viagem ganhou um apelido bem apropriado que eu conto depois. Passamos pela imigração paraguaia bem tranquilamente, menos para mim que estava com uma cédula de identidade com mais de 10 anos e a sorte foi ter levado o passaporte de reserva.

Pegamos a rodovia principal que liga Foz a Assuncion, a Rodovia Mariscal Jose Felix Estigarribia ou Rodovia 2. Percorremos cerca de 300 km por essa via e chegamos ao Lago Ypacarai por volta das 16 horas, ainda a tempo de pegar uma piscina no hotel . A viagem não foi cansativa como no dia anterior, o tempo estava bom e paramos somente para abastecimento. Interessante que no Paraguai as pessoas usam muito motos de pequena cilindrada, geralmente 125, sem capacete e utilizam o acostamento das rodovias para transitarem entre as localidades. Durante o percurso vimos muitas pessoas com crianças na garupa, levando mantimentos e transitando em baixa velocidade no acostamento. É preciso tomar bastante cuidado quando se aproxima de regiões urbanas. A qualquer momento podemos ser surpreendidos com veículos cruzando a via ou motociclistas nessas condições.

Mas apesar desses inconvenientes, posso dizer que o percurso entre Foz do Iguaçu e San Bernardino foi muito tranqüilo. Os frentistas dos postos de abastecimento, muito cordiais no atendimento, o custo da gasolina mais baixo que no Brasil e a qualidade melhor. Lá recebemos um conselho para abastecer sempre nos postos Petrobras, que eram os mais confiáveis.

Em cada parada abastecimento e limpeza do pára-brisa da moto. Esse equipamento é fundamental para a proteção.

Logo na entrada de San Bernardino, encontramos um motociclista estranho, que estava com um capacete estilo alemão cromado. Era o Gustavo. Levou-nos ao hotel e combinamos o ponto de encontro que seria no Hotel Del Lago, o mais tradicional da cidade e onde haveria um jantar de boas vindas. Espetacular o carinho e a organização dos nossos irmãos paraguaios.

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À noite, no horário combinado, fomos à confraternização. Como tínhamos viajado de moto por muito tempo e não conhecíamos direito o caminho, pedimos um táxi. Aí aparece o único, sim não errei, o único taxi da pequena localidade, um velho (para ser otimista) Mercedes Benz diesel que não podia ser desligado porque não tinha partida. Fomos em 4 mais o motorista naquela geringonça que a cada balanço parecia que ia desmontar. E chegamos à tão esperada festa no auge da recepção aos visitantes.

Eram aproximadamente umas 500 pessoas entre os inscritos e acompanhantes, mais o pessoal do staff. O hotel Del Lago, tradicional daquela cidade de origem alemã, guardava intacto um acervo histórico memorável. Objetos de arte e históricos contando a origem do Paraguay , a formação do seu povo, a cultura e muitos outras informações. Um grande salão com mesas muito bem ornamentadas e comida típica para todos os gostos.

No pátio interno com mesas ao ar livre estava lotado de visitantes. O calor de Março tornava a noite convidativa para um sarau ao ar livre. Começa a apresentação com musica e danças típicas que alegraram muito os brasileiros que estavam no encontro. O papo rolou solto, cada um com as suas historias de viagens de moto. Tinha gente de todo lugar: São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso, Brasília, Rio Grande do Sul e do próprio Paraguai. Motos custom, motos de passeio, bikes, teve gente que foi até de avião, mas levou sua roupa de motoqueiro, só para estar na festa.

Viagem de Moto ao Paraguai 2
Grupo Folclórico de danças típicas paraguaias

Anunciaram que no dia seguinte haveria uma concentração em frente aquele Hotel e sairíamos em grupo para conhecer a região de San Bernardino e o mirante, que fica no caminho de Altos, localidade uns 10 km distante. O movimento local era pequeno porque as férias tinham acabado e as pessoas que tem propriedades naquele encanto de lugar estavam de volta a Asuncion.

Domingo começou com muito sol e calor. Acordamos em nosso hotel, tomamos um café reforçado, a hospitalidade era excelente e partimos de moto para o ponto de encontro. Devia ter umas 200 motos em frente ao Hotel do Lago. Ficamos um pouco esperando toda turma e partimos em comboio para conhecer a vila de Altos. O local é bastante arenoso e a diferença de altitude não muito grande, mas no caminho pode-se ter altitude o suficiente para um mirante onde se pode ver todo o Lago Ypacarai.

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A vila de Altos é pequenina, mas muito aconchegante. Uma pequena praça onde o prédio mais importante é uma igreja e um pequeno comercio em volta, muito parecida com as cidades do interior de São Paulo. Ficamos por ali algum tempo e tomamos refrigerantes porque o calor estava alto. Retornamos em formação e fomos para o churrasco no Clube de Campo que fica às margens do lago. Local muito bonito, limpo e com muita organização. Tomamos umas cervejas importadas, mas a que mais gostei foi a Brahma paraguaia… Vendida em litros, parece mais encorpada e um pouco mais adocicada que a nossa.

Viagem de Moto ao Paraguai
Dando uma volta na cidade de San Bernardino

Ao final da tarde retornamos ao Hotel para aproveitarmos a piscina e o nosso ultimo dia naquele recanto, já que partiríamos na segunda-feira de volta para São Paulo. Mesmo tendo comido bem durante o churrasco, a piscina cuidou de renovar nosso apetite para o jantar. Fomos dormir após combinarmos a saída no dia seguinte.

