Recife (PE)

Eram 8h e toda a bagagem estava arrumada e a moto pronta para ir para a estrada. Agradeceram a hospitalidade e o carinho a eles dispensado pelos rapazes, pelo dono da casa, Sr. Miguel e principalmente pela confiança neles depositada ao permitirem dois viajantes desconhecidos passarem a noite no lugar.

Mal pegaram estrada e o carburador começou a disparar (ainda bem que não estava chovendo). Pararam na estrada e ali mesmo abriram para limparem-no como das outras vezes.

Acontecia que o pistãozinho (dosador da entrada de gasolina) às vezes prendia devido à poeira aspirada (o carburador não tinha filtro de ar). Então, a poeira aspirada ia se depositando na parede do pistãozinho até prendê-lo na parede do carburador e a molinha de retorno não tinha força suficiente para movimentá-lo de volta, deixando o motor acelerado devido à entrada de muita gasolina. Isso era perigoso porque, quando ele prendia em cima e o motor disparava, se não apertasse logo a embreagem, a moto seguia em alta velocidade.

Quando acabaram de limpar e recolocar o carburador no lugar já eram 10h.

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Continuando a jornada naquela estrada de piso terrível, passaram por uma localidade chamada Ponte Nova. Mais adiante, o que foi que aconteceu? Exatamente! O pneu traseiro furou novamente. Pararam para consertá-lo, aproveitando para finalmente colocar no lugar o novo “manchão”, arranjado um pouco atrás em Arcoverde.

Seguindo viagem, chegaram a Vitória de Santo Antão e mais adiante numa cidade chamada Moreno, que para sua surpresa havia na estrada uma cancela onde começava o asfalto e então pararam para saber do que se tratava. O fiscal que ali estava disse-lhes que para atravessar, todos os veículos pagavam pedágio a fim de compensar o gasto na confecção e conservação do asfalto. Eles receberiam um “passe” e o entregariam quando chegassem na outra cancela em Jaboatão dos Guararapes.

Para início de conversa estavam sem dinheiro. Não tinham nem para uma simples bala de chupar. Havia acabado tudo.

Que situação! Pertinho de Recife e não podendo chegar lá por causa desse tal de pedágio, que na época nem sabiam do que se tratava, embora ambos morassem no Rio de Janeiro, Distrito Federal na época. Isso não existe, pensou o piloto. O que fazer?

Ainda bem que em Recife morava a mãe do Fernando (foi o que ele dissera durante a viagem). Ela seria a única possibilidade que o piloto via deles aguentarem até que chegasse pelo Banco o dinheiro que o piloto iria pedir ao sócio quando estivessem em Recife.

Voltando à realidade, primeiro foi perguntado qual o valor do pedágio. O fiscal respondeu que custava o que hoje poderia corresponder a mais ou menos R$2,00. Quase que o piloto cai para trás, pois era uma ninharia. Via-se claramente tratar-se de um valor puramente simbólico (naquele tempo as coisas eram assim. Havia o ganho e não a ganância como ocorre atualmente). Mediante tal circunstância e envergonhado por não ter naquele momento aquela pequena quantia no bolso, afastou-se um pouco e aí entrou o Fernando na conversa, dizendo que era pernambucano, de tal lugar, que agora estava voltando para a sua terra porque não dera certo o que pretendeu fazer no Rio de Janeiro e blá, blá, blá…, enquanto isso o piloto foi se afastando.

Não demorou e lá apareceu ele com um papelzinho na mão.
Sem mais conversa, pegaram a moto e partiram. Não andaram 20 metros e a gasolina, que já estava no “reserva”, acabara.

Ato contínuo, o piloto ficou junto à moto enquanto o Fernando volta até ao Fiscal, com a maior “cara-de-pau”, para perguntar se poderia arranjar com alguém um pouco de gasolina, já que estavam perto de Recife.

Então, quando um caminhãozinho parou na cancela para pagar o pedágio, o fiscal conversou com o motorista e este gentilmente arranjou o necessário para que pudessem chegar a Recife. Agradeceram a ajuda e seguiram adiante.

Chegando a Jaboatão dos Guararapes entregaram o tal passe ao fiscal que ali estava e continuaram viagem. Liberados e desimpedidos, o destino era Recife.

Agora, mais tranquilos na estrada asfaltada, já podiam prestar mais atenção às belezas que iam surgindo no entorno. E assim, após terem percorrido um bom pedaço de chão, de repente à direita da estrada, numa abertura existente entre as árvores, viram descortinar-se esplêndido cenário de bela cachoeira, que mais parecia obra-prima de um grande pintor.

A beleza da cena era tanta que fez o piloto parar para apreciá-la nos seus magníficos detalhes (não fotografou porque a máquina quebrara no tombo provocado pelo jabuti, quando estavam na Bahia).

Que espetáculo! Nem os filmes representam tamanha magnitude.

Aí percebeu, que o nordeste muito falado por sua seca e pelo agreste que presenciou, por outro lado deveria ser mostrado existir também nele partes lindas e carismáticas, as quais viu por onde passou e com elas ficou fascinado, inclusive agora.

