Uma viagem, um recomeço, o que o destino trouxer
Capítulo 1 – O fim e o começo
Eu começo este livro pelo fim, o fim de meu casamento. Realmente nunca quis que ele acabasse, mas atitudes inteligentes e bastante oportunas de minha parte (para não dizer o contrário) tiveram como consequência imediata a nossa separação. Era o dia 7 de dezembro de 2012, então eu já tinha exatos 12 anos e 3 meses de relacionamento, 2 anos e quase 2 meses de casamento oficializado. Nossa filha foi dama de honra, na cerimônia, e entrou com o buquê de flores escondendo o rosto. Quem via dizia: “que criança tão acanhada…” ledo engano… Quem conhece a peça sabe do que estou falando, mas em outra hora te direi quem realmente ela é…
Voltando à viagem, ou às razões que me levaram a fazê-la. Eu nunca havia pilotado uma motocicleta até que comprei a minha Kansas, minha pretinha para os íntimos, e por ser uma moto modelo Custom, a pilotagem dela é muito mais confortável do que as motos de outros modelos. O prazer de pilotar eu pude compreender numa frase que li numa rede social, certa vez: “quer entender porque um cachorro adora viajar de carro com a cabeça pra fora? Então pilote uma motocicleta”. Essa afirmação me abriu os olhos, eu agora entendia porque Bob e Fido, meus cachorros na infância adoravam por a cabeça pra fora da janela, e eu adorava aquela sensação.
Eu realmente sinto prazer em pilotar. Não posso dizer que é um prazer orgástico, mas é um prazer sim. Pilotar, para quem nunca o fez, é um momento único, ao menos para mim, pois acabo por esquecer tudo o que me abusa, fecho a minha mente para os transtornos do dia-a-dia, isolo os meus pensamentos e me concentro em algo único: pilotar. Eu realmente adoro pilotar, e dou um conselho àqueles que desejam o mesmo: saia agora mesmo, compre uma motocicleta e vá viver!
Pois bem, este dia, 7 de dezembro, me foi um dia infeliz também, pois meu último avô veio a falecer nessa manhã. E mesmo com a distância, a perda de qualquer ente familiar nunca é uma notícia agradável. Na verdade, meus tios me dizem que para ele foi muito mais um descanso do que uma dor. Bem, eu não pude acompanhar todo o seu processo, por isso, se eles o dizem, eu acredito.
Como neste mesmo dia, Elisa se decidiu pela separação, qualquer um pode imaginar o quanto me foi dolorido, na verdade, ainda me é dolorido neste momento, e escrever essas linhas ajudam a diminuir um pouco essa dor. Mas também foi um dia de uma pequena alegria, eu decidi e avisei aos meus conhecidos: vou de moto de Jequié para Salvador (Bahia), sozinho, na companhia de Deus e da Estrada.
Meu irmão, Marcelo, sempre foi o principal opositor a esta idéia. Talvez por medo de que eu morresse, talvez por outro tipo de medo, mas o certo é que ele sempre foi contra. E que fique registrado a todos, eu sempre considerei essa opinião dele. Mais claramente falando, um dos motivos de se fazer a viagem foi justamente para quebrar esse medo que, assim como ele, me aflige até agora. Estou apavorado! Eu sempre quis fazer algo assim, e a separação foi o motivo derradeiro que me levou a tomar a decisão definitiva.
Eu recebi o salário do colégio particular que eu trabalho e comecei a pensar o que era preciso pra fazer essa viagem. Eu pensei da seguinte forma: sou formado em geografia, como profissional dessa área, preciso me munir de instrumentos que permitam fazer uma viagem o mais tranquila possível. Bom, qual o principal instrumento de orientação numa empreitada dessas? A bússola. Ai, ai… A minha aponta para o sul… Qualquer imbecil sabe que uma bússola aponta diretamente para o norte, e a minha apontava para o sul! Essa viagem começou bem. Munido dessa certeza, decidi comprar um aparelho GPS (Global Position System), mas eu comprei um próprio para carro, e eu vou de moto! Sabe leitor, às vezes penso que o imbecil sou eu. Eu já fiz besteira na vida, mas a maior delas estava por vir e eu só estava piorando as coisas.
Você nesse momento deve pensar por que um GPS poderia piorar as coisas, bom, eu ainda não aprendi a usá-lo. Sei determinar os itinerários, mas quando vou pra rua seguir o percurso o aparelho simplesmente não funciona. Ele não faz o percurso, fica parado no lugar e pronto. Já pensei diversas maneiras criativas de quebrá-lo, mas quando me lembro do valor pago, eu volto atrás. Assim, já imagino a viagem, uma bússola que aponta na direção errada, um GPS que não funciona, e ainda nem falei da moto.
Capítulo 2 – O aniversário
Antes de falar sobre a viagem, a moto e seus preparativos, vou falar-lhes da vontade de viajar. Como já disse antes, sou formado em Licenciatura Plena em Geografia pelo Honrado curso de Geografia da Universidade Federal da Bahia. Certa vez, conversando com alguns colegas de faculdade, um deles me disse a seguinte frase: “– Ricardo, quer saber qual é o sonho de todo estudante e profissional de Geografia? Viajar, munido apenas com uma câmera fotográfica na mão, sem destino, sem hora para chegar, simplesmente entrar no carro e ir”. Aquilo, sou sincero, marcou no fundo de minha alma. Não houve uma única viagem que eu fizesse que não pensasse naquelas palavras. Eram a tradução mais pura, mais perfeita do que eu sinto até hoje. Sempre quis fazer algo assim. Lembro-me de sonhar, inúmeras vezes, durante não somente as saídas a campo pela faculdade, mas também quando viajava em família, que eu queria fazer uma coisa do tipo, seguir por uma estrada, sem hora para chegar ao destino, com uma obrigação somente, seguir na estrada.
Refletindo mais profundamente, muito antes de cursar Geografia, eu já queria fazer isso, e a separação me deu o motivo final, o estopim para iniciar essa jornada. Assim como há a necessidade de esvaziar a mente para prestar atenção máxima à direção, eu precisava me concentrar em algo e esquecer a dor da separação.
Aliado a este momento, uma semana antes de viajar eu completei 35 anos. No dia 14 de dezembro eu fiz aniversário de 35 anos, e foi quando eu parei para refletir: estou com 35 anos! Segundo a expectativa de vida média de um brasileiro eu estou completando metade do tempo médio de vida de um brasileiro… Ufa… Não é todo dia que se alcança o meio de uma jornada. Agora eu não sou mais um jovem, pois estou velho demais para ser chamado assim, mas também não sou um velho, sou jovem demais para isso.
E foram pensamentos assim que embolaram em minha mente: Separação, a ameaça de desemprego, aniversário, distância de minha filha… NÃO!!! Gritei para mim mesmo, preciso dar um tempo, preciso esvaziar a minha mente de problemas simples, preciso, preciso… Sei lá… Preciso fazer uma viagem, não de um lugar para outro, mas de MIM para outro EU. Preciso resetar a minha mente e fazê-la reiniciar do zero, fazer uma formatação do HD presente em meu cérebro, e viajar é minha única alternativa, esse é o meu rito de passagem.
Tudo isso pensei no dia do meu Aniversário, enquanto ouvia meu amigo, chefe, conselheiro, Paulo Vasconcelos me reclamar de uma postura inadequada que eu tive no dia anterior. Eu o ouvia e pensava: “preciso mudar” ele falava e eu imaginava: “preciso mudar”. Mudar, não como profissional, mudar como pessoa. E foi assim que naquela mesma tarde tive a certeza de estar fazendo algo grande, louco, na visão de alguns, mas necessário para mim.
Qual não foi a surpresa de Paulo quando lhe falei em viajar de moto? Ele disse: “você é louco?” bom, eu respondi, eu sou sim… E quando eu expliquei os meus motivos sobre resetar a mente, acho que enfim ele compreendeu o que eu quis dizer com isso. Ele também passou por algo assim, e sabe o quero dizer com isso.
Mas não foram somente palavras negativas que eu ouvi sobre minha viagem. Ouvi também palavras de apoio. E uma pessoa que apoiou bastante nessa hora foi a minha (infelizmente, ex) esposa, Elisa. Ela vai se chatear com o que eu vou dizer agora, mas, como me disseram uma vez, eu perco o amigo, mas não perco a piada, eu cheguei a pensar que ela me apoiava em fazer a viagem, pois se eu morresse ela ficaria com a (merreca) da pensão que teria direito em caso de minha morte.
Mas isso é brincadeira, como disse antes, ela foi, e sempre foi a principal incentivadora da viagem, ela entendeu pronta e perfeitamente a necessidade que eu tinha em fazer isso, e sabia, como somente ela é capaz de compreender, quão bem esse momento faria para mim.
