A Expedição Tripartito

A Expedição Tripartito foi realizada no ano de 2012, quando percorremos com nossas motos os confins da Bolívia e Peru por mais de trinta dias. Passamos ainda pelo Chile e Argentina para podermos chegar ao “Hito Tripartito” um obelisco que está localizado na tríplice fronteira entre Chile, Bolívia e Peru.

No dia 19 de julho deste ano realizamos uma palestra sobre a Expedição Tripartito durante o “Julho Azul” evento anual criado e promovido pelo Conselho Local de Saúde da Fazenda do Rio Tavares em Florianópolis, SC, com ações voltadas para a saúde do homem.

Durante uma conversa com os organizadores, eles me disseram que nas versões anteriores houve pouco público e assim me dispus a fazer a palestra e convidar alguns amigos pela internet. Dentre as várias atrações do evento tive a honra de palestrar para um seleto grupo de amigos motociclistas que fizeram do evento um sucesso.

Na palestra foram mostradas paisagens e estradas de tirar o fôlego dos participantes e tive a oportunidade de compartilhar um pouco da minha experiência durante essa grande e incrível viagem. O evento contou com a presença do próprio Rigon Hoch (Uma lenda viva das viagens off Road pela América do Sul e criador do roteiro da Expedição Tripartito) e do MC Free Riders dando uma pitada a mais de aventura e experiências nas viagens de moto.

by
André Luís Pereira


Um marco de concreto no meio do Altiplano, simples e interessante como um poste, mas vigiado por três países. Foi o que motivou o início do projeto de uma viagem de moto espetacular pela Cordilheira dos Andes. “Tripartito”, é o nome dele e define a Tríplice Fronteira, entre a Bolívia, Chile e Peru, além de dar o nome a nossa expedição.

Depois de muita pesquisa, tracei uma rota de ida e outra de volta, utilizando, sempre que possível, caminhos pouco conhecidos pela maioria dos viajantes. A minha companheira de viagem, mais uma vez, foi a Ténéré 89. Já são 19 anos de parceria, incluindo aí sete viagens pela América do Sul. Orlando Venera, de Jaraguá do Sul-SC e sua Ténéré mais nova, ano 1990, aceitou o desafio, assim como André Luiz Pereira, de São José-SC, que completou a família Ténéré, com a sua modelo 2012.

Para incrementar ainda mais o projeto, aproveitei meus últimos dias trabalhando na fundição e confeccionei várias placas de alumínio, com o nome dos principais objetivos da viagem e a logomarca da expedição. Estas placas fixamos no local, marcando as respectivas coordenadas no GPS. Coordenadas que serão publicadas aqui. Assim, quem estiver na região, pode tentar encontrá-las e registrar o achado. No total, 12 placas foram fixadas.

A saída:

Dia 23 de setembro de 2012, foi a data escolhida. Seguimos direto para a Bolívia, mas antes aproveitamos para conhecer a Estrada Parque Pantanal Sul, próximo a Corumbá-MS. Em plena seca, centenas de jacarés se apertavam nas poucas lagoas que restavam, enquanto os peões guiavam o gado, pela estrada, para lugares com melhor pastagem.

Bolívia:

Na fronteira, um clima de insegurança pairava no ar. Conseqüência de recentes assaltos a brasileiros, incluindo motociclistas, mas não constatamos nada disso.

A brincadeira mesmo começou na Ruta-4, que é a estrada mais antiga entre Santa Cruz de La Sierra e Cochabamba. Um caminho de serra, que marca o início da Cordilheira dos Andes. Iniciamos ali também, os testes práticos das nossas habilidades off-road, ao visitar lugares como, “Los Volcanes”, montanhas de arenito que lembram vulcões, escondidas num vale de mata preservada, dentro do Parque Nacional Amboró. As ruínas de “El Fuerte de Samaipata”, próximo a cidade de mesmo nome. Ao sul de Cochabamba, visitamos o Parque Nacional Toro Toro. Cânions, cavernas, a incrível “Ciudad de Itas”, cachoeiras e muitas pegadas de dinossauros, são alguns dos atrativos da região. Um caminho todo pavimentado com pedras redondas, fixadas como paralelepípedos, com mais de 100 km de extensão, nos levou até a cidade de Toro Toro. Ali contratamos um guia, para visitar a região. No mínimo 2 dias são necessários para conhecer todo o parque.