Segunda-feira, carnaval no Brasil acordamos bem cedo, tomamos um café reforçado e arrumamos as motos para o retorno. Estávamos decididos a voltar por um caminho diferente do que viemos mais ao norte do país. Pilotamos toda manhã e chegamos por volta do meio dia à efervescente cidade de Salto del Guairá, que fica ao norte do Paraguai, divisa com o Paraná. Interessante o comercio da localidade. Mais espalhado e moderno que da região de Foz do Iguaçu, com shoppings recém edificados e uma quantidade enorme de lojas espalhadas na avenida principal da cidade. Notamos enorme quantidade de veículos do Paraná fazendo compras naquela região.

Viagem de Moto ao Paraguai
Comércio intenso no lado paraguaio e também no brasileiro

Atravessamos a ponte sobre o Rio Paraná e chegamos a cidade de Guaira, do lado brasileiro onde paramos para almoçar num restaurante caseiro, comida típica servida em cima do fogão de lenha. Uma delícia.

O retorno foi pela BR 272 até Umuarama-PR chegando ao final da tarde em Maringá. Nosso planejamento era de pernoitar em Londrina, mas o tempo estava meio carregado e dois de nós fizeram menção de parar por ali mesmo. Deu confusão… Os demais colegas que queriam esticar até Londrina fizeram pressão e de nada adiantou a velha experiência de mais de 30 anos de pista… Vamos em frente.

Atravessamos Maringá pelo anel viário e logo ganhamos a BR 376 e também uma boa chuva pela frente. E com ela a noite caiu rápido, castigando a todos nos mais de 100 km seguintes. A velocidade média reduziu bastante e chegamos a Londrina bem tarde e todos molhados. Fizemos o check-in no hotel e a saída foi pedir comida nos quartos. Ainda bem que tem um restaurante que atende os hotéis daquela cidade e serve uma comidinha de boa qualidade.

Mas o ranço devido á teimosia dos mais afoitos gerou pequena discussão no grupo. Nada de anormal, pois o cansaço tem a facilidade de irritar um pouco as pessoas, acirrar os ânimos e facilitar discussões no grupo.

No dia seguinte vimos que tivemos é muita sorte. Uma das motos estava com um estilhaço de plástico de lanterna no pneu. Eu nunca tinha visto tal coisa. Sabia que pregos eram as fontes mais comuns de furos em pneus, mas plástico…. Entrou como uma lança e furou o pneu da moto do colega. Ainda bem que era do tipo sem câmara e estava murchando bem lentamente, ainda deu para ir devagar até o único borracheiro que estava trabalhando naquela terça-feira de carnaval. Aliás, por falar nisso fica uma dica: pneus sem câmara quando furam , especialmente com pregos ou pequenos parafusos , nunca se deve retirá-los , a não ser na hora do conserto. Ao contrário, pneus com câmara na mesma situação é preciso tirar logo o artefato senão ele picota toda a câmara e o reparo fica muito difícil. Talvez por isso é que a maioria dos carros e agora as motos estão sendo fabricadas com pneus sem câmara.

Demorou exatos 2 minutos para o borracheiro reparar o pneu. Retirou o pedaço de plástico de forma pontiaguda, introduziu uma ferramenta parecida com um saca-rolha em cuja ponta tinha colocado um pedaço de cordão reparador, cortou o excesso com um estilete e pronto! Calibrou e voltamos para a pista.

Todos queriam chegar até o final do dia, pois na quarta feira de cinzas tínhamos que trabalhar. O pessoal de São Carlos estava mais ansioso e estressado com a viagem, também não era por menos, pois não tínhamos treinamento para esse tipo de desgaste. Na ida chegamos a rodar cerca de 1200 kilometros num único dia, o que é considerado muito para motociclistas de final de semana. Depois, conversando com um colega experiente, ele me falou que no início as viagens não devem superar os 600 km/dia em quatro lances de cerca de 150 km, para que se chegue inteiro no destino. Também se recomendam pelo menos uns 10 minutos de alongamento antes de qualquer viagem de moto, pois os músculos que são requeridos na pilotagem são diferentes daqueles que utilizamos no dia a dia. Um bom alongamento ajuda a evitar cãibras e dores musculares.

Aprendemos também que a disciplina e o planejamento são fundamentais nesse tipo de passeio, pois as flutuações e perdas de tempo nos percursos levam a variações de velocidade que podem trazer riscos diversos inclusive o de multa nos radares que estão muito presentes nas estradas federais.

Mas fazendo um balanço, a aventura valeu muito a pena. Primeiro pela emoção, que gerou lembranças durante o ano todo. Segundo, pela oportunidade de conhecer lugares novos e pessoas de outras culturas e também porque cada empreitada dessas deixa uma marca indelével que permanece até a …..

Próxima viagem!!!

Jose Roberto Dus
Casado, engenheiro e piloto há decadas
Vive a melhor idade em duas rodas
Fazendo as malas para viver a sua próxima aventura: Rota do Blues, com saída em 19 de setembro próximo.

Fonte: Eu e minha moto – Meu mundo em duas rodas


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