Alguns amigos e colegas de escolas tiveram suas opiniões consultadas, alguns contra, outros em favor, uns terceiros que não quiseram opinar, todos tendo suas opiniões levadas em consideração na hora de decidir.
Mas todos sabem que, às vezes nós fraquejamos em nossos caminhos. E eu fraquejei. Cheguei mesmo a pensar em cancelar a empreitada, mas eu percebi que fazendo isso eu não estaria frustrando aqueles que me apoiaram, mas sim frustrando a mim. E foi nesse sentido que comecei a agir em prol de uma viagem tranquila. Comecei a planejar, como bom geógrafo que eu acho que sou, o melhor caminho a ser seguido. E foi assim que começou a minha cruzada.
Capítulo 3 – Pensando a viagem
Comecei a pesquisar quais os caminhos que deveria tomar, de forma a fazer uma viagem que fosse ao mesmo tempo, rápida (exigência minha) e segura (exigência de Marcelo). Eu pensei assim: tenho medo do trecho que liga Feira de Santana a Salvador, a BR-324, tem muito carro, muito caminhão, e apesar de ser uma pista duplicada, a quantidade de acidentes é enorme. Também pensei na chegada a Salvador. Bom, o transito na região de um grande shopping de Salvador, em pleno Sábado à tarde, às vésperas do Natal não é exatamente a visão do paraíso que Deus proporcionou a Adão e Eva.
Sem frescuras, é um trânsito desgraçado. Além disso, havia a volta, devia pensar por onde seria o caminho de retorno. Apesar de todos os problemas, seguir a BR-116 seria o melhor caminho, posto que, mesmo nunca tendo viajado dirigindo ou pilotando nada, era um trecho de estrada que eu já havia passado diversas vezes, portanto, e de certa forma, um trecho conhecido, mas continuava havendo o problema da entrada em Salvador.
Analisando direito, me deram a idéia de seguir pela BR-101, até Feira de Santana, mas permanecia o problema, a BR-324. Definitivamente, eu não iria por ali. Mais uma vez, usando meus conhecimentos geográficos e as ferramentas das quais eu dispunha, cheguei à conclusão que o melhor a fazer era seguir pra Salvador e fazer a travessia de Ferry-Boat (a melhor coisa na verdade era não fazer a viagem de moto, mas com sempre fui cabeça dura…).
Do meu ponto de vista, uma excelente opção, afinal, o maior movimento no terminal marítimo deveria ser em direção à Ilha de Vera Cruz e suas praias, e não ao contrário, assim espero. Também havia outro motivo, a travessia, que eu sempre adorei fazer, me colocaria dentro de Salvador, mais precisamente, na região do Comércio – Cidade Baixa, que, geralmente nas tardes de sábado, possuía um volume de tráfego bem menor.
Pensado nisso, estava enfim decidido que caminho eu iria tomar. A viagem Jequié-Salvador seria feita no dia 22 de Dezembro, um sábado, a partir das 5 horas da manhã, para pegar o trecho no sentido leste com o Sol ainda muito próximo ao horizonte, para não atrapalhar a visibilidade durante a pilotagem. Seguirei rumo ao município de Gandu, num trecho, segundo o GPS, de 66 km, consumindo cerca de 2,5 litros de gasolina, gastando um tempo médio de 1h a 1h30 de viagem. Em Gandu, farei minha primeira grande parada. Descanso, estirar as pernas, a coluna, comer, reabastecer. Espero levar cerca de 30 a 45 minutos nisso, mas se demorar mais, não haverá problema, não tenho hora pra chegar.
De Gandu a Santo Antônio de Jesus, mais 90 km de estrada, mais umas 2 horas de viagem, e então, 1h30 para almoço, descanso, necessidades fisiológicas, reabastecer e seguir em frente. De Sto. Antônio de Jesus segurei em direção à cidade de Nazaré (das Farinhas). Mais 30 km de estrada, e de novo, descanso, esticar as pernas, a coluna, comer, reabastecer. Novamente, mais 30 a 45 minutos parado. De Nazaré seguirei rumo ao terminal marítimo de Bom Despacho para fazer a travessia nas balsas até chegar a Salvador.
Capítulo 4 – Dias de preparação
1º Dia de preparação – 17/12/2012
A moto tem sido um caso a parte nessa viagem. Faltando 6 dias para a minha cruzada pelas estradas baianas ela começou a mostrar suas vontades. Resolveu, e de uma forma inesperada, quebrar o sistema de setas de direção (o pisca alerta, das luzes laranjas, para quem não sabe). Como vou fazer uma viagem sem sistema de indicação de direção? Se a polícia me parar, acabou a viagem ali mesmo, fora a multa e ainda perder a habilitação recém-conquistada.
Também preciso tomar cuidado nesses dias que antecedem a viagem, qualquer vacilo e Adeus jornada ao interior de minha alma. Alguns dirão que isso são sinais para não realizar tal empreitada. Desculpem-me, se eu tiver que morrer, e todos nós faremos isso um dia, quero que seja posto assim em minha lápide: “Aqui jaz Ricardo de L. F. Lima. Morreu Feliz. Morreu porque vivia”. Mas não vou me preocupar com minha lápide, afinal, se eu morrer, quem estiver vivo que se preocupe, eu já estarei morto mesmo.
Muitas coisas me passam pela cabeça, inclusive os preparativos para uma nova viagem. É… Eu sou assim, nem fiz essa viagem e já planejo a próxima. Mas isso será para o próximo ano. Por hora, quero me concentrar nessa que está por vir; se Deus permitir que tudo ocorra de forma tranquila, quem sabe o que o futuro nos reserva? Quando for a hora eu pensarei nessa nova viagem. Por hora fico aqui. Amanhã continuo o meu diário.
2º Dia de preparação – 18/12/2012
Hoje o dia começou bem cedo para mim. Na verdade, o dia anterior ainda não terminou. Após tudo que eu escrevi até agora, fui pensar nos meus amigos. E que amigos.
Tiago Borges veja bem, se tem um cara que é bom amigo, esse cara é Tiago. Eu sempre o vi como a voz da minha consciência. Aquele amigo que te chama de volta à razão, quando você está atrapalhado, mas essa mesma pessoa, que te chama à galhofa quando você está sério demais. Saídas a campo, “reggaes” com o pessoal da faculdade não tinha razão de ser, se não houvesse Tiago no meio. A minha inspiração para adquirir minha Kansas. E olha o que ele disse para mim, logo quando lhe contei que queria comprar uma moto foi: “cara, não compre não”. Conhecendo-o como eu o conheço, sabia que se eu insistisse, ele me explicaria seus motivos de negar e acabaria a conversa convencido de que deveria comprar ela mesmo. E foi o que ocorreu, comprei minha Kansas por que Tiago me aconselhou. É assim que ele funciona. Ele te mostra a razão dos fatos. Mas quando está no meio da bagunça, todos perdem a razão.
Jaime Libório… Se a vida ensina muitas coisas para as pessoas, a vida me ensinou Jaime Libório. Um dia lhe prometi: “Jaime, se um dia eu tiver um filho homem, quero que você seja o padrinho. Quero você um exemplo para ele!”. Não lembro se no dia eu estava bêbado quando disse isso, sei que foi em Euclides da Cunha, Região Nordeste da Bahia, quando estivemos lá, por conta de uma viagem da faculdade. Mas eu disse, e não retiro. Sabe um cara doido? Esse é Jaime. Ele sempre representou para mim, todo o nível de alegria que uma pessoa pode ter. Não existe viagem boa sem Jaime. Não existe festa divertida sem Jaime. Ele leva a sério o fato de que não se deve ficar sério em momentos de diversão. Com ele do seu lado não existem problemas que te incomodem. Nesse ponto ele é egoísta, ou só ele te perturba, ou mais nada te pertubará.
Pedro Licona, o Panamenho. Espero que ele nunca tenha ouvido isso como ofensa. Nunca foi minha intenção. Nossa amizade surgiu meio que do nada. Mas eu digo, se tem um cara que te apoia em qualquer decisão, sob quaisquer circunstâncias, esse alguém é Pedro Licona. Conhecer ele não foi somente construir uma nova amizade. Quis o destino que a nossa amizade fosse determinante para despertar em mim um sentimento de paixão por motos do tipo Custom. Eu já gostava do estilo. Não só por filmes como “Easy Riders – Sem Destino” ou “Exterminador do Futuro II”. Mas também pela possibilidade de conhecer pessoas que tinham como estilo de vida aquilo que eu almejava: viajar de moto. E o estilo do pai de Pedro se tornou um espelho para mim. Não importava que trabalho você fizesse, se seu destino era viajar de moto, então vá viajar.
Paulo Vasconcelos ou como sempre o chamo: Chefia. Posso não mais trabalhar com ele, posso até vir a ser seu chefe, pra mim será sempre o Chefe. Líder nato, sabe conquistar as pessoas. E se hoje posso ter uma moto, dou graças a ele também, que me ensinou como ser disciplinado no trabalho, na vida profissional. Você, leitor, pode trabalhar em qualquer área, se você quiser crescer profissionalmente e tiver como chefe um Paulo Vasconcelos, pode ter certeza: seu futuro está garantido.