Cordilheira Tunari:

A partir de Cochabamba, que está a 2.500 metros acima do nível do mar, o nosso roteiro seguiria somente por altitudes ainda maiores. Hora de ajustar a carburação das velhas Ténérés. Mudamos os giclês, por menores e baixamos totalmente as agulhas.

Cochabamba sumia, entre montanhas de pura rocha, enquanto atingíamos cada vez mais altura, nas encostas da Cordilheira Tunari. O caminho, também pavimentado com pedras redondas, nos levou até os 4.485 metros de altitude. Ali também, a “Expedição Tripartito”, alcançou seu primeiro objetivo, gravado em placa de alumínio. Fixamos a placa “Tunari”, numa rocha ao lado da estrada, com as devidas coordenadas registradas no GPS. Gostamos da brincadeira, pois saímos dali decididos a chegar no próximo objetivo, ou a segunda placa.

As motos se comportaram muito bem na altitude, motor funcionando normal, sem falhas. A 660 então, sem comentários, tudo perfeito. Ao final de dois dias, passamos Morochata, Independência, cruzamos o Rio Sakambaya, para chegar em Inquisivi e finalmente em Quime, onde abastecemos. Média de 20km/l para Ténéré do André e do Venera, a minha ficou em 18 km/l. Excelente, considerando as condições do caminho.

Cordilheira Quimsa Cruz:

A nossa próxima Cordilheira, Quimsa Cruz, apresenta altitudes ainda maiores, vários picos nevados, lagunas e geleiras da era glacial. Iniciamos a “escalada” em estrada asfaltada, mas por poucos quilômetros, pois logo desviamos em direção a Mina Viloco. Novamente um caminho sinuoso, de rípio, onde a cada curva, montanhas cobertas de neve surgiam a nossa frente. Impossível não parar para fotografar, principalmente quando começaram a surgir as lagunas verdes ou azuis, de águas cristalinas, completando um cenário perfeito de montanha.

O caminho atinge a altitude máxima, 5.145 metros, hora de fixar a segunda placa, “Quimsa Cruz”, ao lado da estrada. Também deixamos ali uma garrafinha de cachaça brasileira. É só ir lá provar e curtir o visual! Continuamos curtindo o visual do Cerro Gigante enquanto contornávamos uma laguna para voltar a descer até os 1.750m no Rio La Paz. Clima árido e temperatura inversamente proporcional à altitude, em torno dos 35°C. Mas foi por pouco tempo, na outra margem voltamos a subir em direção a Cohoni.

Povoado de montanha, onde a linguagem usada entre eles é o Aymara. Hotel, pousada ou restaurante não existem ali. Porém, três estranhos de moto, parados na praça, chamam muito a atenção e logo juntou-se uma multidão na volta. Conversa daqui, pergunta ali e logo conseguimos um quarto, numa casa particular. Mais tarde, o proprietário nos levou a uma venda, onde jantamos, ao som de um violeiro, que já tinha tomado todas.

Pico Illimani:

O povoado de Cohoni está localizado aos pés do Pico Illimani, uma das montanhas mais altas da Bolívia, com 6.462m de altitude. Dali também parte um caminho até o acampamento base, que é utilizado pelos alpinistas. O nosso objetivo era chegar ali de moto e colocar mais uma placa.
No princípio um nevoeiro encobria o cume, mas logo fomos presenteados com um céu azul, que permitiu toda visualização possível da montanha. Grossas camadas de neve, entre escarpas de pura rocha, marcam as partes altas do Illimani. Um caminho difícil, com muita erosão, onde a neve e os riachos congelados, derretiam com o calor do sol, nos levou até lá. Deixamos a terceira placa, “Illimani”, próximo ao acampamento base e voltamos para Cohoni.

Dali partimos para La Paz, hora do André assumir a dianteira e achar o caminho no GPS, através daquele trânsito doido. Nada como a tranquilidade das montanhas, voltamos para elas o mais rápido possível. Dos 4.670m de La Cumbre, seguimos para os 1.700 metros, de Coroico, na região dos Yungas.

