Saindo então da saudosa Quinta da Boa Vista e voltando à realidade em Itabuna, onde houve essa pausa, o piloto ficou surpreso ao ver tratar-se de cidade grande. Sim, só poderia ser cidade grande, assim como Ilhéus, por serem elas locais onde habitavam os famosos “barões do cacau”, que naquela época ganhavam rios de dinheiro com a plantação e exportação dessa fruta, matéria-prima do chocolate.
Por terem dinheiro e prestígio, eram verdadeiros “coronéis” que viviam nababescamente, dominando Itabuna e Ilhéus, duas cidades muito próximas uma da outra.
Entrando em Itabuna, o piloto foi percorrendo as várias ruas e ia imaginando como teria sido a vida da Terezinha naquela cidade moderna, populosa, bem administrada, com boa arquitetura, comércio bem atuante, habitada por um povo simpático e com muitas mulheres bonitas.
Após ver tudo isso ficou pensando: “Que motivo teria sua amada para sair daquele lugar tão simpático e aconchegante?” Mas como não adiantava fazer conjecturas, seguiu em frente na procura da sua “deusa”.
Deu várias voltas olhando daqui e dali, mas sem qualquer resultado ou esperança porque, além do seu prenome e características físicas, quase mais nada dela sabia. Desanimado pelos fatos negativos que estavam se apresentando naquela cidade grande, sem saber o que mais fazer e já pensando em desistir da busca, eis que de repente vê linda loira com cabelos compridos, protegida do forte sol por uma sombrinha colorida e que atravessando uma pequena Praça, dirigia-se a uma loja. Mais que depressa, colocando a moto no descanso diz ao Fernando que esperasse um pouco e foi imediatamente até a loja onde ela entrara.
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Por se tratar de estabelecimento com artigos variados, de alfinete até sapatos e roupas, ele teve dificuldade em achá-la no meio de várias pessoas circulando e das muitas roupas penduradas em cabides. Pela demora em encontrá-la e já acreditando tê-la perdido de vista, foi saindo da loja, mas por pura sorte a vê junto a um balcão, de costas para ele, examinando algo.
Excitado que estava, voltou imediatamente e foi na direção dela. Aproximando-se (ela continuava de costas e alheia a qualquer surpresa que pudesse lhe acontecer naquele momento) se inclinou para olhá-la bem de frente e o mais perto possível a fim de causar-lhe intensa surpresa. Mas para sua triste decepção não era sua “deusa”. E nem vale a pena dizer do susto que a desconhecida levou.
Frustrado com o ocorrido e pedindo desculpas pelo susto que causara, saiu sem jeito, voltando para onde estava Fernando e a moto.
Parado, sem saber o que mais poderia fazer ali, uma pessoa do local, vendo-os junto à moto com malas e pastas atrás, em cima e dos lados dela, fez questão de levá-los até ao prédio do jornal da cidade. Lá chegando, apresentou-os a um repórter, que imediatamente entrevistou-os ao saber da aventura.
O jornal era o “Diário de Itabuna”, a entrevista foi rápida, mas o piloto nem se lembra de como ela ocorreu e nem quando seria publicada a reportagem porque sua mente vagava em outros pensamentos por causa da Terezinha.
Infelizmente não a encontrara e nem seria possível achá-la numa cidade tão povoada. Mas conforme estabelece o sábio ditado popular “a esperança é a última que morre”, ele irá continuar aguardando os acontecimentos e as oportunidades.
Por estarem famintos, pensaram em almoçar por ali mesmo, no centro da cidade e estando ainda junto deles o rapaz que os conduzira ao Jornal, o piloto pediu que ele informasse um bom local para comerem e o levaria junto para que, conversando durante o almoço, ele contasse coisas da localidade. Quem sabe se até poderia saber algo sobre a Terezinha?
Por ficar próximo do Jornal, chegaram logo ao restaurante. Escolhendo uma mesa de canto, pediram as refeições e assim como quem não quer nada, piloto e garupa iniciaram conversa com ele.
Disseram ter ficado surpresos com o tamanho e modernismo da cidade, pois pensavam fosse menor e mais antiquada. Comentaram haver pessoas bem acolhedoras, grande comércio e muita atividade.
De repente, dando uma de “João sem braço”, piloto diz ter conhecido no Rio de Janeiro moça muito bonita, que era dali e fora morar no Rio, mas sua irmã, casada, ainda morava em Itabuna.
Nisso, o convidado pede os dados da amiga, porém o piloto dizendo que pouco ou quase nada sabia dá o prenome, as características físicas dela, seu nível de instrução, conta algo sobre a irmã e só, nada mais teria para dizer.