Maria Eduarda, minha filha, ou como sempre a chamo: Pirulito. Quando era pequena, era magrinha, tinha um cabeção, era um doce de menina e eu sabia que um dia iria me causar diabete. Quando Elisa engravidou de Duda, eu fiz uma promessa: se fosse menino eu compraria um jipe, se fosse menina, eu teria uma moto.
Acho que os filhos não devem se envergonhar dos pais. Sempre tive medo que ela tivesse vergonha de mim, e a moto, pensava eu, faria com que ela pudesse mostrar aos colegas que eu era um pai diferenciado. Ela adora passear de moto. Logo quando comprei a Kansas, fui passear com ela, eu havia prometido. E prometer qualquer coisa a Duda e não cumprir, era o mesmo que ir direto ao inferno conversar com o demônio. Vixe, ela inferniza… Pois bem, comprei a moto, fui passear com Duda. A primeira volta fui devagar, afinal estava com uma criança de 6 anos, ela até que gostou, meio que sem graça. Na segunda volta eu perguntei: “posso Acelerar?” ela respondeu que sim. Acelerei e ela gritou Uhuuuu!!! Quando parei em casa ela disse: “Massa”. São tantas estórias dela que teria que escrever um livro só pra ela.
Elisa Cristina, apesar de todo o amor que eu sinto por ela, não demonstrei isso da maneira correta, como ela merecia, eu fiz isso de forma tresloucada. Eu tenho três dívidas eternas para com ela. Uma obviamente, é Maria Eduarda. A segunda, meu diploma de Geografia, se tenho, devo-lhe tal honra. Terceiro, a moto teve de ser tirada em seu nome. Até hoje tenho a impressão de que ela não queria ter feito isso. Nunca te perguntei de fato, mas sempre achei. De todo jeito, poder tirar em seu nome foi algo que não tenho como pagar.
Caro leitor, se uma mesma pessoa lhe concede três desejos, você tem por obrigação moral, tratar essa pessoa como uma realeza. Infelizmente, para mim, só aprendi isso quando a perdi. Mas tenham certeza, posso até ter outra pessoa, mas nunca será amor como eu tenho por Elisa. Não mesmo… Espero que um dia ela volte a me dar outra chance, mas por hora, não quero isso, honestamente não quero não, quero que ela possa se encontrar como mulher, encontrar seu lugar na teia da vida. E neste momento desejar que ela esteja comigo, seria o mesmo que lhe imputar uma pena pela qual ela não tem culpa. A culpa é minha! Ainda assim lhe sou grato, como disse antes, ela é a espinha dorsal de minha vida.
Sobre meu irmão, Marcelo, direi pouco, não que não mereça muitas palavras, mas ainda que escrevesse uma bíblia sobre ele, não seria o suficiente para expressar o que sinto por meu irmão. Sei que ele achará uma babaquice ler isso, mesmo assim direi: Te Amo Irmão! Sua recusa em aceitar minha viagem de moto foi a minha principal inspiração em fazê-la. Não como meio de te desafiar, mas foi um desafio a mim mesmo. Preciso fazer essa viagem pra deixar para trás tudo que de ruim aconteceu, pois como você sabidamente me disse: “Merdas cagadas ao C… não retornam”. Isso é tão profundo para mim que repito todo primeiro dia de aula para os meus alunos que estão no 3º Ano ou em cursinho pré-vestibular.
Bom, neste dia de hoje, não tenho muito que fazer para preparar a viagem, preciso esperar sair o pagamento pra dar continuidade aos preparativos dela, como por exemplo, fazer revisão, comprar os alforjes e terminar minha tatuagem do Bahia. Por sinal, sobre as tatuagens, todas elas têm um significado. Uma é o nome Duda. A segunda, uma variação de uma inscrição bíblica: “In Valle Umbrae Mortis, Lux Mea Dominum. No Vale da Sombra da Morte, o Senhor é minha Luz”, para me guiar sempre. A terceira, uma Cruz de Santiago, uma cruz que parece uma adaga, representando a minha arma maior: a Fé, para sempre me proteger. A quarta tatuagem, minha fé pagã, meu time do coração, o único time que não tem torcida: Bahia. Esporte Clube Bahia e a inscrição: “Para sempre serás o vencedor”.
Você que leu até aqui, pode estar imaginando: “Ricardo escreve como se soubesse que morrerá no meio da estrada”. Não meu amigo, eu não sei, como sempre digo, se fosse adivinho, estaria plantado na porta da loteria para descobrir os números para ficar rico. Mas como essa possibilidade existe, escrevo isso, para que o mundo saiba que fiz essa viagem, não para me arriscar, mas para me encontrar. Não porque eu queria morrer, mas porque eu preciso sentir a vida. Esse é o meu rito de passagem.
O dia de hoje se mostrou interessante, conversei com Elisa sobre o desenvolvimento deste texto. Falei-lhe também sobre minha mudança de postura em relação à separação. E também pude dizer-lhe o quanto a amo, mas que por amá-la demais não iria mais segurá-la. Em dias como hoje, quando minha ansiedade começa a extravasar, preciso achar meios de me acalmar. Neste ponto ir praticar MMA com Sensei Rubens, por sinal, irmão de Elisa, se mostra uma alternativa saudável para a minha mente, mas a verdade é que não quero ir, não sei se quero ou não ir, eu na verdade quero continuar escrevendo.
Pela terceira vez desde que comecei a me preparar para essa viagem, alguém me aconselha a ir pelo Vale do Jiquiriçá. É um caminho que não conheço, portanto não seguirei por essa rota. Efetivamente, hoje foi um dia perdido na preparação da viagem. Sem dinheiro, ainda distante da data, não tive muito que fazer. Espero que amanhã, ao receber parte do 13º salário, possa adiantar alguns dos preparativos para a viagem.
3º Dia de preparação – 19/12/2012
Hoje o dia começou bem. Como o 13º do Estado saiu, pude resolver uma pendência relativa à viagem: comprei um Bauleto. Não é a melhor opção para uma moto Custom, nem aerodinamicamente, nem esteticamente falando, mas no sentido de capacidade de carga, foi a melhor opção sim. O bicho é grande, veio arranhado, mesmo assim comprei para dar a impressão de experiência em estrada. (Mais um dos meus inúmeros pensamentos idiotas…).
Hoje passei o dia todo pensando numa coisa que Elisa me falou ontem. Que se eu quisesse reconquistá-la era só eu achar o caminho. Poxa, sinceramente não sei, tais palavras me doeram muito, pois sempre quis reconquistá-la, mas não enxergo um caminho. Ela também disse que essa viagem me mostraria realmente se eu quero ou não reconquistá-la de verdade. Eu quero. Mas não sei o que me espera ao fim da viagem.
A verdade é que vou tentar de novo sim, pedir seu perdão. Na sexta-feira, 21 de Dezembro, bem tarde da noite, vou deixar em sua casa um pedido de reconciliação, não sei ainda de que forma, mas farei isso. Espero que dê resultado positivo. Não consigo me ver, daqui a alguns meses, vivendo sem ela. Por incrível que pareça, sempre enxergo nós 3 juntos. Talvez eu esteja enxergando mais com o coração do que com a razão, mas é assim que enxergo.
Hoje, no final da tarde eu bati a moto na traseira de um carro. Putz… Eu voei por sobre um carro da polícia. Quando me dei conta do ocorrido, meu pânico foi tão grande que comecei a chorar. Liguei desesperado para Elisa, que mais desesperada ainda, veio doida ao local do acidente. Nossa, nessa hora passou um filme em minha cabeça, eu só conseguia chorar e dizer: “é o fim de minha viagem.” Teve uma hora que ouvi alguém dizer que o susto que eu levei foi tão grande que já estava dizendo coisas sem nexo. Bom, para ele talvez não houvesse nexo, mas para mim havia, e muito…
Entre mortos e feridos, salvaram-se todos. Como me ensinou meu irmão, merdas cagadas ao c… não retornam. Assim sendo, eis o saldo do acidente: em mim, fisicamente, um joelho arranhado e muito dolorido, um coxa arranhada, uma dor no lado esquerdo da barriga, que por ser enorme serviu de airbag, um dedo dolorido, que ainda não sei explicar como aconteceu. Internamente, o orgulho ferido, sentimento de uma real ameaça à minha expedição.
Com a moto aconteceu o seguinte: Mata-cachorro amassado, que, por sinal, salvou toda a minha perna de ser esmagada contra a traseira do carro. Tanque amassado do lado esquerdo. Guidão empenado. Estou preocupado com isso, talvez amanhã eu troque, antes sem dinheiro para viagem do que sem moto para viagem. Farol dianteiro danificado, mas não totalmente quebrado. Os anjos da guarda de minha pretinha, Humberto e Careca, fizeram o que puderam e deixaram a moto quase pronta para viajar. O problema é que o pisca-pisca esquerdo voltou a não funcionar.
