Estou a cerca de 30 km da fronteira com o Nepal. O primeiro carro de matrícula nepalesa passa por mim. Ao verem as duas bandeiras (Nepal e Portugal) abrem o vidro, gritam e acenam. Não evito as lágrimas, ao mesmo tempo em que rio.
Com uma palmada na burrinha atrevo-me a soltar o primeiro grito: “está quase, vou conseguir”.
Há semanas que a viagem é feita de objetivos diários, quando não mais pequenos. Chegar ao Nepal já era uma vitória, ainda que faltasse atingir Katmandu.
O Projeto
Ligar Faro em Portugal a Katmandu no Nepal conduzindo uma moto Honda PCX125, numa viagem a solo.
Seriam 11.787 km a percorrer para levar ajuda e esperança às vítimas do terramoto que assolou aquele país em 2015. Tinha que despertar consciências, buscar patrocínios, montar um plano de viagem. Tinha ainda por objetivo divulgar o mais possível o trabalho da associação “Obrigado Portugal” e com isso atrair fundos para o projeto “Our Dream Village”, a reconstrução de aldeias destruídas nas montanhas perto de Katmandu. A primeira dificuldade seria obter autorização em casa. Decidi pedir a minha companheira em casamento, depois disso ela não me diria que não a nada…
O terramoto ocorrera no dia 25 de Abril do ano anterior. Estava assim decidida a data da partida. Um ano depois e tentaria chegar no dia 10 de Junho, dia de Portugal.
Uma das coisas que recordo com gratidão é nunca ter ouvido um não a todas as portas a que bati pedindo ajuda.
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa decidiu abraçar o projeto assegurando a sua viabilidade. Isso permitiu canalizar alguns outros apoios diretamente para o objetivo da viagem.
O roadbook estava feito, com a ajuda de um amigo, que de resto viria a ser o meu “campo base” durante a viagem. No dia que lhe pedi ajuda disse: “como não vou conseguir demover-te da ideia, vou tratar de conseguir que lá chegues em segurança”.
A viagem
Este não é o relato de belas paisagens e de sítios magníficos. É a descrição de uma viagem de gentes. Daquelas que por cá ficaram, mas que comigo viajaram, empurrando-me sempre em direção ao destino. Dos amigos de sempre e dos que se juntaram e dos que fui encontrando, que me abrigaram, ajudaram e protegeram.
Dez países, dez nações diferentes unidas por uma mesma verdade. A de que em todo o lado existe gente boa, coisa que muitos teimam em negar. Em todos eles o viajante solitário é respeitado, em todos me fizeram sentir que mais que esperarmos ser bem recebidos, importante é deixarmos a recordação de que merecemos esse bom acolhimento.
Esta coisa de viajar em solitário não é certamente para todos. Em alguns momentos duvidei se o seria para mim.
É importante que a competição, a existir, seja somente conosco próprios. No fim de contas, só nós mesmos temos o direito e a capacidade de avaliar o resultado e o desempenho de uma viagem destas. Sinto que ganhei o “meu” prémio logo no primeiro dia em que me predispus a fazer esta viagem.
Se há testemunho que gostaria de deixar é o de que não há modelos de viagem mais válidos que outros. Não existem heróis da estrada.
A verdadeira valentia é a de sabermos reconhecer as nossas limitações e aceitá-las. O desafio é tentar andarmos perto delas.
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