Nessa localidade dormiram num quarto que deveria ser o hotel dos morcegos. Ágeis, durante toda noite ficaram voando dentro do quarto. E mesmo deixando a janela aberta não iam embora. Se um ou outro saísse, não demorava muito e logo estava de volta (o mesmo morcego ou até outro, porque são todos iguais e não andavam com crachá) pendurando-se na parede bem próximo ao teto, parecendo que se revezavam a fim de brincarem conosco.
Ainda bem que são silenciosos mesmo no voo e não são hematófagos. Brincando, o piloto disse ao Fernando para dormir com rosto coberto para não assustar os pobres bichinhos.
Acordando cedo, iniciaram a viagem às 7h com a pretensão de chegarem logo a Paulo Afonso no estado da Bahia. Mas quando passassem por Petrolândia iriam verificar se a ponte tinha ruído mesmo conforme o pessoal dos lugares por onde passaram disseram. Se ruiu foi porque houve realmente verdadeiro dilúvio. Então, quando lá chegassem iriam ver o que fazer, mas estavam preocupados.
A estrada por ali estava bem pior, tanto é que já viram vários caminhões tombados dentro e fora da estrada. Pequenas pontes de cimento, que por estarem danificadas, não estavam permitindo a passagem dos veículos, mas eles conseguiram passar com a moto.
A chuva, de tão insistente, grossa e pesada, machucava-os bastante quando batia nos seus rostos, até parecendo pedradas que recebiam (isso acontecia porque em 1960 não existiam capacetes).
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Ela estava tão incomodativa que os obrigou pedir abrigo a um senhor que se encontrava na porta de um casebre pau-a-pique próximo à estrada, olhando distraidamente a chuva pesada cair.
Estava em pé na porta da choupana, que tinha teto de palha, paredes de barro com bambu e chão de terra. Pararam na frente dele e perguntaram se poderia deixá-los entrar um pouco até que a chuva se acalmasse, porque ela os estava machucando.
Gentilmente mandou-os entrar, sentando-se os três num banco tosco de madeira e ficaram trocando conversa. Passado algum tempo o anfitrião perguntou aos visitantes se queriam ver a casa e estes, respondendo afirmativamente, levou-os para mostrá-la.
Havia a pequena sala onde estiveram, cujo único móvel era o banco onde haviam sentado; a seguir passaram por um quartinho escuro, mas deu para notar esteiras e trapos no chão, que deveriam ser camas improvisadas; viram também outros trapos pendurados dentro do quarto, que talvez fossem vestimentas. Na sala onde haviam sentado no banco e encostado numa parede, atrás dela ficava a cozinha num reduzido espaço onde havia uma mesinha de madeira, um fogão à lenha feito de barro e tijolos, uma panela de ferro tampada e mais nada. Mantimentos? Nenhum se encontrava à vista.
Banheiro, não viram. Talvez estivesse do lado de fora do casebre.
Ao lhe perguntar quem morava na casa, respondeu:
“Ele, a mulher e uma filha que ali não estavam por terem ido para a roça trabalhar. Ele não foi porque chovia muito e está se curando de uma tuberculose. Completando a explicação, disse que quando elas voltassem fariam a comida do dia com o que trouxessem da roça onde trabalhavam como meeiros”.
Nesse momento, piloto e garupa tiveram o mesmo pensamento:
“São gloriosos guerreiros, sobreviventes da extenuante e diuturna luta onde mesmo feridos não se abatem e continuam lutando muito embora exaustos devido essa árdua e diária batalha.”
Saindo desse pensamento e notando ter finalmente parado de chover, despediram-se do anfitrião e seguiram caminho, não sem antes desejarem-lhe boa sorte. Mas mentalmente, o que também desejaram, é que essa necessitada família guerreira pudesse, muito breve, conseguir algum sucesso na vida.
Mais adiante, ao passarem por Ibimirim (PE), ficaram curiosos por saber o que acontecera com as garotas Gabriela e Mariazinha. Receosos de qualquer problema por terem sido surpreendidos e de fugirem “pelados” pela varanda do quarto delas em plena madrugada, ao encontrarem casualmente na Pracinha um rapaz do local ficaram com ele conversando.