Com o carro, um amassado na tampa do porta-malas e um para-choque quebrado, que terei que pagar, mas só poderei ressarcir depois do Natal, e olhe lá.
Hoje eu temi pela continuidade dessa empreitada, mas irei assim mesmo. Como bem disse Elisa, essas coisas acontecem por dois motivos: um é para não ir; o outro para ficar alerta. Eu vou assim mesmo. Sei que Deus me acompanhará nessa jornada e não deixará que mal algum me aconteça, e se algo vier a acontecer, bem, eu terei plena convicção que não fui um covarde por não tentar. O que eu preciso é parar de divulgar essa viagem, minha ansiedade está me trazendo mais problemas do que soluções. E nesse processo de extravasar, estou atraindo mais pensamentos negativos, de pessoas invejosas, do que pensamentos positivos de pessoas que torcem por mim.
Como disse anteriormente, eu corro sério risco de ser demitido. Ainda não ocorreu, também não quero que aconteça, mas como tenho o costume de encontrar lados positivos em situações adversas, essa demissão pode até ser uma boa aliada à viagem. A rescisão contratual poderá me render certo volume de dinheiro que me deixará mais tranquilo durante o percurso. Também poderá servir para fazer os reajustes necessários na pretinha, por conta do acidente. Vamos ver o que o futuro nos reserva, pois em breve saberemos o seu resultado.
4º Dia de preparação – 20/12/2012
Hoje é o último dia do planeta. Amanhã ele acabará. Pelo menos segundo a lenda Maia que diz que o mundo acabará no dia 21 de dezembro de 2012… Eu não sei não, mas se o mundo não acabou, e você pode estar lendo isso, significa que eu pude realizar a minha jornada. Quanta besteira, o mundo acabar? Como dizem por aí, se de hoje para amanhã der uma trovoada forte e faltar luz, o que vai ter de gente se borrando de medo…
Essa noite eu tive um sonho, nele a minha separação era mantida, mas não sei por que, acordei com a seguinte idéia, que disse para Elisa em mensagem de celular: Espero que você faça valer a pena a separação, ainda que depois estejamos juntos. Porque eu sinto muita dor, no corpo e na alma, e depois de tanta dor, saber que separar, para você, não tenha valido a pena será uma dor ainda maior.
Sabe leitor, já disse antes o quanto eu amo Elisa, mas sinceramente, quero que ela seja feliz, ainda que isso me cause infelicidade. Se nós nos importamos com alguém, queremos que ela seja feliz a todo custo. Ela diz que não está feliz comigo, então eu também não posso estar. Desejo ardentemente a sua pessoa, o seu corpo. Mas não, não a quero aqui comigo, não se for para fazê-la infeliz. Ao ler isso ela saberá, mas somente então… Eu choro todos os dias, durmo triste com a sua partida, durmo triste porque eu sei que ela tem que ir. Mas ao acordar, apesar de às vezes também chorar, como agora… Eu tento me conformar com essa situação. A pior tristeza na vida de uma pessoa, não é perder alguém, é descobrir que você faz alguém infeliz somente pela sua presença.
Alguém um dia irá me perguntar o porquê de escrever, ao invés de falar diretamente. Bom, escrevendo minhas idéias brotam, eu não tenho minha linha de raciocínio interrompida. Eu posso falar tudo que quero, e ainda que depois a pessoa se sinta ofendido com o que leu, poder me explicar e redimir-me da ofensa é muito mais fácil.
Hoje vou tentar consertar o pisca-pisca da moto, pois é, quebrou de novo. Você deve pensar que eu sou teimoso, com tudo que está acontecendo, como uma maneira de me advertir sobre a viagem, eu continuo insistindo em fazê-la. Eu vou! Não vou fugir daquilo que eu tenho que fazer por mim.
Alem do pisca-pisca, hoje de tarde vou fazer o orçamento no carro em que eu bati, espero que não saia tão caro, senão só semana que vem para começar a pagar. Hoje também, talvez eu termine minha tatuagem do Bahia, espero que possa acontecer, queria ir para Salvador com ela terminada.
Penúltimo dia de preparação e este termina muito bem. Consegui ajeitar o guidão, pus um novo, deixou a pilotagem até mais confortável do que antes do acidente. Também dei um jeito no pisca-pisca, espero que funcione na viagem.
Emocionalmente falando, nenhuma mudança no status do meu relacionamento, infelizmente. Gostaria muito que houvesse alteração, sei que fiz besteira, mas ela está irredutível.
Também estou numa expectativa enorme, não sei se serei demitido ou não, mas como já disse antes, pode até ser uma boa, no atual contexto em que me encontro. Ficaria livre para ir embora definitivamente para Salvador. Perderia contato com alguns amigos, em compensação retomaria o contato com outros. Como sempre digo, tudo tem sempre um lado bom e um lado mau, depende apenas de nós, para qual dos lados queremos olhar.
A nota muito, mas muito alegre de hoje, foi a finalização da tatuagem do Bahia. Ficou maravilhosa! Verdadeira obra-prima de Fábio Pedreira, tatuador excelente. Quem quiser o contato dele pode procurar no Facebook ou ligue: (73) 9129 0078. Você não irá se arrepender. Não é porque eu sou torcedor do Bahia, mas a tatuagem ficou verdadeiramente bem feita.
Bom, por hoje finalizo aqui, amanhã o dia será cheio, como se não bastasse fechamento de notas, a expectativa da demissão. Vamos ver o que o futuro me reserva.
5º Dia de preparação – 21/12/2012
Último dia de preparação, se o mundo não acabar como foi previsto, amanhã poderei viajar tranquilamente na companhia de Deus e da Estrada.
Até agora nada do mundo acabar, mas como a previsão foi feita na região do México, e lá há um atraso de 3 horas em relação ao nosso fuso, tudo pode acontecer até o fim do dia.
Há pouco terminou a reunião no colégio particular. Nada de demissão, poderei viajar tranquilo, apesar de que o dinheiro da rescisão seria bem oportuno, mas deixa para lá, é melhor ter dinheiro a receber quando voltar do que não ter nada para receber mais.
Mais uma vez, a manhã foi de felicitações pela viagem e negativas em relação à mesma. Não deveria estar comentando com mais ninguém, mas é que eu me alimento desses pensamentos negativos para poder me manter alerta na estrada.
Ainda faltam muitas coisas para o dia de hoje terminar, mas felizmente metade dele já se foi. Na outra metade, me dediquei a concluir minhas obrigações trabalhistas e me preparar para a viagem. Abasteci a moto e me despedi de Elisa. E assim terminou meu último dia de preparativos para a jornada.
Capítulo 5 – A viagem
A viagem em si
Saída às 5 horas da manhã do dia 22 de Dezembro de 2012.
A viagem foi realizada de acordo com o roteiro pré-programado e anteriormente relatado aqui. Itamari – Gandu – Santo. Antônio de Jesus – Nazaré – Bom Despacho.
Algumas paradas não programadas tiveram de ser realizadas. Ora por conta de cansaço, ora por outros motivos. Meu lema durante a viagem era um só: respeitar os limites que a estrada me impunha, respeitar os limites do meu corpo, respeitar os limites da Motocicleta. Fazendo isso, pude realizar um percurso tranquilo, mesmo com o movimento da estrada.
O trecho de Jequié até Gandu foi muito tranquilo, quase não cruzei com veículo algum. A pista está muito boa, quase um tapete. Preocupava-me com a entrada de Gandu, sempre muito ruim, mas está recuperada. A sinalização em todo o trecho permite aos viajantes se guiarem de maneira perfeita.
Dentro de Gandu, o terror, nada de perigo para mim, fui muito bem tratado por aqueles a quem pedi orientação, mas a cidade em si, Ave Maria… Pensava que só Jequié fosse tão ruim, alguns dirão que é porque não gosto da cidade, mas a verdade é que está mal cuidada mesmo. Infelizmente, deixar por conta somente dos municípios faz com que aquelas cidades que não contam com tantos recursos sofram as consequências desse descaso.
Saindo de Gandu, não é que a situação melhore, não mesmo, mas tive sorte de 45 km antes de Santo Antônio de Jesus, parar num posto muito bom, bem estruturado e organizado, Posto Água Mineral. Salvou minha parada programada. Pude descansar o corpo, que a essa altura já havia mostrado alguns sinais de cansaço.
O trecho de BR-101 entre Gandu e Santo Antônio de Jesus está em excelente condição. Mas sinceramente não pude aproveitá-lo direito. A toda hora ia ao acostamento para dar passagem aos veículos que podiam trafegar em maior velocidade. O absurdo é ver a imprudência das pessoas. Como motocicletas menos potentes que a minha trafegando em alta velocidade, ou motociclistas sem capacete. Afinal, o que esse povo pensa? Não tem amor à vida não?
