Na solidão do meu capacete… A viagem

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O livro “Na solidão do meu capacete… A viagem”, é o relato da viagem de moto realizada em 2009 pelo seu autor, Mauro Coutinho Damasceno. Durante essa viagem, que durou 118 dias, ele percorreu 30.000 km de estradas de todos os estados brasileiros, as principais cidades, a Ilha de Marajó, Distrito Federal, e todas as capitais.

“Arrumo a bagagem, faço uma breve oração pedindo proteção ao Pai Divino, antes de ligar o motor converso com a minha moto, trato-a como um cavalo manso e dócil, e peço-lhe que me leve longe, muito longe… Na garupa leve do vento macio, sempre no mesmo passo, como um sonho bom. Ligo o motor, um ronco suave e ritmado, me remete a pensamentos mais íntimos, e permaneço ali por alguns instantes imerso em minhas lembranças e devaneios.

Afivelo o capacete, acelero a moto e pego a estrada. É sempre bom descobrir novos ares, sair do lugar comum, ou simplesmente rever lugares que já conhecemos abraçar velhos amigos que á tempos não vemos, e fazer novos amigos sem distinções, deixando pelos caminhos amigos sorrisos e valores e trazendo comigo também, amizades, sorrisos e valores, talvez resgatados em uma memória esquecida pelo próprio tempo, e para quem acha que cada viagem é única e se torna inusitada, concordo plenamente, é muito bom partir para uma longa viagem, porém, é melhor ainda, retornar ao “seio do lar”, dos nossos familiares e amigos e da nossa bela cidade de Primavera do Leste, trazendo na bagagem novas experiências, novos sentimentos, novos amigos, novos amores e muitas saudades. Viajar, percorrer muitas estradas, voltar para casa, e olhar tudo novamente com se fosse pela primeira vez. Uma longa viagem pode mudar a cabeça da gente, e muda.

Adquirimos com ela várias experiências, muitas delas sensoriais, outras apenas no silêncio dos pensamentos perdidos, alheio a quase tudo, pilotando a moto sozinho, ali na solidão do meu capacete vou mentalizando e escrevendo meu livro, já envolvido antecipadamente pela atmosfera do inusitado, do imaginário, do novo e da mudança. Vou fazendo uma reforma intima em meus pensamentos, buscando o porquê de tantos erros e acertos, de tantas idas e vindas, tantos relacionamentos desfeitos, tantos amores que se foram tantos porquês… Uma longa viagem rumo ao desconhecido, alcança lugares muito mais remotos que um imaginável continente longínquo, fazer uma longa viagem é antes de mais nada, fazer uma jornada para dentro de nós mesmos, visitando o nosso próprio ego. Uma longa viagem não requer na bagagem, apenas produtos de higiene, comida ou vestimentas, mas sim um espírito forte, determinado e necessitado, buscando algo mais para a sua realização plena, e quem sabe descompromissado e cheio de expectativas quanto a tudo o que vive fora da sua vida habitual e do seu cotidiano, além de ensinamentos que consegue reconhecer nas pequenas coisas, como o aroma exalado por uma flor exótica, adormecida pelos raios de um pôr-do-sol mental, a remexer todos os cantos possíveis da alma sonhadora do viajante… Uma paisagem paradisíaca, única talvez… Uma noite de luar, onde somente a lua é a nossa companhia constante… O frescor do vento acariciando o rosto, e purificando a alma do viajante por completo… Um sabor inigualável de uma especiaria rara, experimentada em algum lugar distante… Uma vida que parece passar rapidamente no movimento daquele que vai… O som suave da saudade simples, serena e sincera, abafada apenas pelo ronco do valente motor da motocicleta, mesmo diante da explosão de vontade nessa busca desmedida de quem trilha um caminho solitário…

Quem viaja sente tudo tão perfeito e experimenta a grandeza de poder questionar: O que busco? O que faço quando encontrar? E se não encontrar? A poesia presente na vida fica mais clara, a presença de Deus fica mais forte e marcante, o universo nos envolve por completo, a liberdade abre suas asas sobre nós, o cuidado e o carinho com as pessoas ganha um novo significado, ficamos mais emotivos, a consciência dos erros e dos acertos também aflora na alma.

Quem viaja, sente-se despojado dos laços que o prendem a compromissos, obrigações, e horários, e tem a certeza de voltar, nunca ao mesmo ponto, nunca do mesmo jeito, mas tem a certeza plena de voltar renovado, reconhecível, somente em suas mais primitivas características. Quem viaja, vai e fica deixando a si mesmo no destino final. Contudo, a viagem será sempre necessária enquanto houver caminhos, enquanto os ventos que açoitam nossos cabelos forem favoráveis, enquanto for desejada, enquanto houver sonhos e estradas a serem percorridas, pois os sonhos não envelhecem nunca; E enquanto houver lugares a serem descobertos e amigos a serem conquistados, enquanto houver uma realidade plena, enquanto houver vida e um espírito pulsante dentro de um corpo aventureiro, enquanto ainda houver um motociclista aventureiro apaixonado pela vida e apaixonado por viver.

Viajar é viver, no sentido verdadeiro da palavra, viajar é não morrer, pois quando de mim não mais restar à matéria, restará ainda pelo menos um pouco do meu espírito aventureiro e algumas lembranças a serem revividas na memória longínqua da saudade.

Essa é a minha vida e por mais que eu teime não sairei vivo dela, portanto quero vivê-la intensamente e não apenas existir, não quero passar por ela em brancas nuvens sem nada realizar de grandioso ou algo de que eu possa ser lembrado e, até quem sabe fazer com que alguém sinta orgulho do meu feito, sem ao menos eternizar na memória daqueles que me amaram uma lembrança saudosa da minha existência aqui na terra”.


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