Cordilheira Real:

Após uma noite de descanso em baixa altitude, voltamos a subir, através da famosa “Ruta de la Muerte”. Hoje, depois da construção da rodovia nova, praticamente só é utilizada por turistas. Mas o visual continua o mesmo e uma queda no abismo, também. Várias cruzes ao longo do caminho, lembram a época em este era o único caminho para Coroico.

Nosso primeiro objetivo na Cordilheira Real, foi chegar na antiga estação de esqui, no Cerro Chacaltaya, a 5.200 metros de altitude. Era a estação mais alta do mundo, mas devido ao aquecimento global, parou de operar por falta de neve, mesmo no inverno.

Continuamos avançando entre as montanhas, rodando por antigas estradas mineiras. O caminho atinge novamente 5.100 metros de altitude, com direito a uma vista espetacular, do lado oeste do Cerro Huayna Potosí e a geleira na sua encosta. À frente, as montanhas do Grupo Condoriri, formado por vários picos nevados. Além disso, o terreno onde nos encontrávamos, lembrando dunas, porém sólidas, permitiam passeios para várias direções e novas descobertas. Pena o dia estar terminando. Sol no horizonte e temperatura em queda livre, eram os avisos para subir nas motos e descer a montanha. Mas antes, fixamos a quarta placa, “Real”.

Cordilheira Apolobamba:

Pela manhã partimos em direção à Cordilheira Apolobamba. Localizada ao norte da Bolívia, é preciso primeiro margear o Lago Titicaca, até próximo à fronteira com o Peru, mais precisamente, até a cidade de Escoma. Foram mais de 150 km curtindo o visual do lago navegável mais alto do mundo e berço da civilização Inca.

O caminho para Apolobamba segue paralelo à fronteira com o Peru, por este motivo é muito vigiado pela polícia. Em cada entrada de povoado, era preciso mostrar os documentos e responder a algumas perguntas. Apenas burocracia, mas nos tiravam preciosos minutos, que somados, nos atrasaram e, conseqüentemente, não chegamos em Pelechuco, a meta do dia.

Ficamos numa vila às margens da Laguna Cololo, a 4.700 metros de altitude. Com a temperatura próximo de zero e caindo, o melhor a fazer era encontrar um lugar para nos abrigar. Digamos que o lugar, em termos de higiene, era péssimo, mas serviu para nos livrar do frio da noite e naquela altura do campeonato, era o que importava.

Amanheceu, gelo sobre a moto, sem café, sem banho, voltamos para estrada. O bom é que o nosso humor estava ótimo e tudo virava piada. O tempo não melhora, continua fechado, ameaçando nevar e encobrindo todo o visual das montanhas.

Chegamos assim a Pelechuco, última cidade do Departamento de La Paz. A cultura teve forte influência espanhola, tanto que uma tourada iria acontecer naquele dia. Aproveitamos o tempo ruim e ficamos para assistir o espetáculo na praça central. O estilo é, larguem os touros e salve-se quem puder! Só pra rir.

No dia seguinte voltamos pelo mesmo caminho até o alto da Cordilheira Apolobamba. A parada em Pelechuco não foi em vão, como um presente, o nevoeiro foi dissipando e conseguimos aproveitar toda a bela paisagem da Cordilheira, o difícil é dizer qual delas é a mais bonita. No ponto mais alto, entre duas lagunas, deixamos mais uma placa, “Apolobamba”.

La Rinconada:

A partir de Suches, cidade mineira, próximo da fronteira com o Peru, fizemos uma visita rápida ao país vizinho. Entramos informalmente, pois não há migração por ali.

A intenção era conhecer La Rinconada, a cidade mais alta do mundo, a 5.400 metros de altitude. Há muitos anos acharam ouro abaixo das geleiras, na região e, conseqüentemente, todos correram em busca do metal precioso. Hoje mais de 30 mil pessoas vivem no local, trabalhando em minas de até 700 metros de profundidade, em condições sub-humanas, tentando a sorte grande.

A cidade fica a poucos quilômetros da fronteira e em menos de uma hora estávamos lá. Poderia ter sido menos, não fosse a dificuldade de encontrar o caminho entre uma infinidade de buracos escavados em busca do ouro. A entrada é pelo lixão, na verdade havia lixo por toda parte, apesar dos avisos pintados nas paredes dos barracos. “No botar basura, pena, MASACRE!” Será?!?

