Viagem de triciclo pelo Brasil

Um triciclista perna de pau

Tempos atrás, estávamos reunidos em nosso encontro mensal de estradeiros. Como na maioria das ocasiões, o assunto principal girava em torno de viagens e motocicletas. Em tempos de pandemia, assuntos do tipo distanciamento social, uso de máscaras e higienização corporal faziam parte das rodas de bate-papo.

Falávamos também sobre as benesses do uso do álcool, mas não do álcool em gel (hehehe), se é que me entendem. Isso porque, no local, a cerveja gelada era oferecida a preço justo, assim como o churrasco no espetinho.

Naquela noite, eu estava pilotando meu velho triciclo e tocava “rock n’roll” em seus alto-falantes. Numa televisão – sem som – instalada no alto da parede do bar, era exibida uma partida de futebol. Alguns poucos motociclistas assistiam ao jogo. A maioria dos presentes falava de suas máquinas, de aventuras e de viagens.

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Em dado momento, começamos a falar sobre triciclos. Por alguns minutos, dediquei-me a explicar-lhes, com alegria, sobre o conforto e também as dificuldades de se pilotar triciclos, em comparação à praticidade do uso das motocicletas em geral. As conversas rendiam valiosos aprendizados e boas risadas.

Eis que, de repente, um amigo que assistia ao jogo, insatisfeito com o desempenho de um atleta, reclamou aos berros: “pô, deixa de ser lerdo, seu perna-de-pau; pede pra sair; por que você não monta num triciclo e assume logo sua velhice?”. A risada foi geral. Até o atendente de balcão deu gargalhadas, todos rindo e me olhando, esperando minha reação. Eu não resisti: ri até doer a barriga. Atitude inusitada de alegria e descontração de todos ali presentes.

Viagem de triciclo pelo Brasil
Viagem de triciclo pelo Brasil

O mais interessante é que essa brincadeira se tornou a pauta principal daquela noite. E, desde então, alguns amigos passaram a me chamar de “perna-de-pau do triciclo”. Até hoje, muitos irmãos motociclistas relembram com alegria aquela noite e sempre repetem meu novo apelido, perguntando-me sobre o triciclo, em tom de brincadeira e gozação.

Aprendi muito naquele divertido encontro. Tenho comigo a grata satisfação de fazer parte de uma geração de pessoas alegres, tolerantes e resilientes; uma geração que não conheceu e não se rendeu ao que hoje qualificam como “bullying” ou algo similar. Somos uma geração bem resolvida e sem melindres, enfim.

Viagem de triciclo pelo Brasil
Viagem de triciclo pelo Brasil

Na nossa infância, em todos os bairros, em todas as cidades, sempre havia um “magrelo pau-de-sebo”, um “gordinho balofo”, uma “ruiva enferrujada”, um “branquelo leite-azedo” e tantos outros personagens com apelidos engraçados, porém sem as maldades e malícias impostas nos tempos atuais. Em todo lugar, havia um “riquinho esnobe” e um “pobre fodido”, e ambos eram grandes amigos. Havia também o que era “o dono da bola” e o “boca-de-chulé” que não tomava banho e não escovava os dentes. Todos eram amigos. Ninguém ficava de “mimimi” quando era alvo de brincadeiras e galhofas. As contendas entre amigos e vizinhos eram solucionadas, rapidamente, sem necessidade de terapias psicológicos ou algo semelhante. Não havia traumas. Tudo acontecia sob as regras ensinadas por nossos pais, cujos eventuais corretivos eram plenamente eficazes.

Viagem de triciclo pelo Brasil
Viagem de triciclo pelo Brasil

O fato é que, grande parte do que compõe a cultura motociclística vem dessas mesmas origens. No mundo das duas e três rodas não há motocicleta melhor ou pior, pois todas são iguais. Não há um motociclista que seja diferente do outro; todos trafegam pelas mesmas estradas, cada qual no seu próprio tempo. Da mesma forma, não há estilo de motociclismo certo ou errado. Todos são livres. Há quem goste do estilo “chopper”; há quem aprecie o “off road” e quem curta o “touring”; há também quem use a moto somente para o trabalho, quem goste de longas e duradouras viagens e quem se diverte apenas com os típicos bate & volta. Há os que planejam metas diárias de pilotagem e os que gostam de viajar na tocada “easy rider”. Há os adeptos ao motoclubismo e os que preferem pilotar sozinhos. Cada qual sabe o que lhe agrada e o que lhe permite sentir a incomparável completude que só o motociclismo proporciona.

Viagem de triciclo pelo Brasil
Viagem de triciclo pelo Brasil

Ser motociclista é sentir a liberdade do vento no peito, é conversar consigo mesmo na solidão do capacete, é ser livre para se expressar como quiser, é ter a certeza de que todos somos, fraternalmente, iguais.

Ambiente motociclístico saudável é aquele onde a alegria e a descontração prevalecem, onde não há discórdias ou inimizades, onde as brincadeiras, gozações e apelidos não magoam ou sequer incomodam, porque o respeito mútuo está acima de todas as coisas. Ambiente motociclístico, enfim, é lugar para “pessoas resolvidas”, sejam craques ou sejam, assim como sou, um perna-de-pau.


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