Viagem de moto pela Rio – Santos

em

Eu sempre sonhava com uma viagem de moto pelas curvas da Rio-Santos. Com a chegada de julho, o meu imaginário foi me dominando e comecei a criar um esboço mental para essa viagem. Já viajava na viagem. Mas sabe como é, planejar é tentar aprisionar algo que não aceita algemas: o tempo. Os meus planos foram por água abaixo. Imprevistos não me deixaram escapar da rotina. Enfim, sem lamúrias, ossos do ofício de um profissional liberal.

As férias estavam próximas do fim, quando resolvo, de um dia para o outro, por em prática meus planos. Pelo menos saindo no susto não dava tempo para o tempo pregar alguma peça. Arrumei a moto e agora era só esperar o dia raiar. Mas a tal da ansiedade pintou. Ela foi tanta que pouco antes das 4 da matina já estava de pé. Às 5 o ronco da moto roubava o sono dos vizinhos e em poucos minutos cortava a estrada, antes mesmo que alguém conseguisse jogar um balde de água fria.

O sol ainda não havia nascido. O meu plano era aproveitar que tinha acordado com as galinhas e chegar com tranquilidade ao meu destino, afinal, só nesse dia tinha mais de seiscentos quilômetros pela frente. Segundo os meus planos, eu passaria por várias cidades do Sul de Minas até chegar ao Estado do Rio, em Visconde de Mauá, Angra e depois até a bela Trindade.

Contudo, acho que o tempo ficou puto com a rasteira que levou e resolveu atrapalhar meus planos. Ainda no breu da noite, ele plantou na minha frente uma cerração. Mal dava para enxergar alguns metros à frente. Ela chegou acompanhada daquele “friozinho”, característico do Sul de Minas.

Pilotando nas brumas, “sem instrumentos”, em um certo momento, sei lá, acho que foi perto da cidade de Campanha, no Sul de Minas, vejo o sol nascendo na estrada. Uma cena fantástica! O astro maior, aquela névoa e a estrada! Não resisto, paro a moto para tirar uma foto! Não estranhe, quem viaja de moto é assim mesmo, vai parando e curtindo a estrada. Eu sei que é um clichê, mas é a mais pura verdade: “a estrada é o destino”.

Eu uso uma jaqueta, comprada assim que obtive minha habilitação. Ela tem Air Bag e tudo, sabe como é, preocupação excessiva de um iniciante com a segurança (e não venha me gozar, no final quem tem menos ossos quebrados ri melhor). Quando fui soltar o cabo da jaqueta, que é preso na moto, não sentia nada, perdi o tato! Os dedos tinham congelado, mas como ainda estavam lá, um pouco de aquecimento trouxe à vida aqueles mortos vivos. Só aí consegui sacar a jaqueta e manusear a câmera.

Aquecido pelo sol, sigo o meu caminho e alcanço o meu primeiro destino, Visconde de Mauá, um distrito de Resende, no Estado do Rio, com pouco mais de 6.000 habitantes, encravado num vale da Serra da Mantiqueira. A subida da serra, que esconde o vilarejo, é de tirar o fôlego. Curvas em cotovelo, enfim, diversão garantida (uma atrás da outra).

Depois de apreciar o vilarejo e o visual incrível do lugar, o meu GPS me pregou uma peça (nunca confie neles): o malandro me informou que de Mauá poderia seguir direto para Angra (acho que o carinha tinha um complô com o tempo). Mentira, acabei numa estrada de terra, uma tragédia para motos Custom. Mas paciência, quem gosta de moto com poesia, não vai para as Big Trail. Brincadeira pessoal, só uma provocação.

Depois de ter rodado um tanto, pelo menos a estrada não era ruim, parei perto de uma fazenda. Na varanda havia um caboclo tocando violão. Gritei para a voz sair do capacete: “- Tarde!” “- Tarde”, ele respondeu. Aí eu perguntei: “- Amigo, me desculpe por ter atrapalhado seu dedilhado, mas seguindo essa estrada eu chego a Angra?” Surpreso, ele respondeu: “- O quê? Você tá indo pro Sul de Minas!” Ou seja, estava andando em círculos. Despedi do amigo, que continuou tocando sua moda e voltei pelo mesmo caminho. Sacrifício? Nenhum! Pude curtir a serra de novo, agora em outra perspectiva.

Quatro da tarde e “já” estava a caminho de Angra, debaixo de um céu limpo. Aquele azul era a confirmação da previsão do tempo, zero de chuva!

Ah… mas o tempo, ainda puto comigo…

Assim que chego à Serra de Angra, a imagem da minha esposa, que quase me acompanhou, apareceu na minha frente, como naquelas materializações de “Star Wars”. E eu a vi falando, no meio de uma névoa, flutuando numa nuvem: “- Ainda bem que o tempo está bom, imagina descer essa serra, com aqueles túneis e calçamento de pedra de moto, seria morte certa”.

Maldito tempo! o seu rancor era incurável! chegando à serra que desce para Angra, cercada por Mata Atlântica, uma cerração começa a aparecer do nada. Sinto que minhas luvas e calça começam a molhar e de repente, adivinhem: CHUVA!!!

Você já deve ter visto vários filmes de terror. Eram os meus preferidos na adolescência. Pense num daqueles filmes barra pesada, tipo A Hora do Pesadelo 57. Posso dizer: nada se equipara ao que estava passando. Lá estava eu, no lombo de quase trezentos quilos de metal e só duas rodas de borracha me separando do chão escorregadio, sem enxergar nada (cometi o erro de abrir a viseira. Tudo embaçou, inclusive meus óculos), chuva, carros e caminhões descendo como loucos as sinuosas curvas. A pior parte foi passar nos túneis com calçamento de pedra. Lá eu só ouvia buzinas e via clarões atrás da moto.

Mas uma luz apareceu no final desse pesadelo. Não há mal que dure para sempre! Assim que sobrevivi a mais esta pegadinha, o tempo se abre sobre Angra dos Reis! Sabe como é, foi uma espécie de provação, a que todo motociclista é submetido mais cedo ou mais tarde, passei por mais essa incólume!

O dia vai acabando e desço a serra que leva a Trindade. Mais curvas, mas no final de uma delas encontro um presente. Lá estava o mar e sol se pondo. Não dá para explicar a sensação! Ela tinha um gosto especial depois das minha peripécias! O que aconteceu depois? Peço perdão, você que acompanhou até aqui esse causo, mas não posso contar, as palavras aqui não prestam para continuar a história. De agora em diante, o que pode ajudar na empreitada são as imagens, então vou deixar que elas contem o resto da história.

Um abraço e boas estradas sempre!

www.facebook.com/ocapaceteeotemplo


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Para adquirir os livros abaixo, acesse o site do autor: romuloprovetti.com

Livro A caminho do céu - uma viagem de moto pelo Altiplano Andino
A caminho do Atacama
Livro sobre viagem de moto pelo Himalaia
Livro sobre viagem de moto até Ushuaia
Um brasileiro e uma moto no Himalaia indiano