Encontro Harley-Davidson

Boa Esperança

Há três longos dias de ansiedade, a bagagem já estava pronta sobre o sofá da sala, para a viagem de moto, do Rio de Janeiro a Boa Esperança – MG, a fim de participarmos do bate&fica do HOG BH. Na hora da partida, eu e Claudia acordamos cedo e logo estávamos largando a embreagem. A expectativa de 500 km de estrada e de frio na serra da Mantiqueira justificava o pelego (pele de ovelha – solução de conforto, que aprendi com os amigos do Sul), cobrindo o banco da moto.

Em poucos minutos, a Electra varou o corredor no congestionado tráfego matinal da Linha Amarela, cruzou livre a Linha Vermelha e logo estava estacionando no Belvedere – Posto Petrobrás da Dutra, que oferece um delicioso combo de caldo de cana e pastel – onde encontramos o PHD Walter com a Fátima e o PHD Jacir com a Rosana. É inenarrável a alegria ao encontrar amigos motociclistas, na estrada, para iniciar uma boa viagem. Após os abraços e o papo de praxe, além de abastecer os estômagos e os tanques, três H-D Tourings ascendiam à respeitada Serra das Araras, inclinando suavemente nas sequências de curvas e ultrapassando com boa sincronia os muitos caminhões. Como aqueles, serão sempre instantes de prazer e felicidade para qualquer motociclista que aprecie pilotar sua máquina em seqüência de curvas ascendentes, em uma boa estrada.

No transcurso da viagem, nos alternávamos na posição de Road Captain e em um instante mais tranqüilo pensei que é impagável estar na estrada com motociclistas que viajam juntos, não para competir ou se exibir, mas sim para se divertir e compartilhar os prazeres da estrada e a beleza da paisagem que adorna o caminho. Nem percebemos o tempo passar e já estávamos em Resende. Abandonando a BR 116, aproamos o NW, na BR 354, no rumo de Itamonte – MG. Nas minhas viagens, acho mais divertido me orientar pela posição do Sol e pela seqüência de cidades, pois além de exercitar a minha orientação espacial, a nossa estrela nunca falha. Uso, raramente, o GPS apenas para transitar nas imensas metrópoles que não tenho intimidade, como usaria em São Paulo ou usei em Chicago, por exemplo.

Na região de Itamonte, a temperatura baixou bastante, quando a estrada começou a serpentear, adentrando a floresta. Asfalto liso, estrada bem balizada, curvas de baixa e com boa inclinação. Mas, para apimentar a boa mistura da serra, os caminhões faziam ultrapassagens nas curvas cegas, utilizando, criminosamente, a contramão. Por estar antecipadamente avisado, quando aconteceu comigo, não me assustei porque já estava com a Electra bem posicionada, fazendo a curva junto a faixa branca do acostamento.

Depois vieram cidades com nomes singelos como Caxambu, Conceição do Rio Verde e no trevo de Cambuquira, configurando o famoso Circuito das Águas, o Walter “se amotinou”, desviando de Campanha e nos capitaneando para o rumo de Três Corações. Em seguida, passamos por Varginha, Três Pontas, Santana da Vargem e chegamos, após percorrermos 492 km sem um pingo de chuva, a cidadezinha de Boa Esperança, que espraia as suas baixas construções às margens de um dos braços do grande lago formado pela Represa de Furnas.

As três Tourings forasteiras chegaram à pracinha da cidade, junto a Igreja da Matriz, onde estavam estacionadas as muitas H-D, vindas de Belo Horizonte. O PHD Kaca, diretor do HOG BH, nos recebeu e apresentou a vários casais de motociclistas, nos integrando totalmente ao grupo. Ainda tivemos o prazer de encontrar o PHD Capitão Senra, que tinha vindo de BH, pilotando a sua Heritage com sua bengala retrátil presa à cintura e seus 81 anos de estrada da vida. – “É sempre um grande prazer encontrá-lo, meu nobre Capitão”.

Em uma grande barraca, na praça de credenciamento, eram servidos salgadinhos e o chope da Cervejaria Bäcker corria solto. Durante os dias do encontro, além do ambiente de confraternização, rolou muita prosa agradável, fartura de chope e excelente comida – do Filé de Traíra a Leitoa à Pururuca -, regada a boa cachaça mineira. – “Ao HOG BH os nossos cumprimentos pelo excelente encontro e nossa gratidão pela calorosa recepção”.

Para o dia de retorno a previsão era de muita chuva. Mas, pela manhã, o Sol se infiltrava entre as nuvens, nos garantindo algum tempo de asfalto seco. Despedimo-nos dos amigos mineiros e pegamos a estrada. Como de costume, mantendo uma velocidade de cruzeiro de 120 km/h, era possível curtir a beleza da paisagem e nas curvas, mantendo o ritmo, era emocionante ver as motos, inclinado em perfeita harmonia e coordenação. Depois de abastecer em Pouso Alto, paramos Cambuquira, no entreposto Cachaça Paraíso, para comprar umas coisinhas da boa terrinha, cujo povo amigo conserva a tradição de receber como ninguém a todos os viajantes, que pousam por lá.

Mais a frente, na subida da serra, antes de Itamonte, paramos para almoçar no Bar e Lanch – Te Ki Fim, que fica bem no meio de uma curva de alta. Uma comida simples e deliciosa, regada a uma boa cerveja gelada e um pinguim de cachaça, contrariou toda a minha teoria de segurança na estrada. Mas, como só tinha cascudos no nosso trem, caprichamos no prato e a um copo de cerveja e uma talagada da pinga, não pudemos nos furtar. Durante o bate-papo comentei com o Jacir, de maneira que o Walter ouvisse. – Ainda bem que o Walter está como Road Captain, porque nessas serras os caminhões não costumam ultrapassar nas curvas, mesmo sendo contramão.

Então, ele me olhou sorrindo, enquanto falava.

– Meu irmão. Pode voltar para lá.

E todos caímos na gargalhada.

De volta à estrada, para nos ajudar a não triscar os zoins na estrada, no topo da serra, São Pedro entorno a cúpula do céu sobre nós. Foi só o tempo de pararmos para colocar as capas de chuva e votarmos a pista e a chuva parou para não mais voltar. Para fechar o feriado maravilhoso com chave de ouro, chegando a Resende, resolvemos pernoitar em Penedo, porque o Rio estava sob contínuo temporal. Grata surpresa, ao rever Penedo após tanto tempo; como evoluiu. Reorientaram o trânsito e o comércio está mais pujante e mais bonito, oferecendo mais qualidade e opções de serviços aos visitantes. Um aviso aos navegantes: vale a pena relaxar uns dois dias por lá.

Na última manhã de viagem, sob um céu estável, para finalizar um banquete de boas estradas, as sequências de curvas da descida da Serra das Araras é sempre uma iguaria a ser degustada com parcimônia, principalmente, pelos iniciados. E todos chegamos a nossas casas, fartos dos prazeres da estrada, graças a Deus.


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