No 16º dia de nossa viagem de moto, saímos do apartamento em Santiago pouco depois das 7h30, com um alvorecer de céu claro, uma suave brisa soprando agradáveis 19ºC e nossos corações pulsantes. As largas vias do centro da cidade cediam espaço à nossa passagem, mas as autopistas guardavam uma agitação matinal típica de um começo de semana de trabalho. Um trecho engarrafado nos levou a desafiar os nossos limites ao seguir pelo corredor entre os veículos, atrás de um motociclista chileno. Demoramos mais de meia hora para deixar para trás a trama urbana de Santiago.
A cidade nos abraçou brevemente, mas era nas estradas que nossa alma encontrava seu verdadeiro lar.
Ao pegar a Ruta 5, a Rodovia Pan-americana, e, em seguida, a Ruta 57, a viagem se transformou. Estrada tranquila, com asfalto perfeito e sinalização impecável, contornando os planaltos verdejantes do Chile entre montanhas que se erguiam como sentinelas de pedra.
Longos túneis cortando os segredos das montanhas, eram nossos portais para quilômetros de jornada, encurtando distâncias com engenhosidade. Os vales, um mosaico de oliveiras, vinhedos e pinheiros, teciam um manto de cores vivas. A Cordilheira dos Andes, envolta em névoas misteriosas, se mostrava como uma obra de arte em constante mudança.
Assim fomos por cerca de 60 km, até chegarmos à cidade de Los Andes, onde pegamos a Ruta 60, margeando o rio Aconcágua e serpenteando entre montanhas majestosas. A via simples e de ultrapassagens escassas, com curvas fechadas serpenteando encostas, ditou nosso ritmo. O asfalto irregular, vilarejos e lombadas nos desafiavam a manter a concentração enquanto a paisagem nos envolvia e a temperatura caia para 16ºC.
A jornada é feita de altos e baixos, mas cada obstáculo é uma página a mais em nosso diário de aventuras. Pagamos pedágios injustos para o estado precário da estrada, mas a esperança de melhorias veio com as obras que encontramos pelo caminho.
As encostas protegidas por marquises desafiavam o perigo imposto por eventuais avalanches de neve e pedras, enquanto crateras na pista desviavam nossa atenção do contraste entre a imensidão das rochas escuras com o céu azul.
Mais obras na estrada nos fizeram parar para esperar a liberação do trânsito.
Às 11h20, chegamos aos famosos Los Caracoles, uma série de 19 curvas fechadas que nos elevaram de 2200 para 3000 metros de altitude. O trânsito no sentido contrário estava fechado, permitindo que usássemos toda a estrada para contornar essas curvas insanas, teste de habilidade e adrenalina, uma dança no limiar entre o céu e a terra. Uma parada nas alturas capturou a incrível subida em zigue-zague, enquanto o guia de um grupo de turistas nos imortalizava em fotos com a bandeira do Chile.
Outra parada para obras conteve nossa animação e nos fez esperar minutos intermináveis.
Seguimos em direção à fronteira com a Argentina avistando ao longo da estrada estações de esqui guardadas por montanhas. Passamos pelo Complexo Aduaneiro Los Libertadores, mas os trâmites de imigração e aduana deveriam ser feitos em outro complexo fronteiriço alguns quilômetros adiante, no território argentino.
Atravessamos o Túnel Cristo Redentor, a 3175 metros de altitude e 3080 metros de extensão, portal entre Chile e Argentina. O túnel recebe esse nome em homenagem à estátua do Cristo Redentor dos Andes que está próxima.
Em seguida entramos no Parque Provincial Aconcágua, um lugar marcante na minha vida de viajante sobre duas rodas. Foi a terceira vez que tirei fotos em frente ao imponente Pico Aconcágua, o mais alto do mundo fora do Himalaia, com 6960 metros de altitude. Ventava muito forte, dificultando nossa caminhada pela trilha até o mirante para registrar em fotos este momento importante. A montanha, em sua glória nevada, destacava dentre os demais picos ao seu redor.
Aconcágua
Certos momentos da vida são como o vento que acaricia o rosto, são memórias preciosas que merecem ser celebradas.
Três viagens de moto que marcaram capítulos da minha vida, cada uma com suas paisagens, desafios e conquistas.
Em 2009, 2015 e agora em 2024, o Parque Aconcágua me acolheu em três viagens de moto, cada uma com sua própria história, cada fotografia um fragmento de diferentes momentos da minha vida.