Depois destas boas vindas, não ficamos muito tempo, apenas conversamos com alguns mineiros, sobre como era viver ali e voltamos para Bolívia, deixando mais uma placa da expedição, na entrada da cidade, “La Rinconada”.

De volta ao Lago Titicaca, chegamos a Puerto Acosta, já a noite. Porém, na aduana, a triste notícia. Havia aduana sim, mas migração, não. Resumindo, teríamos que voltar mais 170 km, até Copacabana, além dos 180 km que já havíamos voltado. Tudo bem, já contava com esta possibilidade, mas que é chato voltar, isso é!

Eram 10h30min da manhã quando entramos em Copacabana, a cidade boliviana melhor estruturada para receber o turista. Bares, restaurantes, hotéis, artesanatos, turistas de todas as partes do planeta, ou seja, um mundo totalmente diferente do que havíamos encontrado até ali. O André e o Venera se juntaram e fizeram um motim, um dia de descanso na cidade e não se discute. Venceram!! Aproveitamos para comprar alguns “regalos”, para as esposas e descansar, apenas curtindo o lugar.

Cordilheira Vilcanota:

Mas no dia seguinte, a viagem continuou e finalmente entramos no Peru. Sicuani foi a nossa primeira parada. Perto dali, em San Pedro, visitamos as ruínas do Templo Inca de Wiracocha. De onde também parte a estrada para a nossa quinta cordilheira, Vilcanota. Um caminho tranquilo, passando pelo povoado de Santa Bárbara, nos levou até os 4.900 metros de altitude, às margens da Laguna Sibinacocha.

Deixamos a nossa sétima placa, “Vilcanota”, às margens da laguna, tendo os picos Ausangate, Huayruro Punco e o Nevado Chumpi, à nossa frente e o Campo de Gelo Quelcaya, com mais de 12 km de extensão, atrás. Feito isto, voltamos para Sicuani.

Nascente do Amazonas:

O caminho para nascente inclui o Cânion Suykutambo, formado pelo Rio Apurimac, principal formador do Rio Amazonas. A estrada corta o cânion de ponta a ponta, são mais de 20km margeando o rio, entre paredões de rocha, incluindo aí as ruínas Incas de Maukallaqta e Maria Fortaleza. O ponto mais bonito é o lugar chamado de “Tres Cañones”, onde três cânions se juntam, formando um.

Continuamos subindo o Rio Apurimac, até tomarmos à esquerda, passando por um divisor de águas. De um lado a água segue para o Atlântico, é o início da bacia hidrográfica do Amazonas e do outro para o Pacífico.

Seguimos para Chivay para pernoitar, pois a jornada até a nascente merece um dia completo. Lá conhecemos o Vale do Colca, que é considerado o cânion mais profundo do mundo. No mirante “Cruz del Condor”, presenciamos vários rasantes deste gigante do ar, o Condor.

O André, ainda sofrendo com a altitude, ficou em Chivay, enquanto eu e o Venera partimos para a nascente. Rodamos de moto até as 10 horas, passando inclusive, sobre a primeira ponte do Rio Amazonas. Depois, somente a pé.

Iniciamos a caminhada calmamente, devido à altitude, 4.700 metros. Entramos na Quebrada Carhuasanta, a vertente principal, bem fisicamente. Dali foram mais duas horas, para avistar o paredão de onde verte a água. A esta altura, a coisa já não ia tão bem. Com 5.000m de altitude, cada passo é um esforço tremendo e quanto mais perto, mais complicada a coisa ficava. Quando finalmente avistei a fonte, com mais de 4 horas de caminhada, ela estava a menos de 100 metros de distância, mas para superar as pedras no caminho, foram necessários mais 30 minutos.

Foi emocionante chegar ali, superando as dificuldades de uma caminhada de 12,5km e os 5.173m de altitude. Estar na nascente do maior rio do mundo, merecia uma placa da nossa expedição, que foi devidamente fixada numa pedra. Enchemos o cantil com a água gelada e cristalina, que surge de uma rachadura na rocha e nos preparamos para voltar, pois já eram 3h30min da tarde e com uma nevasca fina no ar, tínhamos que chegar às motos antes do anoitecer.

Teoricamente a volta é mais rápida, mas o cansaço era grande, ao ponto de obrigar uma parada a cada 200 ou 300m. Mesmo assim, chegamos depois de 4 horas de caminhada, junto com o anoitecer. A temperatura negativa não abalou o ânimo de montar nas motos e vencer a trilha até Chivay.

