Apoteoses entre confetes e serpentinas

Quase como uma ofensa a ele, a realidade político-sócio-econômica do país pode ser caricaturada pelas características e traços da maior das nossas riquezas, vinda das nossas expressões sócio-culturais nestes dias de folia, que são materializadas por um movimento de massa que faz parar o Brasil em todas as suas dimensões, como nenhum outro, chamado carnaval.

Nele, e sob a ótica desta caricatura e realidade citada, quase tudo é possível. Se não tudo. No dia-a-dia de planaltos, “alegorias e adereços” são muitos bem postados para maquiar as entranhas e mazelas das estruturas que sustentam o “enredo” proposto e o mesmo de tantos “carnavais”, e rigidamente asseguram que a imagem da visão externa seja sempre maravilhosa e convincente para o público, guardada a devida proporção, ou melhor, desproporção, se comparado aos espetaculares e imensos carros alegóricos. Vazios e desprovidos de qualquer sonho e fantasia por dentro, mas com tudo isso vivo e deslumbrante por fora. Os dois se assemelham muito, por dentro.

O pessoal de frente, deste místico “bloco” eleito pelo povo, como um bloco desgovernado, e numa comparação com a nossa maravilhosa e folclórica comissão, também de frente, mostra escancaradamente a que veio, abrindo espaço pra todos os seus, fazendo ao mesmo tempo a “blindagem” destes, quando “forças externas” lhes impetram ações que põe em risco a sua manutenção e sucesso do plano enredado.

E rolam soltos o samba, marchinha, frevo, maracatu e trio elétrico nestes dias. Sons intrínsecos à todas estas nossas expressões culturais.

Líderes deste enfadonho bloco desgovernado se põem a fazer, antes durante e depois do grande dia, as suas articulações para que a festa seja muito boa pra todos da sua base de sustentação e que pra eles, somente eles, os ganhos perdurem, a qualquer preço, ao menos até o próximo “carnaval”. Onde tudo recomeça. Parecendo uma eleição?

Caricatura maldosa e pouco conveniente dos nossos admiráveis carnavalescos, mestres de baterias, puxadores de samba-enredo e diretores de alas e harmonia, que junto a passistas e ritmistas, são cortejados pelas decência, humildade e talento, ao menos por alguns dias, e que lhes bastam.

Bloco do desgoverno onde componentes distribuídos em todas as alas são verdadeiramente reconhecidos por todos nas suas função, papel e responsabilidade, mas que não as cumprem, pois são designadas por seus próprio enredo. E ao serem travestidos por uma fantasia e máscara, somos impedidos de conhecê-los, de saber quem eles são realmente. Algo que nos lembra todas as suas máscaras e facetas dos ensaios e armações por todos os dias do ano e que culmina com o “carnaval”. Com a vitória.

Encerrada a grande festança da corte, rodeada de riquezas, luxos, extravagâncias e exibições, o enredo não faz mais sentido, afinal foram eleitos e ocorre a dispersão, por onde todos os ora reconhecidos componentes se destravestem (sic), e se encaminham por passagens e corredores de volta ao seu habitat, sendo praticamente impossível saber quem eles realmente são, ingrata e injusta semelhança com os passistas e ritmistas, pelos becos e ruelas em todas as direções, de volta a dura labuta e sobrevivência, até o próximo carnaval.

Mundos paralelos que se encontram nas apoteoses entre confetes e serpentinas, num sonho e fantasia que ambos um dia se tornem um mesmo carnaval, guiados por um mesmo estandarte, de esperança e fé de que a festa seja única e boa pra todos.

Enquanto isso, e nestes dias, curta o seu carnaval pra valer, para em todos os outros, nos mobilizemos pra por fim em tantos “carnavais”.

“Olha que a vida tão linda se perde em tristezas assim. Desce o teu rancho cantando essa tua esperança sem fim. Deixa que a tua certeza se faça do povo a canção. Pra que teu povo cantando teu canto ele não seja em vão. Eu vou levando a minha vida enfim. Cantando e canto sim. E não cantava se não fosse assim. Levando pra quem me ouvir. Certezas e esperanças pra trocar. Por dores e tristezas que bem sei. Um dia ainda vão findar. Um dia que vem vindo. E que eu vivo pra cantar. Na avenida girando, estandarte na mão pra anunciar.” (Geraldo Vandré)


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