Fairbanks – Deadhorse – 49º dia

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América do Norte, Alaska, EUA

Fairbanks – Deadhorse (Parcial = 820 Km / Total = 23.162 Km)

Às 04:00h da manhã, nos despedimos e o Robertinho seguiu para o aeroporto, voltando para casa. Fiquei triste com a partida do amigo. Mas, foi a melhor solução para ele, pois estava sofrendo demais. – Grande companheiro! Não vou esquecer suas lições: olho nas placas, não fique sem gasolina e nem hotel e não corra demais. Valeu a companhia. Vai fazer falta –.

 

Como não consegui dormir, comecei a me preparar para a minha partida.

 

Às 5 horas no saguão do hotel, um hóspede me perguntou: vai para o sul ou norte? Respondi Prudhoe Bay e ele falou várias coisas que não entendi – mas seu olhar dizia tudo – e concluiu, recomendando muito cuidado.

Fui para a moto, na bagagem apenas o PC, roupas de frio, água, chocolate e barrinhas, além do material de higiene. Quanto a autonomia, dois galões de 8 litros era o suficiente para cobrir a última perna de Coldfoot a Deadhorse, 410 km sem posto de gasolina.

 

Com pouco ânimo, parti de Fairbanks sem abastecer, a fim de parar em Fox – se eu estivesse com o Robertinho, com certeza teria abastecido. No posto da cidade ainda não tinha ninguém e não consegui operar a bomba que só funcionava com cartão de crédito. Tudo bem.

 

Segui para Livengood. Onde esconderam a cidade? Quando dei por mim já tinha avançado um pouco mais de 100 km e estava de cara com o início da temida e respeitada Dalton Highway, a AK-11. É uma autêntica Damage Road, bem pior do que as Lose Gravel.

 

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Parei a Harley e olhei para o que seria o meu Hell’s Gate Parte II. Pensei: se são 800 km de inferno, esse será o meu Hell’s Hearth, Parte I. Desânimo completo. Já não conseguia calcular a minha autonomia, em função do que eu ainda tinha no tanque de gasolina. Dei umas pancadas nos galões, presos nas pedaleiras, porque já não sabia se estavam completamente cheios e já estava em dúvida se não teria sido melhor ter trocado o pneu traseiro. Tinha um monte de desculpas para não avançar e não me sentia bem para enfrentar todas as possibilidades, sozinho. Se eu sofresse uma queda? Iria demorar para aparecer alguém em condições de me ajudar a levantar a Electra. Se ocorresse uma pane ou eu me machucasse? Nem queria pensar.

 

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Com o coração apertado, voltei os 100 km para Fox, a fim de abastecer a pleno os 3 tanques de combustível, comer alguma coisa e pensar. É! Estou velho e urbano demais. Não conseguia comer. Comprei um suco de maçã e fui beber lá fora. Fiquei pensando: em Ushuaia a dificuldade foi em 300 km de ripio, aqui são 800 para ir e 800 para voltar, com um cardápio de risco mais variado.

 

Montei na Harley e reiniciei a jornada. Fui curtindo o frio, o visual e as curvas na boa estrada e cheguei no cruzamento, onde estava a placa de início da Ak-11. Reduzi bem a velocidade, um mínimo de aceleração e entrei sem titubear. A base do lose gravel era puro barro e as margens da estrada era só mata e não se via ninguém.

 

Menos de meia hora no barro, lá vem a Patrol (trator especial) revolvendo o barro com a água despejada pelo caminhão pipa. Pilotar nestas condições é puro estresse e pura tensão. Pensei: vai ser um inferno e vou ter de aguentar a repetição desta situação, constantemente.

 

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Passam-se as horas de sofrimento e de repente, a redenção: um asfalto perfeitamente liso e bem balizado. Ah! É disso que nós gostamos – pensei com os meus botões. Aceleração para cima, piloto automático, curtir a paisagem e fotografar.

 

Após uma descida, a miséria de novo. E a viagem toda será uma sucessão de tipos estradas, onde se sucediam asfalto perfeito, asfalto destruído, ripio (lose gravel), brita, lama, terra fofa, aleatoriamente. Nos momentos que eu estava em boa estrada e podia contemplar a paisagem, pensava que tudo está valendo a pena.

 

A gasolina do tanque já estava no fim e já tinha ultrapassado o limite de autonomia de combustível que me possibilitava desistir e voltar. Mesmo nas lutas para manter a Harley em pé, estava sereno, me sentindo seguro e feliz. Já estava chegando aos 200 km rodados e Coldfoot já deveria estar por perto.

 

Lembrei do Robertinho: “Procura as placas, olha as placas”. Fiquei atento esperando aparecer a placa de Coldfoot, sem admirar a paisagem. No ano passado, os amigos do sul quase passaram sem vê-la e ficariam sem gasolina.