Lá o André já estava a ponto de contatar o Grupo de Salvamento de Montanha, que ficava em frente ao hotel, pois chegamos perto das 10 horas da noite. Mas eu e o Venera só queríamos comemorar, conseguimos!!

Tripartito:

Nosso próximo objetivo era o principal, chegar no Hito Tripartito, entre as fronteiras do Chile, Peru e Bolívia. Voltamos para a Bolívia por Desaguadero, de onde seguimos para San Andres, Santiago de Machaca, Berenguela e Charaña, cidade próxima à tríplice fronteira.

Pela manhã, o prefeito da localidade veio conversar conosco. Vocês são os primeiros brasileiros de moto a passarem por aqui, disse ele. Se é verdade, não sei, o fato é que encheu a gente de orgulho e prometemos divulgar o lugar no Brasil. O “Tripartito”, fica a 12 km ao norte dali e em poucos minutos estávamos lá.

Depois de 23 dias de viagem, ali estava ele, “um marco de concreto no meio do Altiplano, simples e interessante como um poste, mas vigiado por três países”. Imediatamente colocamos as motos ao lado dele e tiramos fotos de todos os ângulos, era preciso registrar aquele momento. Deixamos a placa da expedição nas proximidades e a parte “vigiado por três países”, se confirmou, pois um grupo de militares surgiu, para a ronda da manhã. Estes também comentaram, que nós éramos os primeiros brasileiros de moto por aquelas redondezas, até começamos a acreditar.

Parque Nacional Sajama:

Do Tripartito voltamos para Charaña, de onde seguimos em frente, sentido Parque Nacional Sajama. Ali se encontra o pico mais alto da Bolívia, o Nevado Sajama, com 6.542 metros de altitude, além de lagunas, águas termais e outros vulcões, como o Pomerape e Parinacota, na fronteira com o Chile.

Próximo ao imponente Sajama, deixamos uma placa em nome de todos os integrantes do “VMAS”, (Viagens de Moto na América do Sul) um grupo de amigos virtuais, que trocam experiências e adoram viajar de moto. Muitos já se tornaram amigos reais, como eu e o André. A placa “Espírito VMAS”, traduz esta idéia.

Pernoitamos em Tambo Quemado, fronteira com o Chile. Naquela noite o André tomou a decisão de descer para Arica. Vários dias seguidos, sofrendo com o mal da altitude, estavam deixando-o cada vez mais fraco e como pela frente teríamos estradas com muita areia, ele achou melhor desistir. Vendo o estado dele, preferi não insistir que continuasse. Iria seguir pela Pan-Americana, próximo ao nível do mar, para se recuperar.

Salares de Coipasa e Uyuni:

Depois de uma noite gelada, seguimos em direções opostas, André para o Chile e eu e o Venera pelo altiplano boliviano, sentido Salar de Coipasa. Utilizamos a Ruta Intersalar que forma o Circuito Ecoturístico do Rio Lauca. Ali se encontram várias “Chullpas”, onde eram deixados os corpos dos caciques Aymáras.

Em Sabaya conseguimos gasolina para seguir em frente até a vila de Coipasa. O único problema é que não havia nada lá. Contamos apenas com a ajuda da Dona Petrolina, que arrumou um quarto para dormir e também fez a janta e o café da manhã. Uma pessoa super caridosa que não mediu esforços para nos ajudar.

Após o ótimo café da manhã, entramos no Salar de Coipasa, são 40km do mais puro sal. Seguimos na direção sul, sem saber onde era a saída, mas, conforme nos aproximamos da margem, os vários rastros iam se juntando, até formar um caminho único. Ali deixamos outra placa, “Coipasa”.

Um caminho com muita areia nos levou até Llica, passando pelo povoado de Challacollo ou Punta Arenas. Llica é a porta de entrada, do lado oeste, do maior salar do mundo, o Salar de Uyuni. Uma verdadeira auto-estrada partia dali, rumo ao infinito, pois nada era visível do outro lado, que está a 145km de distância, tendo apenas as ilhas do Pescado e Incahuasi no caminho. Tomamos esta direção e aceleramos. Com o sal totalmente seco e abrasivo, uma linha preta, deixada pelos pneus das pick-ups, mostrava a direção, era só acompanhar. Logo a primeira ilha começou a emergir no horizonte, parecia próxima, mas não chegava nunca.