O jornalista convidado pensa um pouco e em voz alta vai repetindo:
“Loura, bonita, jovem, muito bem tratada, irmã casada, saiu daqui cerca de seis meses”.
Parando os pensamentos e dirigindo-se ao piloto, em voz normal diz:
“Por trabalhar no Jornal leio todas as principais ocorrências e posso dizer que tenho razoável memória. Então, revendo mentalmente essas principais características que descreveu da moça, ela só pode ser a filha de um grande cacaueiro, viúvo, que foi assassinado devido problemas de propriedade. Ele tinha duas filhas, uma era casada e a outra solteira, ambas muito bonitas. Pelo que consegui juntar, só pode ser ela. E se desapareceu daqui teve boas razões porque ela era ‘pedra no sapato’ do principal suspeito de mandar matar o pai dela e pelo ‘disse me disse’ que havia na cidade, ela estava sendo procurada por pistoleiros de aluguel desse suspeito.”
“Se quiserem, quando sairmos daqui do restaurante poderei ver como será possível conseguir o endereço dela. Por se tratar de um crime que abalou a cidade e ainda nem sabem quais foram os criminosos, a coisa ainda está quente por aqui, mas é voz corrente se tratar de crime por posse de propriedades.”
O piloto concordando em esperá-lo, lógico, ele saiu em direção ao Jornal onde trabalhava.
Enquanto esperavam, Fernando, que não sabia ter a Terezinha sumido do Rio, ficou surpreso com a notícia. O piloto, na expectativa do retorno do jornalista informante, contou-lhe rapidamente o caso por já estar ficando nervoso com a situação que se apresentava.
Finalmente retorna o solícito rapaz com um pedaço de papel dobrado na mão dizendo que ali estava anotado o endereço da Terezinha e os orienta como chegar ao local.
Agradeceram essa grandiosa façanha do rapaz, despediram-se dele e eufóricos foram direto para o lugar indicado.
Chegando na tal rua, localizaram o endereço e nele viram uma boa casa com dois pavimentos e muros altos em todo seu entorno, mas aparentando algum descuido na sua conservação.
Ciente do trágico acontecimento, o piloto pede ao Fernando que ficasse um pouco afastado para o caso de quem vier atender à porta avistasse somente o piloto e a moto e assim não se assustasse.
Vendo no canto superior do portão de grades uma campainha, ao apertar o botão escuta o sinal sonoro no interior da casa e fica na maior expectativa, torcendo para que a Terezinha aparecesse com aquela sua irradiante beleza e cordialidade.
Aguarda um pouco, mas muito embora a casa estivesse aberta, ninguém aparecia para atender. O que estaria acontecendo?
Ansioso para novamente apertar o botão, consegue se controlar e então continua na expectativa, aguardando.
De repente, uma mulher loura de cabelos compridos, carregando uma criança no colo, que por isso não deixava ver de imediato seu rosto, sai da casa. Ao se aproximar do portão e o piloto finalmente conseguindo ver sua fisionomia constata não ser a Terezinha.
Num misto de curiosidade e desconfiança, vendo desconhecido com blusão de couro, cachecol e boné, ela atende e pergunta o que ele desejava.
O piloto apresentou-se dizendo ser amigo da Terezinha e que por estar ali de passagem queria saber como falar com ela ou com a irmã, evitando por precaução dizer que conhecia a Terezinha do Rio.
Educadamente ela responde não poder ajudar porque elas não estavam ali e nem sabia onde poderiam estar porque quando chegou para tomar conta da casa, ela já estava vazia.
Com certeza, por precaução ou recomendação, mesmo sabendo onde elas pudessem estar, não iria contar a ninguém, muito menos para um desconhecido.
Sentindo que nada conseguiria e que certamente a Terezinha lá não estava e a moça não daria de forma nenhuma a direção delas, agradeceu a atenção e saiu.
Encontrando mais adiante o Fernando, piloto lhe diz nada ter conseguido e partiram rumo a Ilhéus, que fica próximo.
Naquele momento, piloto confessa estar bastante arrasado com o que acabara de acontecer ali. Chegara tão perto, mas nada conseguira. O que poderia ele fazer a não ser aceitar os fatos e aguardar melhores momentos? Pensou ele.
Acontecia, porém, que ele nem desconfiava da surpresa que lhe aconteceria em Ilhéus.
Seguindo viagem, passaram por Cajueiro e no mesmo dia, chegaram a Ilhéus.
