Existe uma história, ocorrida num hospital com muitas enfermarias e um quarto com apenas duas camas, exclusivamente para doentes terminais. E dessas duas camas lá existentes, somente uma delas ficava junto à única janela que havia nesse quarto.
E estando a cama próxima à janela já ocupada por um motociclista com grave enfermidade, o outro doente que acabara de chegar, somente para ela poderá ir após o falecimento daquele que a estava utilizando. Então, a cama que esse recém-chegado iria ocupar ficava no fundo do quarto, onde só havia móveis e paredes.
Com o passar dos dias, o motociclista que ficava na cama próxima à janela sentindo a angústia do colega por estar isolado de tudo e de todos no fundo do quarto e que nem força tinha para levantar da cama, resolveu fazer alguma coisa para distraí-lo. Então, para tornar seus dias menos dolorosos, passou a contar-lhe coisas maravilhosas que dizia ver lá fora através daquela única janela do quarto.
Contava que via crianças brincando alegremente num parque próximo, onde havia gangorra, escorrega e muitos outros brinquedos; obsevava casais passeando e namorando nos jardins gramados de uma praça toda arborizada, com sombras acolhedoras e bonito lago com chafariz no centro; Descrevia o tumultuado trânsito de veículos, contando às vezes maluquices executadas por motoboys nas suas motos e o intenso movimento de pessoas indo e vindo pelas ruas próximas. E quando chovia, narrava a intensidade e o incômodo que ela causava ao pessoal passante, em consequência das poças que pareciam lagos e fazia algumas pessoas escorregarem e até cairem de forma bem engraçada. Mas por outro lado descrevia fielmente as cores do arco-iris, que dizia ver quando o sol surgia colorido dentre as nuvens carregadas, prenunciando o término das chuvas.
Ele achava aquilo maravilhoso porque suas dores, aflições e lamentações acabaram pelo fato de, naqueles momentos, sentir estar fora do seu corpo, tal seu embevecimento com as narrativas .
Já à noite, o sonhador descrevia com enorme emoção o belo luar que dizia espalhar-se majestosamente pelas ruas, pelas colinas que havia adiante e também dentro do lago que ficava na praça.
Falava das sombras que se desenhavam em razão do luar, comentando serem imagens muito interessantes que o fazia dar raias à imaginação para adivinhar o que poderiam representar. Dessa forma então os dias desse infeliz solitário passaram a ser tranquilos por ter sempre notícias novas, alegres e interessantes.
Mas ansioso que estava para poder, ele mesmo ver aquelas maravilhas que o sonhador diariamente descrevia com riqueza de detalhes, interiormente desejava que a inexorável morte do companheiro ocorresse logo para que, finalmente, pudesse desfrutar diretamente das belas visões que havia lá fora.
Um dia, ao acordar pela manhã e não vendo, como de hábito, o companheiro na cama junto à janela, estranhou o fato e assim que o enfermeiro chegou no quarto para fazer aplicações, foi por ele informado que o motociclista, ocupante da cama junto à janela, havia morrido naquela madrugada.
Movido por nervosa alegria, mais que depressa exigiu do enfermeiro que o levasse imediatamente para a cama, que agora ficara vazia.
Assim que nela foi colocado e olhando avidamente através da janela para finalmente ver, ele mesmo, os locais antes descritos pelo ex-companheiro, qual não foi sua surpresa.
Ruas, crianças, praças, jardins, morros e lago com lindo cahafariz e o belo luar, nada disso havia. O que viu à sua frente foi somente rudes paredes de enormes prédios.
Nesse momento então percebeu, que a poética narrativa daquele companheiro que e o fazia divagar dentro de um verdadeiro paraíso, era fruto da fértl imaginação que possuía, tendo por objetivo fazer com que os dias fossem menos cruéis, até que chegasse o derradeiro momento de suas vidas.
Mediante essa descoberta lamentou profundamente a morte do companheiro, porque a partir de então iria viver isolado com sua amarga e inexorável realidade até o dia da sua morte.
A maravilhosa fantasia criada pelo companheiro, que mitigava seus sofrimentos e espantava a terrível solidão, acabara, levada que foi por aquele notável e fantástico motociclista sonhador.
Mas por outro lado ficou feliz por saber que esse amigo finalmente partiu para merecido descanso na eternidade.
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