Não entrei em Santo Antônio de Jesus, consegui resolver tudo no anel rodoviário mesmo. Abasteci e descansei na beira da estrada mesmo. Quem ler isto vai pensar que foi literalmente na beira da estrada. Não, não foi. Parei num apoio rodoviário muito bom, muito bem estruturado, limpo, organizado e barato. O nome é Churrascaria e Lanchonete Pena Branca, que muito em breve será uma pousada também. Se der, na viagem de retorno eu paro neles novamente.
Sair da BR-101 foi muito bom, o trânsito pesado ficava para trás, a apreensão pôde diminuir consideravelmente. O trecho da BA-046 até Nazaré está muito bom, como o restante do percurso. Também muito bem sinalizado e bem conservado. Como se constitui de um trecho plano, o perigo em se empolgar e acelerar é enorme, mas a pista dá conta, pois é segura mesmo. Pelo menos eu me senti seguro trafegando nela.
Em Nazaré quase não pude apreciar a paisagem. O cansaço do corpo me dava impulso a seguir em frente. Basicamente descansei o corpo e segui em frente, nem mesmo comi nada, apenas relaxei o corpo. O que mais me deixou aliviado ao sair de Nazaré foi saber que só restavam 61 km até Bom Despacho. Isso meio que me levou adiante.
De Nazaré até a Ponte do Funil, o que mais incomodou foram os veículos que fazem transporte alternativo de passageiros. Sempre em alta velocidade, toda hora parando, e o que é pior, não se importando com mais ninguém na estrada.
A partir do Funil, a viagem tomou outra forma. A proximidade com o mar e as lembranças da adolescência me permitiram apreciar a paisagem maravilhosa da Ilha. Foi bom ver que não possui mais aquela imagem desoladora de antes. O desenvolvimento da economia local deu à região um ar mais agradável de prosperidade.
A chegada a Bom Despacho me trouxe boas lembranças. Sempre gostei daquele lugar, não sei explicar, mas sempre gostei. Sem muito movimento, posso até mesmo dizer que dei muita sorte ao poder embarcar, quase que imediatamente, no Ferry-Boat Maria Betânia. A travessia me permitiu 90 minutos de um bom descanso, como precisava fazê-lo, no Ferry foi melhor ainda.
Chegar a Salvador foi a pior parte. Primeiro quero esclarecer algo: eu tinha razão. Chegar a partir do Comércio foi bom, o trânsito menos intenso me deu tranquilidade para percorrer a cidade. Mas os motoristas de Salvador… Quanta gente mal educada. Agora entendo quando dizem que Salvador tem um dos piores trânsitos do país.
Cheguei à casa de Marcelo exatamente às 14h30 do dia 22. Mais precisamente 9 horas e meia de viagem.
A VIAGEM EM MIM
Antes de sair, fiz a seguinte oração a Deus: “Senhor, ilumina o meu caminho, me permita fazer uma viagem na mais absoluta rapidez, segurança e tranquilidade. Permita que não seja visto por aquele que deseje me fazer algum mal. Permita também que a viagem seja feita com um tempo nublado, nem sol, nem chuva.” Se um dia achei que Deus não existe, hoje tenho prova suficiente de sua existência. A viagem foi rápida, pelo menos para mim, segura, pois não senti medo hora nenhuma, e tranquila, sem nenhum percalço. Além de ter sido uma viagem com tempo nublado. Obrigado Meu Deus.
Devo dizer que, mesmo após horas depois de chegar, eu continuo excitado com a viagem. Sensação assim eu só senti em quatro outros momentos de minha vida: Quando passei no vestibular; quando minha filha nasceu; quando me tornei servidor público efetivo e quando me casei com Elisa. Caro leitor, entenda uma coisa, eu estou FELIZ. Que sensação maravilhosa.
Sinceramente, em apenas um momento durante a viagem eu senti verdadeiramente medo, foi quando um idiota fez uma ultrapassagem em local proibido, na BR-101, e invadiu a pista em que eu seguia. Por sorte, como havia espaço suficiente e cerca de 6 carros na minha frente, pude me desvencilhar do perigo facilmente. Tirando esse momento, em nenhuma outra hora eu me senti em perigo, ao contrário, apesar da velocidade, de certa forma elevada, sempre me senti seguro.
Como prometi, em cada parada programada eu avisei Elisa e Pedro sobre o meu progresso. Elisa, por razões óbvias, Pedro, porque ele me exigiu. Disse que só me deixaria fazer se eu avisasse. Eu fiz como prometi.
Não preciso dizer quanta euforia senti durante todo o trajeto. Às vezes gritava, às vezes cantava, às vezes ria. Era uma mistura de sensações incríveis. Somente quem faz algo assim pode entender mesmo o que eu senti. Espero que você leitor, saiba o que estou tentando dizer.
Dentro do Ferry, pude ligar para Elisa sobre a minha posição. Infelizmente, para mim, a sua frieza me incomodou, ela poderia ser um pouco mais receptiva… Ela deve saber o que faz…
Também pude avisar Pedro. Parecia mais eufórico com o meu progresso do que eu mesmo. O cara gritava ao telefone. Pedro se estiver lendo isso, faça uma viagem assim meu amigo, você vai ver como é bom.
Outro que avisei foi o Jaime, também muito empolgado, começou a planejar nossas atividades de divertimento.
Parte do trajeto, dentro de Salvador, a caminho da casa de Marcelo, eu realizei quase que chorando, mas não pude me conter quando finalmente parei a moto na porta do prédio onde ele mora. As lágrimas correram com sincera satisfação. A primeira parte de minha jornada estava assim concluída. Algo para o qual lutei muito, tinha finalmente acontecido. E não posso deixar de dizer, foi uma vitória de Deus, com Deus e por causa de Deus. E que ninguém duvide disso.
Concluo o dia de minha viagem verdadeiramente feliz. Pinto no lixo, como se diz por ai. Igual a uma criança pequena que recebe de presente, um brinquedo que sempre quis.
Capítulo 6 – A estadia em Salvador
1º Dia de estadia – 23/12/2012
Meu primeiro dia em Salvador começou muito bem. Encontrei-me com Jaime e pudemos por nossos assuntos em dia. Circulamos pela cidade e fomos até a casa de um amigo nosso, o “Caverna” (também apelidado como Robson, para aqueles que não o conhecem). Passear por Salvador tem me permitido, a cada dia, perder ainda mais o medo que eu tinha de pilotar por suas ruas. Não posso negar que existe muito motorista mal educado. Você se vê obrigado a andar em alta velocidade, o que aumenta, e muito, o risco de acidentes.
O almoço na casa de Caverna foi muito bom, conversar com ele é sempre uma experiência agradável. Fiquei feliz por ele estar finalizando seu apartamento e se preparando para casar. Espero que tenha mais sorte do que eu, e não cometa erros, como eu cometi.
Hoje comecei a acertar os detalhes do meu retorno a Jequié. Mas já? Sim, pois Jaime me garantiu que irá me acompanhar na viagem. Disse que também quer ter a experiência de viajar sozinho. Espero que seja tão bom para ele, quanto foi para mim.
Circular por Salvador na companhia de Jaime foi outra experiência importante. A Coruja estava assim dando os seus primeiros voos. A sensação de liberdade é incrível. Hoje também foi um dia interessante, pois saí de moto durante a noite. E posso dizer que não senti mais tanto medo quanto senti ontem ao sair do Ferry-Boat. Sinto-me mais livre.
2º Dia de estadia – 24/12/2012
Véspera de Natal. O dia começou hoje bem tranquilo. Parado mesmo. Ontem, Elisa me disse que leu o texto. Para variar, a mesma frieza de sempre. Poxa, eu estou cansando. Não é que eu esteja deixando de amá-la. Mas estou cansando de insistir. Ela não me quer mais, então não vou ficar mais procurando.
Às vezes eu fico pensando na viagem. Sabe leitor, será mesmo que uma simples viagem nos faz diferentes mesmo? Será que podemos nos tornar uma pessoa melhor simplesmente por que encaramos uma estrada? Eu me sinto diferente. Eu me sinto capaz de enfrentar meus medos, e os medos que os outros imputam a mim. Começo a perceber que o medo que os outros sentem, em certos momentos, é na verdade a falta de coragem para realizar o mesmo. Ou então, o medo existe simplesmente pelo fato de não poder realizar determinados atos.
