Um dia para ficar na história

Livermore (CA) – Eureka (CA) – 8 de julho

Como vocês percebem, estou escrevendo no dia seguinte à nossa maior tragédia FUTEBOLÍSTICA. Perder é do jogo, mas em casa e com aquele placar, convenhamos, não é comum. Eu não ia assistir ao jogo já que excesso de adrenalina afeta minha arritmia cardíaca.

Conversei com a Helô e resolvemos dar sequência às nossas peripécias. Saímos de Livermore por volta das 9 horas, paramos num café maneiríssimo onde fizemos um desjejum gringo excelente. Dali, após regular o GPS, fomos em frente.

Na região de Sacramento a quantidade de cata-ventos (aqueles enormes de 3 pás) me chamou a atenção. Era uma zona de fazendas e rodei umas 10 milhas em meio àquele mar de cata-ventos. Já me imaginava um Dom Quixote investindo contra um daqueles monstros para usufruir da gratidão da Dulcinéia (acho que era esse o nome da sacana). O bom disso é que procurei saber a razão daquele exagero e descobri que a California foi o primeiro estado americano a testar a energia eólica, implantando a primeira “Wind Farm” em 1975 alimentando 4.000 casas. Quando da implantação da primeira unidade fora da California, em 1994, no sul do estado de Minnesota, a California já tinha 53 fazendas de geração de energia em operação. Hoje 7 % da geração de energia da California vem dessa fonte. Ao todo USA, 15 milhões de residências são alimentadas por energia eólica. Somando-se a isso a oferta de energia solar, o número crescente de veículos elétricos e a exploração, numa velocidade incrível, de gás e óleo de folhelho (fracking) explica por que os Estados Unidos ultrapassaram a Rússia na produção de gás e reduziram as importações de petróleo. Alguns analistas preveem que eles se tornarão o maior produtor mundial de petróleo em 4 ou 5 anos. Não por acaso, a Arábia Saudita reduziu o preço do petróleo em quase 50%.

Passando Sacramento entrei no Sonora Valley, uma área de vinícolas e com as tradicionais chamadas para degustação, mas preferi seguir em frente apreciando a beleza do cultivo e atento às curvas da estrada. Numa dessas curvas percebo vários carros antigos parados em frente a um terreno com uma casa aos fundos, comecei a reduzir a Helô, segurando no freio (não vinha nada atrás) e entrei direto no terreno pois o portão estava aberto. Olhei para um lado e vi umas pessoas removendo a tinta de uma carroceria. Cheguei mais perto e quase caio da moto, era um Corvette 1966, para mim o mais belo modelo desse carro. O dono tinha vários outros carros, inclusive 3 Corvair com motor a ar traseiro que não “emplacou”, mas hoje é um ícone. O cara me recebeu muito bem permitiu as fotos e com isso mais tempo de viagem foi para o brejo.

Saindo de minhas velharias, percebi que tinha feito uma lambança no GPS e estava na estrada errada. Tratei de corrigir e jurei que iria direto, afinal ia pegar a US-101 que não deveria ser nada demais. Ledo engano, a estrada é belíssima, curvas largas, visibilidade ampla e contornando a Mendocino National Forest. Velocidade de 65 milhas, mas com os arredondamentos você anda a 75 milhas sem ser incomodado. Muitos motociclistas e pouco trânsito de caminhões. Uma estrada que dá prazer de pilotar e, para completar, eu estava inspirado: olhar à frente, redução de marchas jogando o giro do motor num patamar de macho, ponto de entrada bem aberto tentando definir o de tangência, contraesterço seguido do balanço buscando a inclinação ideal, mas sem perder a elegância, aceleração suave a partir do ponto de tangência trazendo a Helô para o ponto de saída já com o guidão reto, sem inclinação e com uma marcha mais alta engatada, permitindo enroscar o acelerador com a determinação daqueles que rasgam talões de multa. Claro que tudo isso com um sorriso nos lábios e uma prece agradecendo o milagre da vida e o privilégio de pilotar uma Harley-Davidson.

O que atrasava eram as frequentes paradas para fotografias, mas acho que valeu a pena. Lá pelas 3 ou 4 horas bateu a fome e parei numa espécie de “saloon”, com apenas um cliente assistindo algo num telão. Adivinhem o que ele estava vendo? Exato e era o começo do segundo tempo. Quando vi 5 X 0 achei que éramos nós ganhando e fiquei até com uma certa pena da Alemanha. Mas comecei a notar algo estranho, os nossos jogadores apavorados e os gringos tocando a bola como se fosse uma brincadeira de “bobinho”. Só aí me dei conta e não consegui despregar o olho da televisão. No final, arrasado, paguei a conta, montei na Helô e partimos sem o menor animo e vontade de fotografar o que fosse. Mas o Criador reservava uma surpresa para mim: a 101 corta dois dos mais lindos parques do estado da California, o Richardson Grove State Park e, em seguida, o Humboldt Redwood State Park, cujas sequoias formam, em um trecho, a chamada Avenue of the Giants. São sequoias gigantes, que parecem colunas ladeando a estrada, transformando-a na nave central de uma catedral.

Claro que você tem que parar, desligar o motor e mergulhar na energia daquele lugar mágico. Lembranças maravilhosas afloram, pessoas queridas ficam mais próximas ao levantarmos um pouco o véu da eternidade, e a gratidão pelo privilégio se transforma em lágrimas. Realmente, foi um dia para entrar na história. Ah! O jogo? Foi apenas mais uma partida de futebol…


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