A relargada

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Foi emocionante reencontrar a família em Toronto. Em 2012, acompanhei minha sobrinha Sofia, então recém-nascida, necessitando de uma importante cirurgia cardíaca. Era alarmante ver a dificuldade com que respirava. Não ganhava peso. Era grave a situação.
Operada às pressas, lutou bravamente por sua vida, e teve sucesso. Assim foi o seu primeiro grande desafio, à altura da maior de todas as aventuras que alguém possa ter. Ela queria viver; me lembro de ter pensado isso. Sentia uma energia forte nela. A vontade contém em si o gênio, o poder, a magia …. Tão logo cheguei na Roxburry St., lá estavam ela e meu sobrinho Igor, um pouco mais velho que a irmã, acordados mesmo àquela hora da noite, mais crescidos e saudáveis, uma beleza! Fiquei feliz de tê-los encontrado naquela noite. Bons presságios para a largada ao Alaska.

So, Monday morning, early, lá estava eu na Cycle World. Peguei as tralhas na casa do meu irmão, e ele me deu carona até a Sheppard Avenue, onde chegamos bem antes de a loja abrir. Ansiedade …

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Nesse dia eu já pretendia sair rasgando pelas estradas no Canadá. Tinha que alcançar Sault Ste. Marie, a 681 km, e não havia tempo a perder. Sabia que, na oficina, tinha de conversar sobre como fora o serviço, dar uma boa olhada na moto, verificar se não faltavam itens, pagar, pegar recibo, agradecer ao pessoal, tudo com a dificuldade do primeiro contato com a língua inglesa. Ah, isso ia demorar. A meu favor o longo dia que teria, pois era quase verão no hemisfério norte e o sol iria se pôr bem tarde.

Enquanto aguardava do lado de fora, andando pra cá e pra lá, começou a chover. Tive que vestir a capa de chuva sobre a roupa de cordura – que eu já estava vestindo –, antes mesmo de a viagem começar. Quase duas horas depois passou por mim um senhor carrancudo que mancava, não me cumprimentou, e entrou na oficina. E meia hora depois, portas abertas, vejo eles retirarem algumas motos, entre elas a minha V-Strom. Senti alguma coisa. Era só um bem material, muitas peças sobre duas rodas, mas, caramba, era com ela que eu estaria nos próximos vários dias. Ela me levaria até o norte do Alaska, e depois deveria me levar de volta à minha casa em Sorocaba e, no entanto, estávamos no Canadá a 7.500km de Prudhoe, 18.000km de Sorocaba. Não sei bem o que senti. Talvez uma vertigem. Não me pareceu naquele momento que a empreitada fosse possível.

Então aquele cara carrancudo me chamou interrompendo esses pensamentos, e foi só simpatia comigo. Era o Bill. Logo me apresentou uma lista com os itens revisados, tentou me explicar as coisas. Lembro de ter perguntado sobre o óleo que tinham usado. Era o Motul 300 V, sintético, que ele recomendou trocar a cada 7.000km. Nisso chegou o John, the owner, com um capacete de dorso de dinossauro. Hey man! Crazy helmet! Ele disse: Crazy helmet for crazy people! Figura esse cara. Recomendaram-me ter muito muito cuidado com os Mooses, que disseram ser animais enormes, cuja cabeça dava a altura da janela da cabine de um caminhão. E contaram casos de motociclistas que eles conheciam e que se quebraram todo por causa desse bicho que surgia de repente nas estradas. Anotei bem o conselho mentalmente. Paguei a fortuna de 2.500 dólares canadenses, que tinha comigo em cash, trazidos do Brasil. Ficaram bestas de ver que um brasileiro tinha todas aquelas notas da moeda deles. E, bem felizes com isso, ganhei um bom desconto.

Veio o Peter, o mecânico. Todos queriam me conhecer. Ele gostou da minha bota que eu tinha amarrado na garupa e ficou admirado de termos isso no Brasil, mas eu tentei explicar que vinha de uma loja francesa bem comum hoje por aqui … Se eu soubesse naquele dia que essa bota ia me dar tantas bolhas no pé, teria dado de presente a ele.

Aí apareceu um sujeito, que não sei o nome, vestido de roupa camuflada. Ele me chamou de lado e me fez de presente dois panos verdes e um funil. Eu não entendia o que ele dizia, mas sim o contexto. Tentei ser educado, mas na hora não gostei muito, porque não queria carregar a moto com mais nada. Que senhor ingênuo esse, imaginar que um cara vindo do Brasil e se dirigindo ao Alaska não teria previsto esses itens em sua bagagem. Para não ser descortês, enfiei isso pelo elástico aranha e agradeci.

Pra resumir, fizemos algumas fotos. Eles queriam algo que lembrasse o Brasil, então pus um adesivo da bandeira do Brasil um pouco abaixo da placa, no paralama, e todos tiramos fotos ali. Dei uma bandeirinha de presente também.

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O Bill instalou no guidão meu suporte de GPS, e, feitas as despedidas, quando normalmente fico bem sem graça, montei na moto e lentamente fui saindo. Nossa, mal podia acreditar. Será que era isso mesmo? Será que estava tudo ali? Será que não tinha esquecido de nada? Eu, livre para rodar? Meses de expectativas tendo fim para dar lugar ao que eu realmente queria fazer? Olha, era difícil mesmo de acreditar.

Mas ainda não era tudo. Eu ainda estava frio nas minhas experiências pelo caminho, e tinha que fazer o primeiro abastecimento logo ali pertinho. Até isso eu tinha pesquisado no Google e, meses antes, sabia exatamente como ia para lá. Em especial, teria que usar uma faixa exclusiva para conversão, comum em Toronto, e prestei bem atenção nisso. Os postos lá são self-service, e isso já me provocava certa tensão. Mas correu tudo bem, e, na chuva, iniciei a longa travessia de leste a noroeste extremo do continente norte-americano.

A primeira coisa a fazer era alcançar a Rota 400, sentido norte, para Sudbury, e o fiz através da 401. Ainda estava sem GPS e há muitas faixas de rodagem, mas não errei nada. A moto parecia estar em ótimas condições. Fui devagar sob a chuva, prestando toda a atenção. O começo é sempre mais difícil. Na altura de Sudbury ingressei na Trans-Canada Highway, que ali leva o número 17, estrada em que permaneci ainda vários outros dias, pois é muito longa e corta todo o Canadá no sentido leste-oeste. Nesse dia o caminho todo ladeava o Lago Huron.

Era muito bom estar livre e de volta às estradas!

“Você deve amar a vida que tem, e viver a vida que ama”. Esse era o meu dia!

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