Voltando então à realidade da viagem e continuando na trajetória pela estrada, eis que ocorre uma surpresa diferente. É que acontecera de escutarem um estampido como se fosse um tiro, seguido de um roçar rápido e estranho na calça Jeans do piloto por algo que de baixo para cima passara velozmente junto à coxa dele e escutando também nesse mesmo momento um farfalhar como se o motor estivesse tossindo e perdendo as forças. Assustado, o piloto parou para saber o que houve. Fernando, que acompanhava preocupado esse fato, perguntou o que poderia ter acontecido. Desligado o motor, foram verificar o que acontecera. Constataram que a vela de ignição do cabeçote do lado esquerdo havia saído. Mas como e porque saíra não sabiam dizer.

Só poderiam afirmar que a vela sumira. E pela velocidade que passou raspando na coxa do piloto, deveria ter caído bem longe, possivelmente no mato. Assim sendo, foi substituída por outra que levavam numa das pastas. E como a reserva colocada no lugar ficou bem atarraxada, mostrou não ter ficado afetada a rosca no cabeçote. A opinião é que a vela, por ter sido mal apertada numa última limpeza, com a trepidação do motor, foi desenroscando até ser cuspida longe.

Sanado o problema, continuaram normalmente a viagem.

E por incrível que pareça, depois de andarem mais alguns quilômetros, outro barulho parecido com o anterior aconteceu pela mesma descarga do pistão esquerdo, no que o piloto pensou:

“Será que essa porcaria de vela foi cuspida novamente?”

Mas que nada! Dessa vez o caso fora bem pior porque agora era impossível fazerem consertos no local. Por ter surgido um problema qualquer com a compressão no pistão esquerdo, o motor perder 70% da sua força.

Um leigo poderia até pensar: Se a moto tem dois cilindros, pela lógica perderia somente 50% da sua capacidade, mas na prática não é assim que a coisa funciona.

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Então, um olhou para a cara do outro e sem nada falarem dava para entender o que queriam dizer:

“E agora, o que fazer?”

Bom, o negócio é agir por partes e positivamente, disse o piloto.

A moto iria consumir mais gasolina devido à perda de compressão e andaria sem grande força, está certo. Mas se podia prosseguir, o melhor a fazer será continuar viagem e ver o que irá acontecer dali por diante. O importante é chegarem a Recife e de preferência inteiros. E como diz o ditado: “Deus é brasileiro”, a sorte deles é que teriam dali por diante mais descidas do que subidas para lá chegarem. Com isso evitariam desperdício de gasolina pela falta da compressão motora e aliviaria também o esforço deles para empurrarem a moto sempre que necessário.

Nas partes planas era tranquilo andar por não ser exigido muito esforço do motor. Nas descidas então, nem falar, muito embora não tivesse grande freio motor devido à pouca compressão. Por estarem seus freios, dianteiro e traseiro perfeitos, tendo inclusive no tambor dianteiro entrada de ar forçada (fora moto de corrida), então não havia nada a temer. O grande problema estava nas subidas, principalmente nas mais acentuadas, porque não tinha realmente força para subir com todo peso que carregava. Podia acelerar e o que acontecia era muito barulho saindo pela descarga, bastante fumaça pelo cano esquerdo por causa da descompressão, porém nada de força.

Mediante tal situação o jeito foi: nas subidas e chegando o momento dela não mais aguentar, os dois saltavam, o piloto ficava ao lado empurrando e acelerando-a e o Fernando ia atrás, também empurrando e ambos correndo junto a ela. Então, no mesmo momento que a moto andava, ajudada pelo motor, eles corriam empurrando e acompanhando-a até terminar o aclive. Superado aquele trecho, subiam nela outra vez e iam embora até aparecer outro aclive acentuado. E foram assim até chegarem à cidade do Recife, que por ser plana não houve problema algum. Ela só não tinha velocidade, mas no plano andava muito bem.

Motociclistas Invencíveis

Semanalmente vamos publicar, aqui no Viagem de Moto, capítulos do livro Motociclistas Invencíveis, romance extraído de uma viagem com moto ocorrida em 1960.

Conduzindo na garupa da moto um amigo, piloto sai do Rio de Janeiro por estradas de terra a fim de encontrar sua linda namorada, que saindo de Itabuna (BA) para morar no Rio de Janeiro, de repente, da noite para o dia, desaparece sem deixar rastros. Chegando a Itabuna, o piloto descobre que ela fugia de assassinos (contratados para matá-la), pelo fato dela ser testemunha do assassinato de seu pai, ex-cacaueiro na região.

Por acontecerem muitas aventuras e novos amores pelo caminho, foram até a Paraíba.

Enfrentaram sol, poeira, chuva e lama. Ajudaram, foram ajudados, acontecendo inclusive que, por levarem uma garota (estava num leito de morte) entre eles dois até ao hospital, salvaram sua vida. Em si, a história mostra como eram os motociclistas Nos Deliciosos Anos Dourados.


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Um brasileiro e uma moto no Himalaia indiano