Não é loucura encarar uma Rodovia Federal em cima de uma moto de 150 cilindradas. Loucura maior é criar barreiras, utilizando como desculpa coisas que, na verdade, não podem ser responsabilizadas por aquilo. Reavaliando o feito da viagem, percebo que não teria a mesma importância se eu viesse montado numa motocicleta de 750cc, 950cc ou mais, ou se viesse de carro. Minha pretinha é parte de mim. Ela é especial para mim. Terei sim outras motos, mais potentes e melhores, óbvio. Lutarei para isso. Mas ela é especial. Foi com ela que eu aprendi a pilotar. Foi ela quem me levou aonde eu quis por todo esse tempo. Fazer uma jornada como essa em outra moto seria o mesmo que trair minha pretinha. Do jeito que a moto é cheia de vontade, se eu fizesse isso, acho que ela seria capaz até de bater o motor, só para me sacanear.
Estou realizado, vou lembrar-me disso pelo resto de minha vida. Agora eu fico na expectativa de fazer a viagem de volta. Jaime disse que vai comigo. Isso será interessante.
A minha noite de Natal começou horrível. Nunca chorei tanto. Não sei se meu irmão percebeu, mas acho também que, se percebeu, não gostou de me ver assim. Ele pode me considerar um fraco, mas ainda me dói muito a dor da separação. Mesmo assim, fiz de tudo para me conter. A festa de Natal dele não merecia ser estragada por minha infelicidade. De resto, ver a alegria de Duda tirando fotos me foi reconfortante. Mais tarde eu mostro algumas das fotos tiradas por ela na noite de Natal.
3º Dia de estadia – 25/12/2012
Reencontrar Elisa ainda me é muito sacrificante. Não posso negar que vê-la e não poder tocá-la me machuca muito. Ela diz a todo instante que não dou tempo às coisas acontecerem. Eu a ouvi dizer para sua avó a seguinte frase: ” – Não tenho como realizar esse desejo seu.” Para que fique registrado, não sei dizer se foi sobre mim, mas aquilo me alertou para uma coisa: eu devo seguir em frente. Sei que não vou conseguir esquecê-la tão rápido, quanto ela resolveu me esquecer, mas garanto que hoje foi a última vez que chorei sentindo a sua falta. Juro pela saúde de Maria Eduarda. Promessa!
Hoje enfrentei mais dois de meus medos: pilotei com Duda na garupa, ela disse que adorou, mas que só não gostou porque acelerei muito. Outro medo foi encarar a Avenida Paralela. A bem da verdade, não foi durante uma segunda-feira normal, foi no meio do feriado, mas já é um começo.
Passei o dia refletindo sobre o que alguns convidados de meu irmão me disseram sobre a viagem. Novamente opiniões de loucura e coragem dominaram as conversas. Não sei se é coincidência, mas o galho de arruda que meu colega de trabalho, Carlos Diram me deu, amanheceu hoje exalando um perfume forte. Deus é mais. As pessoas temem o que não conhecem, e por temerem, preferem vê-lo destruído a conhecê-lo mais a fundo.
Bom, o dia de hoje se finda e algumas decisões importantes tiveram de ser tomadas. A mais dura de todas foi a que eu vou virar a página sobre Elisa. Ela vai ter que ficar no passado. Se ela resolver voltar para mim eu pensarei se devo aceitar ou não, o importante é que, nesse momento, eu escolho viver, só, se for preciso, mas como todo bom livro, depois que você vira uma página, a seguinte sempre trás emoções novas. Espero que esteja acontecendo isso nesse momento.
4º Dia de estadia – 26/12/2012
Mas a gente faz merda nessa vida. Antes de tudo, o dia foi bom. A manhã foi tranquila, tranquila até demais. Gostaria de ter um pouco mais de emoção nesses dias aqui em Salvador. À tarde fui buscar Maria Eduarda na casa onde os avós estão hospedados. O trânsito estava um inferno. Levei quase 40 minutos num percurso relativamente curto. Ainda me impressiono com tamanha falta de educação dos motoristas daqui. Se for tão fácil assim tirar habilitação de motorista, porque diabo eu fui tantas vezes reprovado? Não me acho pior do que ninguém, mas com certeza sou melhor do que muitos.
Encarei a Avenida Paralela com Duda na garupa. Não vou mentir, fiquei travado. Mas foi tudo bem. Duda disse até que gostou, mas percebo que ela tem um pouco de medo sim. Medo por causa da velocidade, mas ela também demonstra adorar andar de moto. Peguei essa avenida porque eu precisava ir ao shopping trocar uma calça, que meu irmão me deu em um número menor. A pior parte foi na saída, uma confusão, um caos.
Bem, essa não foi a pior parte do dia, como disse antes, a gente faz cada merda… Estava passeando com Duda e caí na asneira de perguntar a ela o que a mãe já havia falado sobre nossa separação. Entre as coisas que eu já sabia ela disse: “– Minha mãe disse que estava fazendo isso para que o senhor aprendesse a dar o devido valor.” O restante não consigo lembrar. Mas o que me importa é que tudo isso me fez entender que a possibilidade de reconciliação era bem provável. Bom, fazer a besteira de perguntar foi ruim porque eu fiquei meio que esperançoso. E não quero isso. Não quero esperança em hipótese nenhuma. Mas não pude deixar de pensar a respeito. Ligando os cacos do pensamento, lembrei que ela já havia dito algumas vezes que eu precisava dar o devido tempo para que as coisas pudessem ocorrer. Que coisas? Quanto tempo? O que eu devo fazer?
Eu só enxergo uma saída, deixar para trás. Não sei viver na dúvida. Gosto de certezas. Ou sim, ou não. Como prometi antes, não chorei, nem vou chorar mais. Minha decisão é definitiva. A vida segue para frente, vou seguir em frente. Neste momento, meu casamento é passado. Elisa agora reside no passado. Elisa para mim agora é simplesmente aquela que é a mãe de minha filha. Ela pediu separação, não vou pedir mais que volte. Se ela quiser voltar, ela terá que pedir isso. É claro que na minha atual situação, acho que não a deixo nem terminar. Vou logo aceitando. Mas terá que ser iniciativa dela. E assim será se tiver que acontecer.
5º Dia de estadia – 27/12/2012
Um dos melhores dias aqui em Salvador. Começou até meio que devagar. Pela manhã fui ao shopping com Duda. Mais uma vez, transitar na Avenida ACM com Duda na garupa é um acontecimento. Ela mesma não fica com medo. Eu fico meio travado, mas aos poucos vou me soltando.
À tarde já foi um pouco diferente. Fui encontrar Elisa. Ela precisava conversar comigo sobre meus erros. Também veio falar sobre os pais dela que alugaram uma casa. Bom, não sei por que, mas achei meio desnecessário. Como disse antes, ela faz parte do meu passado. Não queria isso, pois é lá que ela tem que ficar agora. Atualmente ela é apenas “aquela que é a mãe de minha filha” e deve ficar nesse nível.
Bom, voltando ao dia, ou pelo menos a tarde, fui da Avenida São Rafael até o Porto da Barra, via Orla de Salvador. Que viagem, 45 minutos de trânsito pesado. Adivinha quem eu fui encontrar em meu destino? Jaime e Tiago. Meus companheiros de Kansas. Cara, que tarde maravilhosa.
Complicações nos compromissos de Jaime alteraram o esquema do meu retorno. Voltarei sozinho. Uma pena, mas fazer o quê? O importante é que eles me garantiram viajar no dia 11 de Janeiro. Então a coruja vai voar de verdade. Mas hoje tivemos nosso primeiro passeio em grupo. Saímos do Porto da Barra até o Mercado Modelo, em Salvador. Que incrível. Melhor do que pilotar uma moto, é pilotar uma moto acompanhado por outras motos. É divertido. É gostoso. É sensacional. Emparelhar as três motos, em pleno trânsito, trás uma sensação de liberdade maravilhosa. Parecia que a gente estava voando. Combinamos de na próxima semana procurar algum encontro de motociclistas. Pode parecer infantil, mas é para gente se sentir no meio.
Esses dias aqui em Salvador tem sido sensacionais para mim. Fazer uma viagem desse nível me fez repensar muitos conceitos que eu possuía, mas queria me livrar. Por exemplo, agora não terei medo de enfrentar algum caminho, simplesmente eu irei. Quando Elisa se decidiu pela separação, o que eu mais temia, por incrível que pareça, não era perdê-la, era viver sozinho. A estrada me ensinou a trilhar um caminho sozinho. Aprendi que devo ir pela estrada, não com medo do que me possa acontecer, o que tiver de ser, simplesmente será independente da minha vontade. Aprendi que devo ter medo daquilo que eu não quis enfrentar. Aprendi que devo me envergonhar do mal que faço aos outros, mas também aprendi que devo me envergonhar daquilo que eu não tive coragem de fazer. Não preciso ter medo de mais nada, preciso encarar minha nova condição e enfrentar tudo o que vier pela frente. Encarar cada curva em meu caminho, com a mesma coragem com que eu enfrento cada reta. Não preciso ter medo do que vem depois da curva.