Logo na entrada havia uma ponte de onde se avistava a cidade, um pedaço do mar e o modesto cais, se é que era cais o que viram: compridas plataformas feitas com madeiras indo mar adentro, onde carregadores dos armazéns, que por ali circulavam com carrinhos de mão especiais iam até aos navios atracados lá longe para levar e retirar mercadorias através dessas plataformas.
Em terra e próximo ao cais estavam localizados muitos armazéns de construção bem antiga, havendo dentre eles alguns específicos para organização de grande feira semanal que começava nas manhãs de quinta-feira e só terminava às 17h de domingo.
Começando sentir sensação estranha tonteira e não sabendo se era devido ao almoço ou nervosismo que sentiu quando estava no portão pensando que a Terezinha apareceria, o piloto disse para o Fernando que iria dar uma parada rápida.
Vendo frondosa árvore na areia entre a estrada e o mar, estacionou a moto sob sua sombra. Sentando no chão encostou-se à árvore para descansar um pouco enquanto Fernando, por sua vez, afastou-se para observar o mar e andar pelas redondezas da praia.
Certamente iria paquerar alguma sereia baiana, pois o que não faltava era morena bonita por ali.
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Olhando nesse momento a extensão da praia à sua frente, o piloto foi surpreendido por uma imagem que, lhe parecendo familiar, o fez prestar maior atenção a esse fato e até esquecer-se do enjoo.
Sem acreditar no que estava vendo, notou linda moça elegante e muito bem vestida, que vindo de barco provido com motor de popa, desceu na praia ajudada por dois elementos que a acompanhavam. Estava exatamente num tipo de transporte muito usado pelos “barões do cacau” que moravam em verdadeiros palácios nas ilhas da região.
A princípio ficou achando ser apenas uma visão pelo fato de estar muito concentrado em localizar a Terezinha, mas como na nossa passagem aqui pela terra até o impossível acontece, ele esquece tudo e imediatamente se dirige para onde estava essa linda moça.
Quanto mais se aproximava, mais acreditava ser ela em razão dos seus gestos delicados e sua postura elegante. Até que teve absoluta certeza quando sentiu seu inconfundível perfume com aroma jasmim e menta. Era ela!
Desta vez era ela, sua querida “deusa”. Finalmente a encontrara!
Trajava vestido longo, claro, sandálias, óculos escuros, um chapéu de abas largas que a protegia do sol naquele momento e viam-se seus belos e longos cabelos loiros esvoaçando ao vento.
No que ele aparece à sua frente e a chama pelo nome, ela olha demonstrando enorme misto de surpresa e alegria, mas em seguida toma postura mais reservada e um pouco séria.
Cumprimentando-a então com alguma formalidade por não saber qual era a situação dela ali em Ilhéus, notou que o barqueiro e um companheiro que o acompanhava, ambos vestidos com calças compridas, sandálias e camisetas, não gostaram da sua aproximação.
Perguntando à Terezinha as razões do por que dela ter voltado repentinamente para a Bahia, no exato momento em que vai contar, o barqueiro com cara de poucos amigos se mete na conversa e diz para que ele se afastasse porque “o coronel” (barão do cacau) não queria que nenhum desconhecido se aproximasse dela. Mas pelo fato dele estar naquele momento sendo surpreendido por acontecimentos inesperados, ficou pensando no que deveria fazer já que estava decidido a saber de tudo que ali acontecia.
Observando o companheiro do barqueiro que o impedia de falar com a Terezinha, notou ter ele apanhado uma faca no chão do barco para em seguida ir à sua direção a fim de atacá-lo com ela.
Sem nada pelas proximidades que pudesse pegar para desarmá-lo ou pelo menos detê-lo, por puro reflexo o piloto ameaça que iria sacar uma arma de dentro do seu blusão de couro. O atacante percebendo esse movimento para por um instante no meio do caminho dando tempo ao piloto para se abaixar e, pegando um punhado de areia jogou-a nos olhos do atacante.
No momento seguinte em que olha para o tal barqueiro, vê que ele empurra a Terezinha, derrubando-a na areia para em seguida sair correndo na sua direção. Mas esquivando-se dele, piloto aplica-lhe uma “pernada” jogando-o ao chão.
Vendo que o que estava com a faca continuava atrapalhado para poder enxergar, o piloto foi novamente para cima do barqueiro, derrubando-o outra vez com mais uma pernada. Voltando-se então para o que estava com a faca, dessa vez o vê caído na areia e próximo a ele o Fernando, que ainda segurando seus patins pela correia saiu correndo para também atacar o barqueiro que novamente se levantava da segunda pernada.
Este vendo a disposição do Fernando para atacá-lo e já sabendo o que acontecera com o seu comparsa, correu seguido pelo outro, que embora ferido e sangrando deixou a faca caída na areia e saiu numa fuga desesperada.
