Perdido pela América do Sul com uma Lander 250

Depois de conhecer a história de viajantes de todo o mundo que encontrou em um albergue no Rio de Janeiro, durante uma viagem de moto pela Estrada Real, o motociclista mineiro Raphael Augusto Girelli (24) estabeleceu como objetivo viajar mais e conhecer pessoas de outras línguas e culturas. Depois de uma ano planejando e sonhando com os destinos, nasceu o projeto da Expedição Lost Lander. 

Formado em contabilidade e tendo como profissão analista financeiro, Raphael planejou a viagem e os recursos para durar um mês, mas já está há cinco na estrada com uma Yamaha XTZ 250 X ano 2008/2009, já percorreu 16.000 km de estradas do Brasil, Paraguai, Argentina, Chile, Bolivia e Peru e não tem previsão de quando retornará para casa.

Contando com o convite de amigos e pessoas que conhece durante a viagem para pernoitar, ele vai seguindo de cidade em cidade e tendo cada dia experiências cada vez mais ricas.

Nesta entrevista exclusiva para o ViagemdeMoto.com, Raphael  nos conta um pouco sobre sua viagem e dá dicas para quem pretende fazer uma aventura como a dele.

1. Como surgiu a ideia de fazer uma viagem de moto pela América do Sul?

O Expedição Lost Lander nasceu em 2013 quando, ao tirar férias do serviço, resolvi viajar de última hora. Simplesmente peguei minha mochila e resolvi fazer a Estrada Real – Caminho Novo, que vai de Ouro Preto (MG) ao Rio de Janeiro (RJ) com minha moto. Chegando ao Rio fiquei em um Hostel (Albergue) onde conheci pessoas de várias partes do mundo com quem tive uma enorme experiência, melhorei minha comunicação em outras línguas e conheci mais sobre o modo de vida delas. Também pude conhecer a cultura de cada cidade da Estrada Real, do Rio de Janeiro, onde existem ótimos lugares para visitar e do Espirito Santo, para onde fui depois. Após essa experiência, percebi que deveria viajar para outros países, para melhorar minha comunicação com pessoas de outras línguas e conhecer outras culturas. Mas o principal motivo é que descobri que viajar e conhecer era minha verdadeira paixão na vida. Então comecei a montar um projeto de viagem.

2. Por quanto tempo você estudou e se planejou para a viagem?

O planejamento foi de exatamente 1 ano, de dezembro de 2013 para iniciar a viagem em dezembro de 2014. Fiz um roteiro todo planilhado, com todos os gastos com alimentação, gasolina e outras despesas com a moto. Criei uma página no Facebook e um grupo no WhatsApp onde passei a publicar informações sobre a viagem. Os amigos passaram a me acompanhar, os amigos dos amigos também e começaram a me convidar para visitá-los e passar uns dias em suas casas. Fui recebendo convites para ir a lugares onde iriam me hospedar, reduzindo meu custo e muito. Fiquei apaixonado por essa vida nômade e a viagem já dura 5 meses.

3. Como você estabeleceu o roteiro?

No começo eu procurei cidades grandes pois tudo é mais fácil, tem mais estrutura de serviços, tem hostel, e como eu vivo em cidade grande e adoro, queria conhecer outras cidades grandes. Mas ao conhecer a simplicidade das cidades pequenas e o aconchego que as pessoas lhe dão ao te receber, mudei muito de opinião e passei a visitar também as cidades pequenas.

4. Quantos quilômetros, estados brasileiros e países pretende percorrer?

Até agora foram cerca de 16.000 km. Saí de Minas Gerais passei pelo Estados de São Paulo e Paraná, depois fui ao Paraguai, Argentina, Chile, Bolívia e Peru.

5. Quais as principais preocupações que você teve durante os preparativos?

Atravessar sozinho o Deserto do Atacama ou sofrer algum acidente na estrada. Outra preocupação muito grande era com policiais corruptos, sobre os quais sempre li relatos de outros motoviajeiros que tiveram problemas. Mas a coragem e a força de vontade foram maiores que o medo e eu segui em frente com meus planos.

6. Quais acessórios você instalou na sua moto?

Coloquei pneus mais largos e para todo o tipo de terreno, um banco mais confortável, feito sob medida, reforço no chassi e no quadro da moto para aguentar mais peso no baú. Em cima do baú eu fiz uma peça com a parte traseira de uma geladeira que está sendo muito útil. Instalei protetor de motor e descanso de perna, protetor de mão e manetes e no decorrer da viagem uma bolha corta vento.

7. Quais equipamentos (roupas, luvas, etc.) você está utilizando? Depois de cumprir boa parte do percurso, você considera que são os mais adequados?

Uso uma calça semi-impermeável e com proteção da X11, jaqueta semi-Impermeável Texx 2 com proteção, meu colete de couro com a logo da viagem, 3 tipos de luvas diferentes, roupa térmica, bota, balaclava e capa de chuva.

Até agora tudo corresponde bem as expectativas. As roupas dizem ser impermeáveis, mas depois de algumas horas de chuva acaba atravessando água, mas seguram bem até achar um bom lugar para parar e colocar a capa de chuva por cima.

8. O que está levando na bagagem? Depois de cumprir boa parte do percurso, você considera que são os mais adequados?

Eu levo um kit de ferramentas, com alicate, chaves de vários tipos, fita isolante, lanterna, presilhas, cordas, câmera de ar, lâmpada, dentre outras, e até agora tudo foi útil e não fiquei na mão nenhuma vez.