6º Dia de estadia – 28/12/2012
Não fiz nada além de pensar. Penso muito nela, às vezes choro, mas não quero mais falar dela aqui. Essa viagem é sobre mim e sobre minha moto. Infelizmente, este 6º dia não me trouxe nada de especial.
7º e 8º Dias de estadia – 29 e 30/12/2012
Novamente, mais dois dias perdidos. Felizmente, reaprendi a fazer algo que me havia esquecido e que foi minha válvula de escape nos piores anos de minha vida. Voltei a fantasiar. Hoje minhas fantasias giram em torno do interesse que uma pessoa teria por mim. Há uma enorme possibilidade de que tais fantasias fiquem somente no campo da imaginação, mas, honestamente, elas têm me servido como meio de esquecer certas amarguras do meu passado. Sim, caro leitor, minha ex-esposa se tornou apenas isso, uma amargura em meu passado. E como todas as outras que nunca serão esquecidas, mas apenas postas num lado ignorado de minha mente.
A primeira coisa que farei ao retornar é contar à pessoa, objeto de minha fantasia, como pensar nela tem me ajudado. Não contarei aqui o nome dela, ficará registrado apenas em minha memória. Mas ela será o ponto de referência durante a minha viagem de retorno. Agora, se der certo entre a gente, eu conto para vocês.
Voltando à moto, pus na cabeça a seguinte idéia: vou abrir um fundo de investimento, cujo objetivo único é comprar uma moto de maior potência. Viverei viajando. Adorei! Mas para isso, ter uma motocicleta mais potente se faz necessário. A verdade é que uma motocicleta de 150cc não é o melhor veículo para se viajar. Dentro desse propósito, meus futuros relacionamentos, quer dizer, minhas futuras pretendentes deverão estar cientes desse meu projeto de vida. Ou virão comigo, ou irei sozinho. Quero manter minha liberdade na estrada. Quero fazer minha vida na estrada. (nada contra elas, mas a maneira como falei parece até uma prostituta de beira de estrada…).
Hoje bati o martelo para minha próxima viagem: O Carnaval. Ou irei a Salvador para curtir com os meus amigos, ou irei para Santa Maria da Vitória, curtir o período com meus familiares. Claro, se engatar algum relacionamento e a criatura decidir viajar, irei acompanhá-la de moto, se ela quiser vir comigo, melhor, bem melhor. Mas em caso da criatura não quiser viajar, paciência, curtirá o carnaval sozinha. Eu sinto muito. Não abrirei mão mais da estrada. Viverei e trabalharei, a partir de agora, para poder estar na estrada.
Caro leitor, você deve estar se perguntando por que eu nunca falo sobre meus pais. Não é que eu não os tenha. Eu tenho pai e mãe ainda vivos. Na verdade quem não me tem são eles. Deixa que eu te explique. Antes de me casar eu era uma pessoa nula. Não fazia nada além daquilo que meus pais diziam que eu devia fazer. Comecei a mudar isso quando comecei a cursar Geografia. Meu pai nunca aceitou que eu fizesse geografia, tanto que dizia aos amigos que eu cursava Geologia. Ele dizia que era mais honroso.
Comecei a me libertar de seu jugo quando conheci a mãe de Duda. Ela me ajudou nisso. E por isso lhe sou grato. Mas piorou minha situação quando minha filha nasceu. Tive que sair de casa. Como eles nunca aceitaram o rumo que dei a minha vida, o destino nos separou. Não sei o que o futuro me reserva, mas a verdade é que se eu estive convivendo com eles, não teria uma moto nem estaria fazendo uma viagem assim. Eles sempre me travaram e, com certeza, me travariam agora também.
Amanhã é o último dia do ano: 31/12/2012. Teve seus altos e baixos… Estou pensando em romper o ano pilotando. Seria o máximo…
9º Dia de estadia – 31/12/2012
Fui passar a virada de ano com minha prima Leidiane (Nani), que está grávida de 8 meses. Está com um barrigão. Apesar de todos os conselhos, fui de moto com Duda, mais de 30 km, e apesar de todas as expectativas, nunca fiz uma corrida em Salvador tão tranquila quanto nesse dia, e a volta, já no ano seguinte, eu achei ainda mais tranquila. Medo é complicado, te impede de fazer tanta coisa boa.
Aproveitei e, na virada do an,o fiz o que uma conselheira falou, mandei uma mensagem para aquela amiga logo após a virada, espero que dê certo.
10º Dia de estadia – 01/01/2013
O dia começou morno, mas fui levar Duda para ficar com a mãe e com os avós. Ainda mais que no natal, a volta foi ainda mais tranquila, e tive uma experiência nova: fui parado numa blitz da polícia. Desde que peguei minha habilitação, nunca passei por uma. Normal.
No restante do dia cai em tentação. Novamente pedi reconciliação com Elisa. Novamente a negativa foi a resposta. Uma pena.
11º Dia de Estadia – 02/01/2013
Nada de mais hoje, pelo menos na parte da manhã. A tarde foi diferente. Fui buscar Duda na casa dos avós. Vou ser simples e direto sobre o que aconteceu. Escapei de morrer. Simples assim. Um carro me deu uma fechada, para não bater fui para o lado direito, quase bati num ônibus. O detalhe está no fato de estar a cerca de 80 km/h, em plena Avenida Paralela. Simples assim.
Durante o resto do dia, nada de mais.
Sobre a motocicleta, eu estou preocupado. Apareceu uma vibração forte nela, não sei o que está causando isso, outra coisa é o óleo, pela quilometragem, se não tiver que trocar em Salvador, terei que fazê-lo em Jequié, e sem dinheiro… A coisa está ficando feia.
É interessante dizer neste momento que eu já estou ansioso pela minha viagem de retorno. Mais experiente, mais organizado, eu espero que seja ainda mais tranquila. Só estou preocupado com as finanças, mas como tenho o cartão da Cesta do Povo, caso seja necessário, como viajo numa segunda feira, eu paro em alguma loja, em alguma cidade dessas e tento trocar o crédito por dinheiro vivo. Aventura só é bom assim. Tem que ter certas dificuldades.
12º Dia de Estadia – 03/01/2013
Mais um dia perdido na capital baiana. Não fiz nada o dia inteiro. Ao menos pude repensar em minha relação com Elisa (como se não tivesse feito isso ainda…), e comecei a entender que não tenho que mudar para que ela me aceite de volta. Também ela não precisa mudar para ser aceita por mim. Entendi que o casamento é um imenso Diagrama de Venn, dois universos distintos que possuem entre si uma pequena interseção. Assim, nós dois deveríamos, enquanto casados, nos preocupar com essa interseção. Ao invés disso, nos preocupamos com nossas diferenças. Resultado: separação.
Sempre perguntei a ela um caminho para a reconciliação, finalmente eu encontrei. Se for o caso, nós devemos procurar pontos em comum em nossas realidades para, a partir de então, começar a construir uma vida conjugal. Quais as características de Elisa que eu gosto? Quais as minhas características que ela gosta? As respostas a tais questões são as chaves que abrirão para nós, a porta que nos leva ao caminho da reconciliação. O problema é que existem ainda mais duas perguntas a serem feitas: eu quero seguir por esse caminho? Ela quer seguir por esse caminho?
13º Dia de estadia – 04/01/2013
Infelizmente este 13º dia não me trouxe nada de especial.
14º Dia de estadia – 05/01/2013
Aniversário de Maria Eduarda. Hoje cai em tentação, fraquejei mesmo. E mais uma vez, chorei. Fazer o quê? Eu a amo. Eu sinto a sua falta. Pela manhã não houve nada demais.
Pela tarde fui ao shopping com Duda. Fomos encontrar com a mãe dela e passar a tarde juntos. Nada demais. Mas pelo menos eu tive a oportunidade de pedir perdão pelos meus erros. Sinto, sinceramente, por todo o mal que eu lhe causei. Não era a minha intenção. O que eu realmente queria era mostrar-lhe o seu verdadeiro valor. Ela não enxergou assim. E se sentiu prejudicada.
Não quero pensar que ela me deu alguma esperança. Ela não me deu nenhuma. Mas agiu de maneira diferente. Ela estava diferente comigo. Mudou de opinião em relação a um detalhe. Não sei se foi intencional aquilo, mas eu notei isso. A maneira como agiu comigo foi diferente se comparado com os dias anteriores. Eu sou um idiota mesmo… Peco por excesso de expectativa.
Amanhã é meu último dia em Salvador. Completo meu 15º dia de férias na capital baiana. Posso dizer agora, FOI SENSACIONAL.
15º Dia de estadia – 06/01/2013
O dia teve três partes distintas. A manhã foi excelente. Passamos o dia no clube. Foi bem divertido. À tarde foi bem ruim. Arrumar as malas de Duda e entregá-la a avó. Porra, eu não sei como consegui conter o choro.
