Continuando com nossas atividades aqui na terra de Marlboro. Após três dias trabalhando para eliminar os problemas decorrentes de falta de uso e excesso de mau gosto na Wing que, por sorteio, coube ao Cyro, e que agora esta que nem pinto no lixo com sua moto, eis que é chegada a hora de Tio Hélio se mandar para Detroit e pegar a segunda Wing.
A coisa era aparentemente simples: um voo de Charlottesville a Detroit com uma conexão em Washington DC. Chegada prevista em Detroit às 13 horas, encontro com o vendedor da moto, receber a moto e iniciar a viagem para Charlottesville (cerca de 600 milhas) às 14h30 no máximo.
Bem, para inicio de conversa, quase fui preso no aeroporto de Charlottesville. Acontece que eu, macaco velho que sou e orientado pelo Comandante Cyro, levei algumas ferramentazinhas básicas para a viagem de volta. Ferramentas que dispararam um alarme que parecia anunciar o apocalipse. Imaginem o espanto causado em um aeroporto quase rural e com pouquíssimo movimento. Após explicar o motivo das ferramentas, recebi a sugestão de despacha-las como bagagem, o que iria me custar 25 dólares. Como apenas três chaves excediam o tamanho máximo permitido para bagagem de mão e como as três custavam menos de 15 dólares, joguei-as no “garbage” (lixo em linguagem cristã) e pronto, problema resolvido. Por enquanto, hehehehehe.
Após embarcar com um atraso de quase uma hora devido ao mau tempo, cheguei a Washington e perdi a conexão por apenas três minutos. O próximo voo só sairia dali a cinco horas. Isso alterava todo o meu minucioso planejamento. Nesse ponto resolvi acionar meus anjos da guarda: Cristiane e Bob, filha e genro do Cyro e o próprio Cyro. Eles refizeram todo o planejamento junto ao vendedor da moto, de forma que, quando cheguei ao aeroporto de Detroit encontrei uma pick-up Chevy branca rebocando uma Goldwing negra como o bigode do Sarney.
Após me apresentar a ele, que estava acompanhado da esposa e de um amigo, levou-me até um pátio onde descemos a moto e ouvi a pergunta mais sem nexo de toda a minha vida: “- Você quer dar uma voltinha?”. O que responder, depois de sair de Cabo Frio e chegar à fronteira com o Canadá para encontrar a danada da Camila? Não disse nada, subi na moto, fiz cara de motociclista, acionei a partida e sai usando toda a técnica para evitar “micos” fora de hora. Algumas curvas para direita, outras tantas para a esquerda e deu para perceber que me entenderia muito bem com a danada da neguinha. Despedi-me do Andy, o vendedor, coloquei minha bagagem na moto, coloquei a placa da Virginia que levei comigo (quando penso na burocracia do Brasil chego a tremer de vergonha) e fui em busca de um hotel, pois era sábado, 20h30 e uma temperatura de 8 graus centígrados.

Domingo, após um lauto café da manhã, instalei o suporte para o GPS e percebi que a moto não tem um isqueiro onde acoplar o carregador do GPS, afinal a moto é o modelo Interstate, onde essas facilidades não existem, diferente da moto do Cyro, uma Aspencade, que tem nada menos que dois isqueiros além de dezenas de outras comodidades. Bem, fazer o que, além de botar o pé na Estrada? Saí de Detroit rumo de casa seguindo o GPS (que ainda tinha carga) e debaixo da maior ventania.

Não andei mais do que duas milhas e meus braços começaram a doer mais do que a velhice. Justificava: o guidão estava posicionado para uma pessoa de baixa estatura, o que era o caso do ex-proprietario, que além de baixinho tinha o hábito, segundo me contou, de colocar um chapéu de cowboy, os pês naqueles ridículos estribos que colocam no mata-cachorro, além de um charuto (este ultimo creio que na boca) e ficar dando voltas no quarteirão para impressionar os vizinhos. Parei a moto em um posto de gasolina, debaixo de um vento gelado cortante e, com as ferramentas que levei, consegui regular o guidão a meu gosto. A pilotagem ficou muitíssimo mais gostosa. Embora estranhando um pouco, fui me soltando e em pouco tempo estava acompanhando o fluxo a 70 / 75 milhas sem problemas e com bastante folga. As curvas começaram tímidas até que encontrei o ritmo certo e passaram a ser feitas em velocidades compatíveis com a qualidade das estradas. O que dá para perceber é que, embora seja uma moto muito fácil de pilotar, não é páreo para uma H-D Touring em curvas, pois as Wings precisam inclinar bem mais do que uma H-D para fazer a mesma curva, provavelmente em função de seu Caster maior. Isso sem falar no som do motor, pois aí seria covardia.