Paramos na “praia” e fizemos um pequeno tour na encosta, caminhando entre os cactos gigantes. Em seguida, partimos para a próxima e mais visitada, a Ilha de Incahuasi. Antes de sair do salar, ainda visitamos o Hotel de Sal, todo construído em pedras de sal, inclusive os móveis.

Vulcão Uturuncu:

De volta ao deserto, seguimos por Vila Alota, para chegar nas lagunas Turquiri, Cañapa, Hedionda, Chiar Kota e Honda, todas repletas de flamingos. Depois passamos a famosa Arbol de Piedra e finalmente chegamos na Laguna Colorada. Um caminho difícil, com muitas pedras no começo e areia na sequência, recompensado pelo belo visual.

No frio da manhã visitamos a Laguna Colorada. Os flamingos ainda encolhidos, refletidos na água vermelha e gelada, davam um ar de tranquilidade e paz ao lugar. Na sequência, o geiser Sol de La Mañana, que se diferencia dos demais por ter lama, ao invés de água borbulhando nas fontes.

Quetena Chico foi a nossa base de apoio para subir o Vulcão Uturuncu. Deixamos toda a bagagem no alojamento e partimos rumo ao topo, ou até onde fosse possível chegar de moto. Um caminho difícil, com muita pedra lascada e solta, marcaram o início da trilha. Acima dos 5.000m de altitude, além do cascalho solto, típico dos vulcões, era preciso vencer a forte inclinação do caminho. Só conseguimos devido a redução da transmissão, de 15 para 13 dentes no pinhão e a boa regulagem no carburador. Gases de enxofre vertiam do chão, enquanto o caminho ia se tornando cada vez mais estreito, até sumir na encosta.

Fim da linha, conferimos no GPS, 5.777 metros, o nosso novo record de altitude. Para chegar ao cume, é preciso caminhar mais um pouco, até os 6.010m. Mas já eram 4 horas da tarde, não teríamos tempo para isso, apenas caminhamos até os 5.800 metros onde deixamos a placa “Uturuncu”, com muito orgulho.

A Volta:

Com os principais objetivos da nossa “Expedição Tripartito” alcançados, iniciamos a volta para casa. Ainda passamos pelas ruínas de San Antonio de Lipez, antiga cidade mineira e as formações rochosas de El Sillar, próximo de Tupiza. Descemos para Tarija, através da Cordilheira de Sama, onde definitivamente saímos da Cordilheira dos Andes. Hora de voltar a regulagem do carburador, para a nossa realidade.
Entramos na Argentina por Bermejo, de onde traçamos uma linha reta até o Brasil, através do Chaco.

A Marisa, minha esposa, já me esperava em Rio Negrinho, juntamente com amigos motociclistas. Dali seguimos em comboio até Jaraguá do Sul, onde um churrasco já nos esperava no sítio do Venera. Muitas histórias para contar, saudades para matar, amigos para rever, o dia foi curto!!

by
Rigon Hoch

Localização das placas:

Tunari: S 17° 14,622′ – W 66° 23,917′ , altitude 4.485m
Quimsa Cruz: S 16° 58,836′ – W 67° 24,196′ , altitude 5.152m
Illimani: S 16° 39,293′ – W 67° 49,181′ , altitude 4.362m
Real: S 16° 18,042′ – W 68° 11,789′ , altitude 4.972m
Apolobamba: S 14° 48,211′ – W 69° 10,867′, altitude 4.856m
La Rinconada: S 14° 42,387′ – W 69° 26,183′, altitude 4.794m
Vilcanota: S 13° 54,147′ – W 71° 00,413′, altitude 4.900m
Amazonas: S 15° 30,211′ – W 71° 41,564′, altitude 5.173m
Tripartito: S 17° 29,916′ – W 69° 28,091′, altitude 4.116m
Sajama (VMAS): S 18° 01′ 27,4″ – W 68° 57′ 39,5″, altitude 4.476m
Coipasa: S 19° 31′ 14,8″ – W 68° 22′ 41,0″, altitude 3.677m
Uturuncu: S 22° 15′ 35,1″ – W 67° 10′ 50,1″, altitude 5.793m


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