E por fim estou no Nepal. Como venci a corrida contra a monção, sinto que já nada poderá ser pior do que o que acabei de passar na Índia. Adoro as montanhas ao longe, adoro a simpatia dos locais. Não consigo apagar da cara um sorriso meio tolo.

No dia seguinte o destino é a selva de Chitwan. E com isso estou a um dia de Katmandu, se as estradas, o trânsito e as chuvas o permitirem. Durante toda a noite choveu aqui na orla da selva. Acordo ao som dos elefantes sendo preparados para mais um dia de trabalho. Um guia, o Aasish, com quem fiz amizade, acompanha-me até a estrada principal, alertando-me para ser rápido para chegar à estrada das montanhas. Devido à chuva das monções ela será encerrada dentro de uma hora para reparações só reabrindo no meio da tarde. Para poder chegar a Katmandu ainda hoje, terei de passar antes. Eu e os milhares de caminhões e carrinhos que têm a mesma intenção.

Viagem de moto Nepal

Conduzir no Nepal é parecido com conduzir na Índia com a diferença de ser em alta montanha e em estradas que em alguns pontos, já lá não estão. Deslizaram montanha abaixo.

Assim, fazendo parte de uma interminável caravana, vou-me esgueirando por entre o pouco espaço deixado pelas duas colunas de caminhões que se cruzam, tentando evitar as crateras no piso da estrada.

Viagem de moto Nepal

Após um percurso de 50 km que levo muitas horas para percorrer, são talvez 15 horas quando finalmente chego à estrada principal que me levará a Katmandu. Curiosamente, todas elas são chamadas de highways . Estou a cerca de 120 km do destino e sinto-me cada vez mais perto. Apesar do grau de dificuldade da condução, a paisagem arrebatadora e o objetivo que está tão perto fazem com que cante e grite em cima da moto, deitando para fora toda a tensão acumulada nas últimas semanas.

Chegar a Katmandu implica uma última subida, para descer então o vale de entrada na cidade. A chuva volta e numa das últimas curvas da subida quase tenho o acidente que durante toda a viagem tanto tinha evitado. Uma lomba no alcatrão, saída de repente de debaixo da traseira de um caminhão quase me atira ao chão, lembrando-me que está quase, mas que ainda não cheguei.

Finalmente atinjo o check-point no alto do vale e assim inicio a descida lamacenta que me leva ao trânsito caótico desta cidade.

Já bem dentro da cidade passo por duas ocidentais, que de rosto tapado por máscaras de proteção da poluição, me gritam e acenam. Tenho dificuldade em reconhecer a minha mulher e a Francisca, representante da Associação Obrigado Portugal.

Havia chegado…

Viagem de moto Nepal

Conduzem-me então para o hotel Dwarikas, onde somos convidados a permanecer nos próximos dias aguardando a chegada do cônsul de Portugal, que nos acompanhará às portas do Campo Esperança para a cerimônia de chegada. Tento reunir as últimas forças para o momento.

Assim, uma hora depois, chegamos às portas do Campo Esperança. Este era o ponto de referência com que havia sonhado desde o primeiro dia.

Uma multidão recebe-me e saúda-me. Após a cerimónia de fotos, oferta de faixas tradicionais e uma música entoada pelas crianças, um momento mágico. Anuh, uma criança de olhar doce, sem dizer palavra, toma-me pela mão e leva-me a conhecer o Campo.

Viagem de moto Nepal

Voltarei nos dias seguintes e terei então ocasião de conhecer a rotina diária desta gente, as dificuldades por que passam e o trabalho extraordinário que tem sido feito em seu auxílio.

Entretanto, nos dias seguintes, chego à conclusão que será impossível atingir um dos objetivos desta viagem. Era minha intenção oferecer a moto a uma das famílias apoiadas pela Associação. Porém, a exigência do pagamento de taxas de importação elevadíssimas inviabiliza essa opção. Nem a intervenção do Cônsul de Portugal consegue desbloquear a situação. Restará a opção de enviar a moto de volta para Portugal por via marítima.

Tenho ainda oportunidade de visitar a aldeia de Bistagaun, nas cercanias de Katmandu, onde foram reconstruídas as primeiras 22 casas destruídas pelo terramoto. São momentos muito especiais, sentir a gratidão destas pessoas pelo auxilio prestado.

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Sou também convidado a conhecer Shanti Sewa, uma ONG alemã, com um trabalho notável em prol de vítimas de lepra e poliomielite. São todos eles oriundos da casta dos Intocáveis

E é um momento muito especial para mim quando me convidam para que fale a todos eles sobre a minha viagem e a mensagem que trazia. Sou recebido com um carinho que ficará comigo para o resto dos meus dias.

Viagem de moto Nepal

Entretanto, enquanto vai sendo tratada a questão do envio da moto, eu e a minha mulher aproveitamos para conhecer melhor o país. Voltamos à selva de Chitwan e visitamos Pokhara, tendo assim oportunidade de conhecer um pouco das maravilhas que este país tem para oferecer.

Voltamos depois para Katmandu onde finalmente consigo tratar do envio da moto, não sem antes dar uma entrevista para o The Himalayan Times que se interessou por divulgar a aventura e o seu objetivo. Voamos então via Dubai com destino a Lisboa, onde apanhamos o trem que nos leva a Faro, pondo fim a esta aventura.

Sonhar e acreditar que valia a pena tentar, levou-me a viver a maior aventura da minha vida, com a recompensa de poder contribuir para algo de maior.

“Não tem que ver com o que eu faço, mas com o que tu podes fazer também”


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