Chegando à França

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A viagem durou mais de onze horas e, apesar do relativo conforto a bordo, não consegui dormir um minuto sequer. Eu estava tenso. Era minha primeira vez na Europa e as notícias que chegavam ao Brasil falavam da rigidez com a entrada de estrangeiros. Todos os dias, uma leva de imigrantes ilegais aportava no continente, vindos de diversas partes do mundo. Além disso, os franceses tinham fama de serem pouco simpáticos com quem não falava sua língua.

Como me comunicaria sem falar francês? E se achassem que eu era um imigrante ilegal? Será que conheciam a fama dos valadarenses? Essas dúvidas martelavam minha mente, impedindo qualquer tentativa de relaxamento. Quanto mais o tempo passava e o momento do desembarque se aproximava, mais ansioso eu ficava. Foram meses planejando essa viagem, não podia ter problemas logo na chegada. O Vanildo havia me aconselhado a ficar tranquilo, mas o receio persistia.

Para evitar contratempos, trouxe comigo uma papelada digna de um dossiê: contracheques, extratos do imposto de renda, seguro-saúde com a maior cobertura possível, fotos de viagens anteriores, cópia do site traduzida para o francês, documentos da moto — tanto a do Brasil quanto a que usaria ali —, e-mails com os endereços onde ficaria hospedado, passagens de ida e volta, bilhetes do TGV e até frases impressas em português, francês e inglês, como “Desculpe-me, podemos conversar em inglês?”. Meu inglês era pobre, mas melhor que nada.

No fim, nada disso foi necessário. Desembarquei, esperei 40 minutos pelas bagagens e entrei na fila da imigração. Quando chegou minha vez, entreguei o passaporte e o documento do seguro. O oficial pegou apenas o passaporte, abriu na página com meus dados e foto, me olhou, folheou algumas páginas, pegou um carimbo, bateu e devolveu o documento. Apenas uma palavra: “Passê”.

ÊBA, TÔ NA FRANÇA!!!

O Vanildo já me esperava do lado de fora. Depois de um abraço forte, fomos procurar nosso transporte para a cidade. No Brasil, provavelmente pegaríamos um táxi, mas ali o esquema era outro. Após percorrer corredores, escadas e esteiras rolantes, embarcamos num pequeno trem elétrico que circula dentro do aeroporto. Ele nos levou até a estação do trem suburbano, onde um painel informava os tempos de espera: três minutos para o próximo e dezoito para o seguinte. Exatamente três minutos depois, a composição chegou.

O trem partiu rápido, passando por cidades nos arredores de Paris, com paisagens e construções que variavam entre o belíssimo, o pitoresco e o decadente. Muitos muros ao longo da linha estavam cobertos de pichações. No vagão, a diversidade de etnias me chamou a atenção. Além de turistas evidentes como eu, havia centenas de pessoas indo e vindo do trabalho, brancos, negros, mulatos, indianos, muçulmanos, orientais… Até alguns argentinos cabeludos, como aqueles das propagandas de cerveja antes da Copa. A sensação era de que Paris tinha mais diversidade que São Paulo.

Poucos minutos depois, desembarcamos numa estação movimentada e seguimos até a plataforma do metrô. Lá, os painéis informavam horários, mapas das linhas e indicações dos principais pontos turísticos da cidade. A pontualidade era impressionante, e em poucos minutos já estávamos dentro do vagão, onde observei a mesma diversidade de antes.

Nosso destino final era o apartamento da Roan, uma simpática inglesa amiga do Vanildo. Ela trabalhava na embaixada do Reino Unido em Paris, mas estava de mudança para seu país. Apesar da casa já estar empacotada, nos recebeu com hospitalidade. Tomamos um legítimo chá inglês, descansamos um pouco e trocamos de roupa antes de sair para explorar a cidade.

Nosso primeiro ponto turístico foi a Basílica de Sacré-Coeur, no alto de Montmartre. Quem disse que Paris não tem morros? A subida foi puxada, mas a vista compensava. A igreja, uma das mais icônicas da cidade, ficava no topo da colina e proporcionava uma visão panorâmica incrível da capital francesa. No caminho, passamos pelo famoso Cemitério de Montmartre, onde repousam figuras ilustres da história francesa. Um detalhe curioso: ao cruzarmos o muro do cemitério, ouvimos um corvo grasnar, como nos clássicos filmes de terror.

Depois da visita, seguimos para encontrar a Lívia, namorada do Vanildo. Ela estudava na Alemanha e estava em Paris para visitar a mãe, que passeava pela cidade com amigas. Conversamos, tomamos um bom vinho francês e aproveitamos a noite que começava a cair.

Para o jantar, optamos por um restaurante japonês. Os sushis estavam excelentes e a cerveja japonesa lembrava as artesanais de Belo Horizonte. Depois de comer, caminhamos por Montmartre, um bairro boêmio cheio de charme, com prédios de arquitetura típica parisiense, ruas estreitas e uma energia vibrante. Paramos numa loja, compramos duas garrafas de vinho e as bebemos ali mesmo, na rua, enquanto passeávamos. Passamos em frente ao lendário Moulin Rouge, um dos cabarés mais icônicos do mundo, imortalizado por sua fachada iluminada e história ligada à Belle Époque.

No meio da caminhada, encontramos um motociclista americano chamado Israel. Ele viajava pela Europa em uma BMW R80 que havia comprado na Inglaterra, mas estava com dificuldades para encontrar um hotel porque só tinha libras e dólares e não conseguia trocar o dinheiro naquele horário. Acabei ajudando, trocando 30 euros por 25 libras — um câmbio até favorável para mim.

O dia foi intenso, e meu corpo já não aguentava mais. Eu estava há 39 horas sem dormir, somando voo, caminhada, cerveja e vinho. O cansaço finalmente me venceu, e tudo o que lembro é o que relatei acima. Hora de dormir, porque amanhã Paris nos espera novamente.


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