Nesse primeiro dia, planejei costear o lago Erie e, próximo a Cleveland, pernoitar. Quando estava próximo ao meu descanso, o Cyro me chama no radio e avisa para eu fugir o mais rápido possível daquela região, pois a meteorologia previa gelo e neve. Ele então deu-me uma rota que inseri no GPS e tratei de seguir. Eram estradas secundárias que cortavam uma área rural belíssima de Ohio, mas não cheguei a curtir a paisagem, pois acabou a carga do danado do GPS. Comprei um baita mapa de papel e parava de vez em quando para encontrar a rota que o Cyro ia me ditando pelo radio, como se fora um controlador de trafego aéreo malcriado. O fato é que, após 288 milhas, consegui chegar à cidade de Mansfield (Ohio) e me aboletar no primeiro Super 8 que encontrei.


No dia seguinte, segunda-feira, debaixo de muito vento e uma temperatura de 8 graus centigrados, passei num Wall Mart, comprei um isqueiro automotivo, alguns fios, fita isolante e montei uma “gambiarra” para carregar o GPS.
O único inconveniente é que tinha de parar a moto para fazer isso. De qualquer forma iniciei a perna em direção a Beckley (West Virginia), onde cheguei após 360 milhas em estradas principais e secundárias, conforme a orientação que recebia e após checar o GPS que era desligado logo em seguida para poupar bateria. Na chegada a Beckley, a temperatura estava a 1 grau centigrado e a previsão para a noite era de 3 graus negativos.


Acordei cedo na terça-feira, liguei a “gambiarra” no GPS enquanto tomava café e esperei até às 10 horas para esquentar um pouco o tempo. Essa era a última perna e a mais problemática, pois iria atravessar as montanhas, onde poderia haver gelo, e entrar na Virginia. A Estrada é maravilhosa, em meio a uma área preservada com paisagens de tirar o fôlego. O asfalto perfeito e curvas para quem gosta e sabe faze-las, modéstia à parte.


Por sorte, o sol saiu bem forte e não encontrei gelo. Sentia-me o dono da estrada, Nenhum motociclista encontrado, curvas para a direita e para a esquerda como manda o figurino: olhos no objetivo, rotação do motor lá nas alturas, contraesterço, peso na pedaleira do lado interno da curva e um sorriso nos lábios, sabendo que estava fazendo um belo trabalho. Foi assim toda a viagem até Charlottesville. Foram 750 milhas percorridas, na maior parte do tempo com temperaturas em torno de 8 graus e ventos laterais. Não está de todo mau para um septuagenário, hehehehehe.


Quando cheguei, o Cyro me deu a noticia: “- Sua moto esta sem o selo de vistoria obrigatório, temos que providenciar isto.”. Meu Deus, pensei, pagamento de Duda, agendamento de vistoria pela internet, aguardar a emissão do DUT/Recibo, etc. e tal. Principalmente etc. e tal. Acho que nem dormi direito a noite. No dia seguinte, ansioso, mal tomei o café, perguntei ao Cyro se devia procurar um despachante (juro que pensei até mesmo em constituir um advogado, pois se no Brasil era toda aquela parafernália, imaginem aqui !). Que nada, após tomar café calmamente, o Cyro pegou o carro e mandou-me segui-lo até uma oficina próxima, homologada pela polícia de Charlottesville. Entramos, mostrei os documentos da moto, um mecânico fez a vistoria, colou o selo na moto, paguei 12 dólares e PRONTO a vistoria estava feita. Levou mais tempo o caixa fazer o troco do que a revisão propriamente. Eles têm que vir para o Brasil para descobrir como se faz…


Bem, agora tenho que parar para estudar. Sim, vocês entenderam corretamente, hoje, na hora do almoço, o Cyro e a Cristiane chegaram com um presente para mim: inscreveram-me em um curso de motociclismo do Departamento de Trânsito da Virginia, que começa a amanhã, com a duração de 3 dias (2 dias de aulas teóricas e 1 dia de aula prática) com direito a certificado que me garante desconto no seguro da moto.
Depois conto o resultado de mais esta peripécia.
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