De Brasília ao Deserto do Atacama – de motocicleta

Não sei ao certo o que me fez decidir enfrentar esta viagem de moto. Se foi a temporada de chuva em Brasília que estava por continuar, se foi o fato do Filipe ter ido de moto a Ushuaia com os amigos, já ter feito a viagem ao Atacama e ter ficado muito contente, se a cirurgia do quadril que vai me deixar um tempo sem andar de moto, ou se para trazer prazer ao meu coração depois de um ano longo e trabalhoso de tratamento de um câncer de mama. Creio que juntou tudo. Fortes motivações.

A questão era se o corpo, ainda com baixa imunidade pela quimioterapia, iria aguentar. Eu sabia que, se dependesse de determinação e coragem, eu conseguiria voltar inteira para casa, para os filhos, o marido e amigos que torcem e me amam.

Consegui!

Me sinto realizada em mais esta parte da historia de minha vida. Sou grata.

Pude praticar o que me propus: foco, meditação, exercícios energéticos e espirituais , amizade, companheirismo, desapego. E testar alguns limites pessoais.

Só não esperava passar por infortúnios desnecessários e que não estavam programados. “o que é combinado não é caro!”, certo?

Tinha questionado ao dono da agência alguns pontos importantes 30 dias antes da viagem: excesso de quilometragem por dia com um grupo tão grande (não havia necessidade de nos expor a risco pelo cansaço); sei que até pilotos muito experientes preferem encerrar a estrada com 10 ou, no máximo, 12 horas sobre a moto, sem pilotar à noite. Questionei levar carreta somente para uma moto e questionei a qualidade dos hotéis, pois a programação estava extenuante e mereceríamos dormir bem ao chegar.

No primeiro dia de viagem percebi que o planejamento foi mesmo mal feito. No segundo a confirmação e no terceiro a necessidade de solicitar alteração no planejamento, pois estávamos exaustos, com 16, 14 horas de estrada, chegando tarde da noite aos destinos, dormindo em hotéis sem estrelas, sem água para vender, sem comida razoável… A esta altura, já estávamos preocupados com a falta de sintonia entre os dois guias e o carro de apoio. Eles não tinham comunicação entre si. Um não ligava o rádio, o outro ficava sem alcance… e assim seguimos, aborrecidos e muitas vezes inseguros. Tinha sido combinado com dono da agência que não pilotaríamos à noite. Bem, imaginem, chegamos às 22 horas, às 23 horas, às 21 horas… conseguimos chegar aos hotéis à 1 hora da manhã, ou como no dia que passamos pela Aduana Chilena, à 1 hora da manhã estávamos procurando abrigo no pequeno povoado de casas de adobe e chão de terra, num frio de rachar. Detalhe, minha amiga e eu, não enxergamos bem após o lusco-fusco das 18 horas. As duas únicas vezes que chegamos ainda com luz do dia foi um que andamos aproximadamente 600 km e outro, na volta, que conseguimos sair às 7 horas graças à determinação do grupo (e não do guia), rodamos 875 km e ainda chegamos com sol. Claro que não paramos mais que 20 minutos para abastecer, beber água, etc…. e chegamos exaustos. Ao custo de não pararmos para tirar fotos de dois lugares incríveis, como havia sido prometido e combinado com o guia responsável. Uma lástima, pois não sei se poderei voltar àqueles lugares.

E assim, tenho inúmeros casos de descasos, imaturidade e irresponsabilidade do grupo que montou a viagem e a executou.

Meu santo é mais forte.

Atacama

Todas as manhãs convocava o meu anjo Anjo da Guarda e também pedia para que Ele convocasse os Anjos dos demais membros do grupo para que nossa viagem fosse protegida por eles, mesmo daqueles que não acreditam nas asas protetoras Deles.

Pelo Scala Rider, junto com a amiga de anos, rezávamos e cantávamos orações para que a energia positiva tomasse conta do grupo e de nós. Ho’oponopono, EMF e muita fé!

A melhor parte sempre foi a estrada que fazia. Como amo pilotar. Independente do tempo, sempre é lindo! O poder da concentração me recarrega. O exercício da fé no Pai interior, as conversas, as descobertas de enigmas dos estudos se revelando a cada dia durante as meditações. Magnífico. Uma benção viajar comigo mesma, para o meu interior.