O piloto, perguntando ao Fernando como soube da confusão, este disse que ao ver a cena das agressões foi rapidamente até a moto a fim de tirar de uma das pastas seu par de patins. Após apanhá-los e segurando-os pelas correias (antigamente, finas correias prendiam nos sapatos alguns tipos de patins), foi até onde a briga estava acontecendo, para poder desarmar quem estava com a faca deu-lhe uma “patinzada” tão bem dada, que o fez cair e largar a faca.
Dirigindo-se então o piloto para onde estava Terezinha (ainda deitada na areia) notou seu semblante, antes tenso e temeroso, era agora só serenidade, coadunando-se perfeitamente com o local e a tranquila mansidão do mar que preguiçosamente chegava até a areia como querendo também participar daquele sublime encontro.
Após tudo acabado e serenado, calmamente o piloto aproximou-se dela, que dengosamente deitada no chão como estava o desejava e o aguardava. Ao abaixar-se para abraçá-la, beijá-la e acariciá-la e ela numa ansiosa e tensa expectativa para que esse momento acontecesse, o piloto começa sentir algo muito estranho, como se fossem brasas de um vulcão queimando suas pernas, sensação que o incomodava cada vez mais, mais e mais, ao ponto de acordá-lo do rápido cochilo que tirara na sombra da árvore fazendo-o ver que se sentara exatamente junto a um formigueiro. As formigas, aborrecidas com aquele estranho incomodando-as na sua casa, iam ferroando-o enquanto ele se deliciava sonhando com sua linda e glamorosa “deusa”.
Livrando-se finalmente das incômodas formigas e sentindo-se melhor do enjoo, procurou Fernando e foi encontrá-lo sentado num muro próximo ao cais, observando o mar e conversando com uma morena, vendedora de acarajés.
Chateado que estava por ter sido apenas um sonho tudo aquilo que acontecera, o piloto chamou Fernando para irem embora. Mais chateado ainda ficou o piloto em razão do desfecho, que por ser inesperado não lhe permitiu sequer dar pelo menos um mísero beijo na sua “deusa” enquanto estava sonhando. Pô! Pensou ele…, isso não se faz!
Nota – Aqui vai uma pausa para esclarecer: Sempre que iam a lugares distantes levavam seus patins para o caso de, em havendo uma oportunidade e local, faziam uma modesta exibição, o que aconteceu no Recife em pleno carnaval e que será contado mais adiante.
Voltando então a Ilhéus, onde parara a narrativa, a fim de terminarem o dia, resolveram dar algumas voltas pela cidade com o intuito de conhecê-la melhor.
Tendo visto naquele mesmo dia as duas cidades, a título de comparação, acharam Itabuna mais avançada que Ilhéus. Chegaram a essa conclusão porque a primeira cidade (Itabuna) apresentava arquitetura mais moderna nos seus prédios residenciais, lojas e edifícios comerciais, enquanto que a segunda (Ilhéus) era mais clássica e conservadora, com prédios antigos e costumes diferentes. Mas ambas as cidades eram conhecidas como “terras do cacau” porque na época havia os famosos “coronéis”, que por terem muito dinheiro, mandavam na região, dentro e fora das suas ricas propriedades.
Findo o dia, pernoitaram em Ilhéus com a pretensão de partirem no dia seguinte, quando então passariam novamente por Itabuna a fim de pegarem estradas menores e através delas saírem mais acima na estrada principal, a Rio-Bahia, mas já em Jequié.
Motociclistas Invencíveis
Semanalmente vamos publicar, aqui no Viagem de Moto, capítulos do livro Motociclistas Invencíveis, romance extraído de uma viagem com moto ocorrida em 1960.
Conduzindo na garupa da moto um amigo, piloto sai do Rio de Janeiro por estradas de terra a fim de encontrar sua linda namorada, que saindo de Itabuna (BA) para morar no Rio de Janeiro, de repente, da noite para o dia, desaparece sem deixar rastros. Chegando a Itabuna, piloto descobre que ela fugia de assassinos (contratados para matá-la), pelo fato dela ser testemunha do assassinato de seu pai, ex-cacaueiro na região.
Por acontecerem muitas aventuras e novos amores pelo caminho, foram até a Paraíba.
Enfrentaram sol, poeira, chuva e lama. Ajudaram, foram ajudados, acontecendo inclusive que, por levarem uma garota (estava num leito de morte) entre eles dois até ao hospital, salvaram sua vida. Em si, a história mostra como eram os motociclistas Nos Deliciosos Anos Dourados.
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