Na parte da noite fui arrumar a moto. Mais um problema. Deveria ter verificado o óleo na sexta ou no sábado. Resultado: vou ter que trocar o óleo da moto antes de viajar, como já havia dito anteriormente. Mas isso está me atrasando em pelo menos 3 horas. Ao menos viajarei com a garantia de estar com óleo trocado, tanque abastecido e pneus calibrados. Ao menos eu me sentirei mais seguro.
De noite, fui ajeitar o GPS. Se não me serve para me guiar, pelo menos me dá as distâncias necessárias, o que já é de grande ajuda.
Bom, aqui eu termino o capítulo da minha estadia em Salvador. Não sei o que Deus e a estrada me reservam para amanhã. Mas com certeza, tudo transcorrerá de acordo com a vontade de Deus.
Capítulo 7 – O Retorno
A viagem de retorno foi uma verdadeira “viagem”. Para começar, primeiro fui providenciar trocar o óleo da motocicleta. Custou-me, além de R$12,00, cerca de meia hora de atraso. Mas em nada atrapalhou o ritmo da viagem. Foi até bom.
Salvador está um inferno. Meu percurso em direção ao Terminal de São Joaquim foi uma aventura. Fiquei mais tenso com o trânsito do que durante o restante da viagem, Deus é mais.
Como na ida para Salvador, a saída de lá foi rápida e tranquila, fui o penúltimo veículo a embarcar, atrás de mim somente outra moto. Para que você leitor tenha uma idéia, se desse um solavanco no Ferry, a moto cairia no mar. Ai sim seria uma desgraceira no caminho da feira. Uma dica, se você for viajar via sistema Ferry-Boat, dê preferência a fazê-lo durante a semana. Se dinheiro for problema, durante a semana a passagem é bem mais barata. A embarcação em que eu fiz a travessia foi o Ferry “Ivete Sangalo”, bem melhor do que o Ferry “Maria Bethânia”. O navio saiu exatamente às 8h10 e chegou exatamente 9h, e só não foi mais rápido porque teve que fazer uma manobra para permitir a passagem de uma outra embarcação.
Na saída do terminal tive o cuidado de anotar a quilometragem, exatos 6.970 km rodados.
Bom, vamos por partes. Vou dividir a viagem nos seguintes trechos: 1º) Bom Despacho – Santo Antônio de Jesus; 2º) Santo Antônio de Jesus – Posto Água Mineral; 3º) Posto Água Mineral – Gandu; 4º) Gandu – Florestal; 5º) Florestal – Jequié.
1º Trecho – Bom Despacho – Santo Antônio de Jesus.
O trecho foi cumprido de forma tranquila, mesmo na parada em Nazaré, por sinal, num posto tão ruim, com um serviço tão ruim, que nem anotei o nome. O trânsito estava tranquilo até entrar na BR-101. De cara, dois caminhões na estrada, um ultrapassando o outro, e o besta aqui indo no sentido oposto. Claro que o motorista muito gentil recuou com toda presteza e permitiu que eu seguisse em frente com minha motoquinha…
Ok, vai achando que aconteceu assim. O cara, o filho de uma cabra, sinalizou com os faróis, buzinou e eu tive que me jogar no acostamento, do jeito que fosse possível, pois o dono da estrada queria passar. Eu iria fazer o quê? Não podia fazer diferente.
No restaurante anteriormente citado, o “Pena Branca”, eu parei para almoçar. Realmente, bom e barato, me servi de uma carne assada deliciosa. Após o almoço fui fazer minhas necessidades fisiológicas. Claro, Ricardo viajar e não deixar uma marca pelo meio da estrada, não seria o verdadeiro Ricardo. Para variar, a latrina entupiu, eu demorei em terminar de me limpar e teve um ordinário para reclamar do fedor e da minha demora. Agora me diz uma coisa, alguém já fez cocô cheiroso? Se já fez me ensine a receita que eu quero fazer um assim também. Outra coisa, agora tem tempo regulamentar para as necessidades? Que zorra…
2º Trecho – Santo Antônio de Jesus – Posto Água Mineral.
Mais um trecho tranquilo. Quase não havia trânsito nos dois sentidos da rodovia. O chato foi o cansaço físico. Parei no posto mais para descansar do que para comer ou beber algo, e também poder ir ao banheiro para urinar. Banheiro bom.
3º Trecho – Posto Água Mineral – Gandu.
Quase não havia trânsito. A nota triste ficou por conta das inúmeras queimadas provocadas pelos moradores locais para preparar a terra para o plantio. Além de trazer risco aos motoristas, incomoda demais, fora o prejuízo ambiental. Quanta ignorância.
Gandu… Três coisas nessa vida que eu detesto: Andu, que é feijão verde. Ô coisa ruim. Mandu, ou problema, que ninguém de sã consciência gosta. E Gandu, me desculpem os seus moradores, mas ô cidadezinha ruim e feia. Mas devo admitir, pessoas simples e muito educadas. Hospitaleiras e prestativas. Mas a cidade em si é feinha.
4º Trecho – Gandu – Florestal.
Se não fosse o prazer em viajar, em pilotar a moto, eu teria dormido ao guidão. Quilômetros e mais quilômetros sem cruzar com outro veículo, ou pessoa, apenas com animais. O bom estado da pista era um convite a acelerar. Mas o cansaço físico me obrigou a mais uma parada inesperada. Mais do que a vontade de beber água, parei para descansar. Minhas pernas já não aguentavam mais ficar tanto tempo parado.
5º Trecho – Florestal – Jequié.
O cansaço do corpo me fazia acelerar cada vez mais. Mas o pior quase esteve por vir. Mas como tinha pedido na oração antes de viajar, Deus me tirou da vista daqueles que me desejavam fazer apenas o mal.
Dois vagabundos puseram chapéu no meio da estrada, no sentido Jequié – Florestal, e sob esse chapéu, uma pedra enorme. Eu orei a Deus para que não ocorresse nenhuma pane com a moto, pois sabia que seria mais uma vítima deles. Eu ainda tentei avisar alguns motoristas que vinham em sentido contrário, mas um ainda teve a cara de pau de debochar da minha cara.
Graças a Deus cheguei tranquilo em Jequié. Na porta de minha casa, o contador apontava exatos 7.307 km rodados.
Chegava ao fim uma jornada de cerca de 680 km, 17 dias. Que aventura.
Capítulo 8 – Epílogo
Que aventura. Foi a melhor aventura que eu vivi em 35 anos de vida. Loucura, irresponsabilidade, pode pensar o que quiser. Foi maravilhoso. Foi mesmo. Sinto-me extasiado. Cada lembrança, na viagem de ida ainda está muito fresca em minha memória. Ainda sinto as primeiras alegrias nos primeiros quilômetros rodados. Ainda sinto o alívio da travessia de Ferry rumo a Salvador. Ainda sinto vontade de chorar o choro de quando parei a moto em frente ao edifício em que Marcelo mora.
Também ainda estão muito vivas todas as lembranças durante a minha estadia em Salvador. A cada saída minha, quando perdia o medo de pilotar por suas ruas e avenidas. O prazer de Duda ao estar comigo na moto. Tudo pelo que passei e pensei naqueles 15 dias. Foram OS 15 DIAS de minha vida.
O retorno para Jequié fechou com Chave de Ouro uma aventura fascinante. Quero fazer uma nova viagem. Irei fazer novas viagens. Vou viver para custear minhas viagens. Formarei uma nova família, claro, não sei quando, não sei com quem. Ou contra quem. Mas nessa nova família haverá dois membros indispensáveis: uma moto custom e a estrada.
Essa jornada me fez compreender que um ciclo se fechou em minha vida. O tempo de Elisa. Amo tanto que aceitaria reatar com ela. Mas não vou fazer disso um martírio. Não vou sacrificar a minha vida por causa da ausência dela. Vou agora viver a minha vida. Viver o meu tempo.
Vou seguir a minha estrada. Vou me preparar para as próximas curvas. Mas uma coisa eu garanto: farei isso pilotando uma moto. Pois isso é a vida, uma contínua viagem. Cada viagem é um recomeço. E a cada recomeço o destino nos traz algo. Viagens são apenas ritos de passagem.
PS.: Quando estiver lendo isso, a coruja já terá realizado seu primeiro voo.
Dedico este texto àquela que sempre foi a espinha dorsal de minha vida, minha eterna amada, ainda que não estejamos mais juntos, mãe, mulher, Elisa C. S. A. Batista, razão de existir o livro, a moto e muito mais. Dedico também à minha filha, Maria Eduarda, por ter-me ensinado o que é ser pai. Ao meu querido irmão, que foi um árduo opositor a essa viagem. Aos meus amigos, Paulo Vasconcelos, Pedro (panamenho) Licona, Jaime Libório e Tiago Borges, amigos verdadeiramente de fé. Dedico também à memória de meu avô Josino Moura de Lima, que mesmo estando distante, me fez viajar em suas estórias.
Obrigado a todos vocês.
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