Durante a viagem de moto, o cheiro de goiaba foi o primeiro a ficar registrado. Passamos por uma banca, ainda no Brasil, onde tinham varias goiabas enormes, cortadas ao meio. O perfume vinha de longe. O Segundo foi o da terra do campo verde. Terra recém molhada pela chuva, o verde se destacando na paisagem. O terceiro foi das plantações de mate. Chá mate, erva mate. Estávamos na Argentina. O quarto aroma marcante foi das cabras e cabritos. Forte e acre cheiro gostoso. Que felicidade!

Entre os aromas, a linda dança das motos pelas infindáveis retas do Chaco e do Deserto. Confesso, provoquei as vezes que começamos a fazer zigue zagues. Erguer o corpo na moto na hora do sono, bem lembrado pelo guia. Cantar uma música no scala rider ou provocar uma conversa de tema intenso com a parceira. Tudo para driblar o cansaço ou o sono. Assim foram as estradas. A brincadeira de “go, go, go, go, go!“ para ultrapassagens e exercícios para acompanhar o pelotão da frente.

Ter muita paciência com os três machistas do grupo, que não aceitavam minha ultrapassagem e as da minha amiga também. Kkkkkkk. Ela ficava muito brava, para não dizer outra coisa. No inicio achei ridículo, depois o coração foi agindo e fiquei enternecida com o sofrimento ou submissão das mulheres que convivem com estes homens. Rezei por elas e por eles, pedindo que seus corações se abrissem e que eles evoluíssem pessoalmente, para superar esta dificuldade de relacionamento.

Compartilhar as curvas da estrada com quem ainda não tinha tanta experiência, fazendo sinais de braço, me fez sentir muito bem. Acredito que devemos compartilhar os conhecimentos e doar nosso aprendizado. Ao fazer ultrapassagens, sempre seguia na pista da esquerda com seta ligada, para ajudar os companheiros que vinham atrás. O jovem de 35 anos em sua Break Out também fazia isto, quando o grupo estava junto. Aliás, ele fez horrores de brincadeiras maravilhosas no terreno arenoso e de rípio no deserto!

Aquele dia foi muito divertido! Jamais havia pilotado em terra, pedras, areia e buracos. Decidi seguir o guia experiente e o companheiro estrangeiro, que nitidamente mostravam experiência naquele terreno. Acertei! “Se eles podem, eu também posso”! kkkkkkk foi lindo! Em pé sobre a moto, orientada a não frear ou acelerar e quando a moto deslizasse para os lados, manter a velocidade para ultrapassar a parte perigosa. E assim fui, feliz e satisfeita derrapando para lá e para cá! Kkkkk. Um colega sem experiência freou no areão fofo e, como eu estava muito junto dele, com a roda traseira sambando, fiquei com medo de atingi-lo e também freei. Tombo, claro! Rsrs

Neste momento outros quatro colegas tinham caído. Decidiram abortar o passeio ao Vulcão, ao qual não voltamos depois e ficamos sem conhecer. Na volta, segui o parceiro estrangeiro. Que Aventura! Consegui acompanhá-lo na velocidade que ele escolheu. UAU! Muito, muito divertido! Chegamos muito à frente do grupo e conversamos sobre técnica, tiramos fotos, gravei um vídeo com o depoimento dele sobre minha pilotagem e ele terminou dizendo: “vamos até onde acreditamos que nosso anjo da guarda dá conta de nos proteger! “ Acredito nisto também. Meu anjo tem o mesmo espirito aventureiro que eu, e colabora sempre! Amém!

A secura do deserto é real. Narinas sempre machucadas pelo ressecamento, as unhas, mesmo curtas, quebraram todas. Bepantol para segurar a onda da pele, nariz, unhas, boca.

 Atacama

O calor também é real. Suamos tanto e fizemos tanto esforço físico que, ao consumir 5 Gatorade e 7 garrafas de 500 ml de água no mesmo dia, quase não sobrou urina. É incrível!

Frio também. Não tínhamos condições físicas para atravessar os Andes à noite, pois chegamos muito tarde na Aduana e sem comer. Os cinco ou seis parceiros que seguiram rumo a San Pedro pegaram zero grau na subida. Mas na volta foi pior, rsrs. Pegamos menos 6 graus!

Na volta de San Pedro fiquei para traz, pois numa curva muito fechada dentro da cidade e com um dos meus alforjes bem mais pesados (não tinha verificado), tombei nessa curva. O guia que havia atrasado para partir, me viu e me ajudou a levantar a moto. Na subida da montanha, percebi que sentiria frio nas mãos e no peito. Parei, troquei as luvas e vesti o colete por baixo da jaqueta já forrada para frio.