2009: A caminho do Atacama, os olhos brilhando com as descobertas, a alma sedenta de aventura, quando o espírito de liberdade me guiou por estradas desconhecidas.
2015: No retorno de Ushuaia, no extremo sul das Américas, percorri as estradas que cortam a Patagônia, com o coração pulsando em sintonia com cada paisagem.
2024: Depois de atravessar o Deserto do Atacama novamente e percorrendo as estradas que serpentem a Cordilheira dos Andes, a celebração de uma trilha percorrida, a alma plena de gratidão.
Três momentos, três jornadas, memórias que se eternizam, caminhos que se cruzam e se reinventam refletindo momentos únicos da minha vida.
Cada viagem uma história, cada curva da estrada um aprendizado. Cada foto, uma lembrança; cada lembrança, uma celebração de quem sou e de quem me tornei.
E a cada retorno, o Aconcágua sempre presente, imponente e inspirador.
Seguimos viagem e paramos no Complexo Fronteriço Los Horcones, onde fizemos os trâmites para saída do Chile e entrada na Argentina. Procedimentos rápidos nos permitiram voltar à estrada em apenas 10 minutos.
A Ruta Nacional 7 nos acolheu com seu manto de rachaduras e irregularidades, enquanto montanhas policromáticas e um céu de azul intenso demandavam um conto de altitudes e paisagens em constante metamorfose que só a natureza pode criar. A altitude ia baixando gradativamente e estávamos viajando agora a cerca de 2000 metros de altitude.
A Puente del Inca revelou-se um capítulo vívido da natureza, um arco natural de tons ocre e vista encantadora sobre o Rio Las Cuevas, que sussurra histórias de tempos idos. No século passado, uma grande cadeia de hotéis construiu no local salões de banho que prometiam a cura de muitos males. O negócio prosperou, até que uma avalanche destruiu todo o local, restando apenas uma capela e as ruínas das termas que agora compõem a paisagem. Por perto existem pequenas barracas de artesanato que vendem objetos produzidos com a mesma formação rochosa da ponte.
A temperatura subiu para 30ºC enquanto atravessávamos uma sequência de tuneis que cortavam rochas gigantescas, e mostravam do outro lado cada paisagem mais deslumbrante que a anterior. Passamos por pequenas cidades encravadas em vales verdes e cadeias de montanhas alaranjadas. Estávamos atravessando algumas das paisagens mais bonitas do mundo.
A Laguna de Potrerillos, com espelho d’água azul formado por uma barragem no Rio Mendoza, foi um espetáculo à parte e marcou nossa jornada descendente.
Chegamos à Ruta Nacional 40, numa altitude próxima aos 1000 metros. A paisagem mudou, com grandes planícies se estendendo até as montanhas à esquerda e o horizonte infinito à esquerda. Plantações de oliveiras e vinhedos se perdiam de vista.
Cidade | Litros | Valor em moeda local | Valor – R$ | Distância | km / l | R$ – l |
Santiago | 3,815 | 5000 | 28,92 | 109,2 | 28,624 | 7,58 |
Uspallata | 9,515 | 8554 | 49,91 | 245,3 | 25,780 | 5,25 |
Mendoza | 5,565 | 5003 | 29,39 | 126,8 | 22,785 | 5,28 |
Chegamos a Mendoza pouco antes das 17h e fomos direto para o hotel que havia encontrado na internet. Negociamos o valor e fechamos duas diárias.
Depois de descarregar a bagagem e guardar as motos, saímos para explorar a cidade em uma caminhada pelas ruas arborizadas e praças acolhedoras, o epílogo perfeito para um dia de desafios e conquistas. Tomamos sorvete e jantamos uma comida típica argentina, com bife de chorizo e batatas fritas, harmonizadas com um delicioso vinho mendocino.
Voltamos para o hotel e descansamos para amanhã explorar Mendoza e seus encantos.
O dia terminou com a certeza de que aqueles 269 km foram os mais intensos da viagem, atravessamos a Cordilheira dos Andes e a fronteira entre dois países. Sob o sol poente, encontramos abrigo e gastronomia em Mendoza, revivendo cada quilômetro, cada paisagem, cada curva que nos moldou nessa odisseia de descobertas sobre duas rodas.
No âmago da Cordilheira, entre curvas e retas, entre altitudes e vales, onde o vento sopra segredos ancestrais e o sol pinta paisagens em tons de eternidade, nós, motociclistas das estradas, desafiamos o tempo e a distância.
O vídeo abaixo resume em imagens alguns dos momentos que vivemos durante este dia.
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