 

Parei em frente a bomba e já eram 15 horas. Mesmo sendo tarde, o sol continuaria no céu, Então, resolvi percorrer os 400 km finais. Mas, existia a possibilidade do sono me surpreender. Essa situação me lembrou o amigo Manuel Elísio, que pilota movido a Red Bull para não dormir. Comprei três latinhas, tomei uma, mais um suco de maça, uma barrinha e um chocolate. Completei os três tanques e estava pronto para partir.

 

Logo depois de Colfoot, pista de primeiríssima qualidade. Meu Deus! Acabou o sofrimento. Depois de 37 km de tranquilidade, o inferno surgiu novamente. Conflitei. O inferno não pode ter uma paisagem tão linda: eram as Brooks Range Mountains. A região periférica a cadeia de montanhas com seus picos descascados de vegetação pela neve invernal é totalmente desabitada e apenas a Dalton Hwy e o Trans-Alaska Pipeline System passam por lá.

 

Durante o caminho, nas horas que a estrada nos dá uma trégua, a sensação de solidão é descomunal e a paisagem é de tão elevada beleza, que nenhuma fotografia é capaz de captar. Raramente paro para fazer uma fotografia, preocupado com ursos famintos e as grandes moscas negras dos rios e outros mosquitos, que vem em nuvem me atacar.

 

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O tempo passa e o colosso vem crescendo a minha frente. A estrada de barro e brita sobe vertiginosamente na cordilheira: é o Atigun Pass (1,415 m). Será que vou derrapar? Vou subindo, escolhendo a trilha de pneus deixadas pelos caminhões, acelerando o mínimo para a moto avançar. Olho pelo retrovisor buscando apoio e o meu amigo não está mais lá. Meu parceiro de estrada agora é o duto de óleo, que está sempre em um dos meus lados, a me acompanhar.

 

No caminho para aliviar a solidão, passei a acenar para os grandes caminhões e com o passar do tempo notei que eles passaram a responder e a não acelerar quando passam por mim. Devem ter se comunicado pelo rádio: Aí galera! Vamos aliviar o maluco amistoso da motocicleta. Passei a fazer a mesma coisa com as caminhonetes branca do Pipeline. De tempo em tempo, quando passa um veículo, cumprimento e eles me respondem. Já não estou tão sozinho, assim. As vezes passa mais de uma hora sem passar ninguém. Minha velocidade vai variando de 30 a 60 km/h. Nas raras oportunidades, chega a 110. E com isso noto que estou gastando tempo, mas economizando gasolina.

 

Quando desço o Passo, congelante, vou me afastando das montanhas e me aproximando do mar.

 

A noite chega e o sol não vai se deitar. As muitas nuvens escondem o sol constantemente, o frio aumenta e o cansaço do corpo também.

 

Mesmo a paisagem sendo tão bonita, não tenho disposição para parar. Além disso, a mão está gelada demais, mesmo com a luva especial da North Face. Então, não tenho como fotografar.

 

O odômetro se movimenta devagar, olho o horizonte e parece que Deadhorse nunca vai chegar. De tanto controlar o acelerador e segurar o guidão com força, o pulso já está dolorido e arrisco a usar o piloto automático no ripio para poder aliviar a dor. Com 360 km rodados, entro na reserva e o computador de bordo informa que tenho mais 65 de autonomia. Assim, chegarei lá sem usar os galões.

 

Passa-se mais tempo, começo a cantar uns Rocks antigos para ocupar o tempo e afastar o medo também. Pena que o som do painel está quebrado e não posso ouvir as belas músicas que meu filho gravou para mim.

 

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Já tranquilo no ripio e na lama, vou divagando para o tempo passar. De longe, já distingo um grande acampamento com muitos hangares e grande máquinas. Entro na cidade e fico perdido entre os containers travestidos de moradias e acho na chuva fina que se inicia, o Artic Caribou Inn.

 

Às 22:00 h em ponto, gelado de frio, doido por um banho quente e uma cama macia, forço um bonito sorriso para a atendente e recebo um não. Acho que ela sente pena do velho descabelado e gentilmente, me direciona para o Prudhoe Bay Hotel. Já essa atendente me diz que tem um único quarto disponível por essa noite. Respondi: “Tudo bem. Amanhã é outro dia.” Ufa! Dia comprido. Pela primeira vez na vida, pilotei minha Harley durante 17 horas contínuas, sob o sol.

 

À minha família, aos meus amigos, aos meus irmãos, muito obrigado pela companhia espiritual e pelas palavras de apoio. Graças ao que aprendi com vocês, a minha Harley ainda está perfeitamente inteira e graças a energia de seus bons pensamentos, eu estou muito bem.

PHD Artur Albuquerque
Fonte: http://phdalaska.hwbrasil.com/site/ e http://www.phd-br.com.br/


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