Com isso, o grupo se afastou e passei pela experiência de subir os Andes na própria companhia. Delicioso. Só. Lindo! O amanhecer nas curvas das montanhas. Amo curvas. Amo curvas!

No meio da subida vi que seria necessário ligar o aquecimento das manoplas, conforto das BMW. E mesmo assim, meus dedos quase congelaram. Quando podia, apertava as mãos contra o motor da moto e as coxas, mexia bastante os dedos para ativar a circulação, soltava ar quente pela boca para aquecer o nariz. Aos poucos fui alcançando as pessoas do grupo que partiram antes. E eu estava numa 650 cc… que relutava em ganhar velocidade na altitude! Rsrs. Mas, como disse, amo curvas e, modéstia às favas, faço curvas bem para caramba!!! Assim, ultrapassei todos do pelotão, exceto três que haviam partido mais cedo e mais rápido na subida dos Andes. Pense se não me enchi de orgulho!? Rsrs. Venci o frio, a altitude (mascando coca) e as curvas.

Algumas pessoas pararam para atender a dor nas mãos de uma colega cuja luva não suportou o frio. Equipamento é tudo. Aproveito para indicar para as colegas que passarão por esta experiência alguns itens indispensáveis para pilotar que lembro agora: meias compressivas, segunda pele de acordo com a temperatura a enfrentar, jaqueta e protetores corretos, calcinhas de algodão e sem elástico e lenços protetores de cabelo e pescoço, camel back e luvas diversas. Barrinhas de cereais para comer e nécessaire certo para suportar os banheiros terríveis dos postos. Rsrs.

Fizemos a Aduana e fomos tomar chocolate e café quente na Argentina. Mais montanhas pela frente e curvas com pedrinhas, terra, pedaços sem alfalto, cotovelos em sequência e lindas paisagens deram mais prazer a este trecho da viagem. Não pudemos registrar e nem parar ou cruzar cidadelas lindas e recomendadas.

Creio que esta viagem deva ser feita em 21 dias e não em 15. Um a mais para ir e para voltar no Brasil e 3 a mais no deserto.

Levei meu quadril ao limite ao subir o Valle de La Luna para ver o pôr do sol. Só o fiz porque sabia da cirurgia dali uns 10 dias. Um mar de areia em movimentos suaves e profundos lá no alto da montanha. Muita serenidade, luz maravilhosa em suas cores fundindo do amarelo ao rosa, com o céu azul observando o cair do dia e nascer da noite.

Atacama

Mas o lugar em que mais me encontrei foi a Laguna Cejana. Três ou quarto Lagoas salgadas que te fazem flutuar na água. Exercitei meus sistemas energéticos, meditei, orei, equilibrei meu corpo como o compasso e o esquadro. Fiquei imersa por duas horas e meia, flutuando, a sós, com o Pai e com o Universo. Chamei as forças da água, do vento, do sol, da terra, do Sal. De toda aquela natureza para a qual viajei em busca do meu centro. Pedi para sintonizar com as energias do povo local. Reverenciei os índios e sua cultura. Um momento especial de vida.

A massagista do deserto me disse: “veja o câncer como a cura de algo que já passou. Foi assim que seu corpo reagiu àquela ferida. Você tem e sempre terá o direito de ter quantos cânceres quiser. Você tem o direito de ter o seu corpo curado da forma que for necessária, você tem o direito de sentir raiva, medo, alegria, dor, coragem, tudo! Permita-se sempre. Ponha para fora. Você está no caminho certo”.

Ali , percebi que tinha atingido meus objetivos todos.

Ficam as lembranças boas, porque é isto que quero dentro de mim. A beleza da poderosa natureza com a qual sintonizei e passei maravilhosos momentos. A beleza das imagens, dos sentimentos, das vibrações positivas de cada elemento.

Volto para casa realizada, feliz comigo mesma. Com saudade da minha família, das pessoas que vivem ao meu redor, dos amigos de verdade, das criaturas que me amam e de quem eu cuido.

Agradeço ao Universo. Agradeço às orações da Vagalume, da Themis, do Marçal, da Zana e força dos amigos do coração. Aqui da minha varanda de casa, com a vista que conquistei junto com o grande parceiro de vida e incentivador Luiz Filipe. O meu Fê. Que felicidade em poder compartilhar tudo isto com meus filhos, com muito amor. Que a estrada da vida deles seja plena de abundância, prosperidade e alegrias. Como a nossa.

 Atacama


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