Conversa vai, conversa vem, depois de algum tempo, assim como não quer nada, perguntaram se ele conhecia a Gabriela e a Mariazinha e se poderia chamá-las (povoado pequeno todos se conhecem) porque tinham um recado para elas. O rapaz respondeu que as conhecia, mas não poderia chamá-las. É que um dia, umas senhoras vieram buscá-las e pelo que comentam no povoado, foram todas para a Paraíba.
Satisfeitos com o que ouviram do rapaz, agradeceram a informação e seguiram viagem. Não sem antes ouvir o Fernando dizer:
“Pelo menos valeu a pena eu ter caído dentro do cemitério, naquela cova enlameada, quando fomos entregar os bilhetes”.
O mais estranho no tempo é que, quando chove, tem atoleiro para todo lado, mas basta um dia de sol para secar o barro e ficarem valas profundas feitas pelos pneus dos grandes caminhões e tratores, o que é muito perigoso para eles. Tombos já levaram muitos. Não se machucaram nem a moto se prejudicou pelo fato de estarem viajando em baixa velocidade por causa da chuva e do chão macio devido ao barro mole e com atoleiros.
O umbu, que é a fruta mais encontrada pela estrada, na ida quando havia muito sol, ele tinha pouco sumo e a casca era amarelecida. Agora, com essas chuvaradas, ele tem a cor verdinha e bastante caldo (azedinho) para matar a sede na falta de água limpa para beber. Haja vista as águas imundas dos rios, que mesmo caudalosos, tinham a cor bastante turva.
Muito embora toda essa dificuldade, passaram por Petrolândia, ainda em Pernambuco. A seguir atravessaram para o estado da Bahia, passando por Paulo Afonso e foram dormir em Jeremoabo. E o melhor, a ponte em Petrolândia, que o pessoal retido na estrada dizia ter sido danificada com a força das chuvas, felizmente estava intacta. Exatamente igual quando por ela passaram na ida.
Hoje, graças a dois fatores, conseguiram percorrer uma boa distância: Primeiro, porque a estrada estava boa até Jeremoabo pelo fato de terem passado máquina niveladora nesse trecho no dia anterior, nivelando a pista; segundo, a ajuda que tiveram do carburador, que deu menos problemas por não mais prender o pistãozinho depois que nele passaram colocar gaze (o piloto tinha para o ferimento na perna). Quando notavam que a gaze colocada no bocal da entrada do ar ia ficando com marca da poeira e começava dificultar a entrada de ar, provocando maior consumo de gasolina, trocavam por outra limpa. Com isso, dificilmente tinham de parar para desmontar o carburador e assim chegaram tranquilos a Jeremoabo.
Detalhe: para evitar que o carburador afogasse, prendiam no bocal da entrada do ar somente a quantidade certa da gaze dobrada.
Motociclistas Invencíveis
Semanalmente vamos publicar, aqui no Viagem de Moto, capítulos do livro Motociclistas Invencíveis, romance extraído de uma viagem com moto ocorrida em 1960.
Conduzindo na garupa da moto um amigo, piloto sai do Rio de Janeiro por estradas de terra a fim de encontrar sua linda namorada, que saindo de Itabuna (BA) para morar no Rio de Janeiro, de repente, da noite para o dia, desaparece sem deixar rastros. Chegando a Itabuna, o piloto descobre que ela fugia de assassinos (contratados para matá-la), pelo fato dela ser testemunha do assassinato de seu pai, ex-cacaueiro na região.
Por acontecerem muitas aventuras e novos amores pelo caminho, foram até a Paraíba.
Enfrentaram sol, poeira, chuva e lama. Ajudaram, foram ajudados, acontecendo inclusive que, por levarem uma garota (estava num leito de morte) entre eles dois até ao hospital, salvaram sua vida. Em si, a história mostra como eram os motociclistas Nos Deliciosos Anos Dourados.
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