Finalmente estávamos prestes a pegar a estrada novamente, depois de um rápido café da manhã e o acerto das contas na pousada, voltamos nossa atenção para as motos, espanando a poeira acumulada por três “longos” dias inativos e retomando o velho ritual da aplicação de graxa nas correntes, fixação das malas, etc., etc… Todas funcionaram na primeira partida e arrancaram feito cavalos ariscos, espalhando as pedras soltas e deixando para trás uma pequena nuvem de pó nas ruelas de San Pedro.
Em poucos minutos ganhávamos a ruta 23 ingressando novamente no deserto absoluto do Atacama. Nosso rumo agora é o Pacífico. O encantamento da estrada voltava a nos impressionar em curvas espetaculares e retas que se perdiam no horizonte. Em pouco tempo olhando nos retrovisores, a imagem de San Pedro já era uma pequena mancha, mas ainda assim o Licancabur continuava como referência.
Embora não esteja classificado entre os maiores desertos do mundo, o Atacama com seus 1.000 quilômetros de extensão é considerado como o mais alto e o mais árido do planeta. Em sua diversificada geografia está presente desde a costa do Pacífico à cordilheira andina, passando pelo altiplano e chegando às planícies dos pampas. É difícil imaginar que nessa área de clima tão extremo vivam atualmente mais de um milhão de pessoas, a maior parte nas cidades costeiras, vilas de pescadores, centros de mineração e alguns pequenos oásis como San Pedro. Mesmo enfrentando a hostilidade do clima, no extremo norte sobrevive uma agricultura pequena, porém determinada, de azeitonas, pepinos e tomates, através do sistema de gotejamento.
Rodamos cerca de 100 quilômetros e do alto já se avistava Calama, a maior cidade do Atacama. Uma névoa cinza parecia envolver a cidade, algo totalmente atípico na região pela ausência de poluição. Mais próximo pudemos perceber que se tratava de um forte redemoinho que se elevava numa grande área tomada por um lixão, coisa bem triste de se ver, então pela primeira vez no deserto. Passamos rapidamente pela cidade, em busca de um posto de serviço para completar o tanque de combustível, mas deu para notar um agito até então não detectado nas localidades que passamos, desde Salta, noroeste argentino. A cidade é um grande centro regional de turismo, atividade comercial e indústria de mineração, cuja principal atividade está na extração de cobre, é onde se localiza a famosa mina de Chuquicamata, o maior depósito desse metal a céu aberto do mundo.
Chuquicamata está em atividade desde o final do século XVIII e produz nada menos que 630.000 toneladas de cobre fino por ano, a grande mina tem forma elíptica com 4.300 metros de comprimento por 3.000 metros de largura e tem uma profundidade de 800 metros; é aberta à visitação pública, algo que infelizmente não podíamos realizar, embora estivesse previsto em nosso roteiro, isso por que decidimos seguir imediatamente até Antofagasta, a idéia era aproveitar o resto da tarde na cidade e pernoitar à beira do Pacífico. Depois da rápida passagem por Calama, retomamos a estrada, agora denominada ruta 25, que cruzava outro grande trecho desértico, o maior de todos até então e que ganhava grande altitude na região da Sierra Gorda, bem próximo à cordilheira andina para depois iniciar um descenso, que culminaria às margens do oceano.
Posto de serviço à vista! Nunca despreze um posto no deserto, mesmo que tenha combustível suficiente para chegar até seu destino ou até um novo posto, sempre é bom mantê-lo cheio, pois nesses locais é normal encontrar postos secos. Assim, era para nós uma parada obrigatória para abastecer as motos e nos hidratar, afinal a secura total já começava a incomodar os olhos, as narinas e a garganta, principalmente. Mesmo que seja por 15 ou 20 minutos, é sempre proveitoso um pit stop desses, a cada 100 ou 150 km. Além do descanso e algum exercício, é sempre saudável e necessário um bate-papo para trocar as impressões da viagem com os companheiros e também com os caminhoneiros para obter informações da estrada, possíveis pontos de desvio, radares, etc. Pelo menos esse é o ritmo que adotamos em nossas viagens, que nos parece mais adequado e com mais um detalhe, só viajar à noite em caso de extrema necessidade, pelos motivos óbvios.
É inimaginável que a quase 4.000 quilômetros de casa, ao acaso você inicie uma conversa com um caminhoneiro de outro país e este venha de pronto afirmar que já conhecia sua longínqua Votorantim… Pois aconteceu exatamente assim, vendo a placa da moto, nosso interlocutor argentino afirmou que já havia “puxado” cimento da fábrica Votoran! O papo rolou alguns minutos debaixo do algarrobo, uma das pouquíssimas espécies de árvore do Atacama, e voltamos à estrada, para mais uma estirada, desta vez até Antofagasta.
À medida que avançávamos na imensidão desértica, o sentimento de solidão se impunha de maneira avassaladora, além dos raros viajantes e, principalmente, pela incrível sucessão de vilas e acampamentos totalmente abandonados, uma imagem que mostra a supremacia de um clima hostil… O deserto é impiedoso.
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