9. Quais documentos foram necessários?

Habilitação, Passaporte e/ou identidade com menos de 5 anos de expedição, documento da moto em seu nome, e seguro internacional que varia de pais para pais. É aconselhável também ter o seguro saúde, pois alguns países não tem saúde publica e caso você sofra um acidente ou fique doente terá que pagar um hospital.

10. Você fez algum tipo de seguro pessoal ou para a moto?

Fiz seguro carta verde para a moto. Não fiz seguro pessoal, mas aconselho fazerem.

11. Você teve problemas com o clima?

Eu tive todos os tipos de climas possíveis, passando de 45 graus a -10ºC. cheguei a 5 mil metros de altitude, onde é muito difícil de respirar, enfrentei mais de 6 horas de chuva, além de neblina e granizo.

12. E com relação à segurança? Dá para viajar tranquilamente ou é preciso alguma atenção especial com relação às condições das estradas ou violência?

Viajar é muito bom, mas também é perigoso, principalmente em lugares turísticos que atraem muitos delinquentes e assaltantes. Por mais hermoso que o lugar seja, sempre fique atento ao seu redor. Eu não tive nenhum problema com ladroes, apenas com policia corrupta.

Em relação às estradas você tem que ficar atento sempre, a qualquer momento pode ter um buraco que você não esperava, ou em lugares inóspitos, cheguei a pegar mais ou menos 1000 km de terra em alguns países.

13. Teve alguma dificuldade nas migrações e aduanas?

Minha primeira aduana entre Brasil e Paraguai foi tranquila, apesar do fluxo grande de pessoas e veículos. Depois do Paraguai, fui para a argentina. Tentei ir de balsa, mas o vento estava muito forte e, depois de 3 horas de espera, resolvi ir a uma outra fronteira onde me pediram propina na aduana. Também fui extorquido na fronteira da Bolívia com peru. Nas fronteiras do Chile os agentes são muito rígidos, podendo demorar horas, mas por viajar sozinho, a policia de aduana sempre me passava rápido.

14. Qual foi a maior dificuldade do trajeto até agora?

Tive dificuldade para comprar gasolina na Bolívia. Eles até vendem para estrangeiros, mas muito mais caro. Para boliviano custa 3 pesos e estrangeiro paga 10 pesos. E é uma lei daquele país. Além disso, por algum motivo de cultura, não sei dizer, quando vendem é só depois de muita insistência.

Tive problema com policiais corruptos em todos os países que passei, exceto no chile.

Com relação às estradas, na Bolívia e peru, além de atitudes de 3 a 5 mil metros, a chuva e o frio não deram trégua. Teve um trecho no peru, a quase 5 mil metros de altitude, que começou a chover forte, a pista simples atravessava uma montanha e não tinha acostamento para parar. Além da chuva, peguei neblina e, para piorar, granizo. Nesse trecho, à minha direita era um precipício e à minha esquerda ficava tendo pequenos desmoronamentos de terra. A chuva era tão forte que sentia molhando meus ossos. Para me distrair do frio eu ficava pensando em praia, sol e mar, com belas mulheres e uma boa cerveja. Ainda bem que consegui passar por tudo sem nenhum arranhão. Como dizem, o que não lhe mata lhe torna mais forte.

15. Ao todo, quanto gastou e quanto planejou gastar durante a viagem?

Essa pergunta é um pouco complicada. Eu fiz orçamento para um mês e já estou viajando há 5 meses. Sai do brasil com 4 mil reais em dinheiro, que troquei por dólar e fui trocando de acordo com a necessidade. Devo 3 mil reais de cartão de credito/debito ao banco.

16. Dos lugares visitados até agora quais você elege como especiais?

Depois de conhecer tanta coisa, tantas paisagens magnificas e principalmente os amigos que fiz por cada lugar que passei, é impossível eleger um lugar que eu mais gostei. Cada lugar tive uma experiência, vi uma paisagem diferente. Poderia dizer a imensidão do Salar de Uyuni, o céu estrelado do Deserto do Atacama ou as maravilhosas das Cordilheiras dos Andes cobertas de neve, mas o mais especial na viagem foram as amizades que eu fiz.

17. O que te surpreendeu positivamente?

A hospitalidade e bondade das pessoas. Nos momentos mais críticos que passei em minha viagem recebi ajuda, sem nada quererem em troca. Me ajudaram simplesmente por ajudar. No mundo existem muitas pessoas boas, fico feliz e não perco a fé na humanidade por isso.

18. Alguma experiência negativa?

Toda vez que eu vejo uma blitz policial eu imagino policia corrupta.

19. Pretende realizar outra viagem de moto no futuro? Para onde?

Sim, meu objetivo de vida é rodar todos os países do mundo de moto, tenho alguns próximos projetos em mente, mas prefiro pensar nisso quando voltar de viagem. O melhor jeito de não ter depressão pós viagem é começar a planejar sua próxima viagem.

20. Na sua opinião, o que um motociclista precisa ter para realizar uma viagem como essa?

Coragem e força de vontade. Não importa a cilindrada da moto, não importa o dinheiro, não importa se fala outras línguas, a vida é um eterno aprendizado e com uma viagem dessas você se conhece, conhece mais sobre as pessoas, conhece mais sobre o mundo, então, viaje, se arrisque, quebre paradigmas. E nunca se esqueça: o mundo não está nos seus livros e seus mapas, o mundo esta lá fora.


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