Grand Junction (CO) – Beaver (UT) – 29 de junho

Acordei hoje cedo e quando vi o dia ao abrir as cortinas não tive dúvidas, “desrrevoguei” o irrevogável, que irrevogável voltou a ser, arrumei as tralhas na Helô e parti com destino a Beaver (+ ou – 300 milhas). O plano é recuperar as forças e amanhã (ou depois) quebrar a banca do primeiro cassino que encontrar. Fora os ovos.

I Left my sandals in Colorado !

Viagem de moto pelos Estados Unidos

Até chegar à divisa do Colorado com Utah a estrada corta uma região descampada com grandes planícies, mas o traçado, a velocidade máxima (75 milhas + um outlaw de 5 = 80 milhas) e a temperatura baixa tornavam o ato de pilotar durante uma viagem de moto quase tão bom quanto… (é isso mesmo que vocês estão pensando). Uma delícia!

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Fiz uma parada na divisa entre os dois estados americanos para uma foto de despedida quando vi, arrumados e com as pontas voltadas para o Colorado, pares de sapato como se fora uma oferenda aos deuses da estrada. Com essas coisas não brinco e cumpri o ritual deixando um par de havaianas com as cores do Brasil. Ano que vem passo por lá e pego de volta.

Viagem de moto pelos Estados Unidos

Colorado é um estado que proporciona diversão e lazer para todo o tipo de viajante, do mochileiro ao mais sofisticado frequentador de Saint Moritz e assemelhados. Porém ele se mostra e se desdobra para os malucos que adoram viajar tomando vento, poeira, diesel e chuva na cara, que não fazem questão de hotéis estrelados, basta uma cama limpa e um banheiro decente. Que chegam sozinhos ou em bando, com suas máquinas barulhentas, roupas estranhas e cumprimentos ininteligíveis, mas sempre com os olhos no horizonte, buscando o próximo destino. Ainda que esse destino exija a travessia de um deserto.

Antes de mais nada uma explicação sobre minha fixação por desertos. Na minha adolescência descobri um autor que toda candidata a miss diz conhecer: Antoine de Saint-Exupery. Naturalmente que o primeiro livro lido foi “O pequeno principe”, mas a partir do momento em que descobri que ele, como piloto, esteve no Brasil várias vezes. Que Jean Mermoz, um de seus amigos pilotos citado em vários de seus livros, tem um busto em sua homenagem no Campo dos Afonsos. Que ele próprio, Exupéry, foi piloto de caça na II Grande Guerra voando na RAF e no final da guerra, em 1945, desapareceu sobre o Atlantico pilotando um Lightning P-38, um dos mais incríveis aviões construídos, conhecido como “O demônio de duas caudas” pelos alemães e “A morte sibilante”, pelos japoneses.

Viagem de moto pelos Estados Unidos

Tudo isso, piloto frustrado que sou, levou-me a devorar os livros dele, tais como: “Piloto de Guerra”, “Correio Sul”, “Vôo Noturno”, “Um sentido para a vida”, etc… O deserto era pano de fundo para a maioria deles e ele o descrevia tão magicamente que eu queria vê-lo de perto, sozinho, conhecer o peso da solidão e a sensação de distanciamento. Por isso hoje, quando viajo sozinho, estou, de alguma forma, pilotando meu avião (a Helô) e cruzando meus desertos. Porém, quando aparece um deserto real, no verão, com temperaturas próxima dos 50 graus, com você totalmente exposto, o risco de uma desidratação é enorme. Por isso passei a noite de ontem preocupado com o que viria a enfrentar. Eu tenho um colar e um colete para hidratação que ficam no fundo do bagageiro da Helô e jamais foram usados.

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Quando sai hoje pela manhã lembrei deles e planejei usa-los se as coisas complicassem. E complicaram muito. Logo que atravessei a divisa do Colorado com Utah a temperatura começou a subir, o ar ficou mais pesado, minhas costas pegando fogo, transpirando muito e os batimentos mais rápidos.

Parei a moto no primeiro posto que encontrei. Peguei o colar e o colete e entrei na loja de conveniências. Pedi à caixa um pouco de gelo, coloquei numa sacola plástica e fui para o banheiro. Coloquei o colete numa das pias e enchia-a de água. O colar eu coloquei dentro de um saco plástico com gelo e água.

Cada um que entrava no banheiro achava que eu estava louco (eu também achei quando me vi no espelho descabelado, sem camisa e de óculos escuro). Depois de uns 10 minutos, tirei o excesso de água do colete (sacudindo-o) e vesti-o.

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Levei o saco plástico com água, gelo e o colar pela mão (faço idéia o que neguinho imaginou vendo-me sair do banheiro com aquele saco cheio de água, gelo e o colar boiando dentro). Quando cheguei na moto coloquei o colar em volta do pescoço e vesti uma jaqueta para verão toda furadinha. Meus amigos, a diferença é absurda. O colete é feito de um material que retém a água e vai evaporando-a aos poucos. Ao mesmo tempo, o vento passando pelos furos da jaqueta soprando na evaporação, mantém seu corpo hidratado e com uma temperatura adequada.

O colar mantém sua nuca sempre fresca o que também contribui para o conforto. Tudo isso vai refletir, positivamente, na pilotagem.

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Uma das coisas que eu mais gostei foi de, com as mãos nas manetes da moto, levantar os cotovelos. O ar que passa por debaixo dos braços mantém a suvaqueira geladinha, geladinha.

Viagem de moto pelos Estados Unidos

Eu já conhecia o sul de Utah (belíssimo) e achava que a região por onde iria passar não apresentaria nada de interessante. Enganei-me totalmente, como sempre. Depois que entramos em Utah e chegamos à região da Fishlake National Forest, uma sucessão de cenários nos atropela: cadeias de montanhas, canyons, rochas com estranhos desenhos feitos pelo vento, estrada atravessando gargantas escavadas na rocha, tudo parecendo um cenário montado em homenagem a um velho motoqueiro.

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Como valeu a pena. O melhor foi chegar em Beaver, parar num Days-Inn e a recepcionista me dar o preço: 76 obamas mais o tal de “plâstaquis”. Olhei para o outro lado da rua e ví um tal de Country-Inn, com 3 motos estacionadas. Cheguei mais perto e li “Affordable Rates – Senior Rates”. Ah, é aqui mesmo que vou dar uma “affordabladá”, pensei. Resumo: 44 obamas + aquela goiaba (plâstaquis) e um quarto bem maneiro: ar, freezer, microwave, tv plasma, cama de casal (nunca se sabe, né? Vai que cai uma de para-quedas. E venha com o manual do usuário, lógico).


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